Dois apartamentos são praticamente os únicos espaços em que o longa suíço A Garota e a Aranha (Das Mädchen und die Spinne, 2021) se desenrola. Apesar disso, são muitas as personagens, o que faz com que, nesses locais pequenos, elas esbarrem-se, encarem-se e entreolhem-se constantemente. Com essa escolha de estrutura, Ramon e Silvan Zürcher, irmãos gêmeos que dividem a direção, parecem querer forçar interações humanas. Um desses apartamentos pertence a Lisa (Liliane Amuat) e o outro ela costumava dividir com Mara (Henriette Confurius), sua amiga. É a partir da mudança de Lisa — e dos atritos que dela nascem — que o enredo se inicia.
Nas primeiras cenas, A Garota e a Aranha aparenta retratar acontecimentos costumeiros: Lisa, com a ajuda de sua mãe, Astrid (Ursina Lardi), empacota objetos, transporta móveis e inspeciona o trabalho de dois carregadores contratados para a mudança. No entanto, os diretores mostram que sabem trabalhar com a tensão mesmo quando nada importante está acontecendo. A mera presença de Mara, a ex-colega de quarto, é o que cria o ponto de desconforto e parece movimentar a dinâmica estranha do ambiente. Ela está frustrada e com inveja, pois será deixada morando sozinha após anos de convívio com Lisa. Suas ações, como é de se esperar de um filme inicialmente tão voltado às banalidades do cotidiano, são sutis, passivo-agressivas. Lisa é personagem coadjuvante e sua partida serve apenas para evocar sentimentos ruins entre elas.
Em meio à concretude de um ato habitual, a mudança de uma jovem de seu apartamento, há sempre um elemento ficcional, fantástico e imersivo. A aranha é um deles e atua na trama como mais um dos símbolos difíceis de encontrar significado. O espectador que buscar sentido em A Garota e a Aranha irá se frustrar, pois as explicações não estão nem um pouco ao alcance. A análise correta do filme, por assim dizer, deve levar em conta que as ocorrências são o que são, e sua força subjetiva depende só do que é apresentado na tela.
A Garota e a Aranha é um filme que não entrega respostas e muito menos faz questão de significar alguma coisa. Ainda que isso contribua para a experiência imaginativa proposta pelos diretores, certas partes só são confusas e o choque inicial diante das interações improváveis entre as personagens desvia o foco de outras peças mais importantes do enredo. Ao final, a sensação é de algo incompleto, porém reconfortante.
Esse filme faz parte da 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique na tag no final do texto. Confira o trailer:
*Imagem da capa: Divulgação/Berlinale – Berlin International Film Festival