Jornalismo Júnior

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Os ritmos de uma terra

A cultura popular brasileira pode ser descrita como uma colcha de retalhos costurada com agulhas e linhas das mais variadas origens e tecida com desenhos diversos.

Passadas de geração a geração através da tradição oral, as manifestações culturais apresentam a maneira como um povo canta, brinca e dança. E os ritmos brasileiros possuem um papel vital nas tradições folclóricas, representando uma memória corporal secular. 

O pesquisador e folclorista Oswald Barroso, disse em entrevista à Jornalismo Júnior, que as origens dessas tradições “se perdem no tempo, porque suas práticas se assentam em mitologias universais, comuns à comunidade no tempo e no espaço”. Ele ainda lembra que para se manterem vivas elas necessitam estar em sintonia com as mutações do imaginário popular, pois há uma renovação contínua.  

De fato, as danças folclóricas no Brasil apresentam inúmeras mutações não somente ao longo do tempo, mas também devido a regionalismos. Por isso a dificuldade de defini-las em um só conceito ou prática: “as diferenciações dessas danças tradicionais, ao tornarem seu universo mais rico, complexificam seus estudos e tornam mais desafiadores os caminhos de seus estudiosos”, diz Oswald. 

Esses saberes, no entanto, permanecem desconhecidos por muitos brasileiros e brasileiras por conta das barreiras territoriais e da falta de incentivo à divulgação pelos órgãos culturais. Em 2014, o IBGE lançou uma pesquisa sobre a gestão cultural nos municípios do país e constatou que apenas 54,3% deles possuíam uma política para esse setor. 

O reconhecimento do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) é fundamental para a valorização desses saberes e incentivo a seus praticantes. De acordo com o professor Barroso, “esse reconhecimento ainda é mais valioso se redunda em apoio efetivo, através da aprovação de projetos e estímulos outros, que facilitem suas práticas. Além do mais, ao valorizar esses saberes, contribui para seus cultivos e seus cultos, à medida em que estimula suas práticas e eleva o respeito de todos pelo saber de quem as praticam”. 

 

Lundu 

Sinônimo de festa e sensualidade. Euforia nortista transcrita nas saias coloridas rodadas das dançarinas. Transcrita nas flores que enfeitam seus cabelos e nos movimentos requebrados que performam. 

A dança famosa pelo seu passo da “umbigada” se originou ainda no período colonial. Segundo o pesquisador José Ramos Tinhorão, o ritmo nasceu do calundu, um culto africano praticado durante essa época que possui ligações com o Candomblé. O rito de cura era uma combinação de variadas tradições religiosas da África Central e envolvia cânticos, dança e acompanhamento de percussão que serviam para estimular a sensação de transe a qual mediaria uma conexão com os ancestrais. 

Com o passar do tempo, o ritmo foi modificado por influências europeias, aderindo passos e trejeitos do fandango, uma dança de salão ibérica. Manteve-se porém a tradição da umbigada, movimento angolano caracterizado pelo toque dos ventres dos pares de dançarinos.

Grupo da dança tradicional do lundu faz a "umbigada"
Grupo de lundu da Comunidade Quilombola de Custaneira, no Piauí. [Imagem: Reprodução/Encontroteca]
O lundu possui naturalmente um caráter sensual, não somente pela característica umbigada mas por sua própria temática. A dança nasce do convite do homem para uma mulher que o recusa através dos movimentos da saia mas, por fim, acaba cedendo na execução do passo. No Império, a Corte e o Vaticano a proibiram justamente por essas características do ritmo. Hoje, no entanto, a dança é tradicional na Região Norte do país apesar de ainda ser considerada profana e é pouco difundida nos outros estados.

O Grupo Sabor Marajoara, fundado ainda na década de 80 nos arredores de Belém, tem como objetivo divulgar e estimular essa tradição folclórica. Para eles, a dança remete aos antepassados e carrega uma simbologia que remonta a história de gerações e relatos da comunidade negra que chegou à Região Norte. 

Muitos se refugiaram na Ilha de Marajó difundindo suas tradições. Especialmente o lundu, que até hoje é praticado na Ilha, onde é conhecido como lundu marajoara. 

 

Forró

No dia 13 de dezembro de 1912 nascia Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, um dos mais famosos cantores brasileiros que já existiu. Hoje, a data é celebrada como o Dia Nacional do Forró, ritmo nordestino popularizado por Luiz Gonzaga e disseminado em todo o território pelos imigrantes nordestinos nas décadas de 60 e 70.

O forró tem uma origem nos bailes populares realizados no século 19 que eram chamados de “forrobodó”, palavra que significa arrasta-pé ou farra. O ritmo tem influências das danças de salão europeias, como o fandango, e também do toré indígena. 

O toré é um ritual de tribos indígenas das regiões Norte e Nordeste que envolve dança, cantos e luta. A semelhança com o forró se encontra no movimento de arrastar os pés, característico em ambas as manifestações. 

A dança é formada por casais que se movimentam com os corpos colados e performam o famoso passo dos dois para lá e dois para cá, sempre trocando o pé de apoio. O forró possui variações de estilo como o xote e o baião, que diferem nas marcações de ritmo.

Danças típicas: Estátuas em Caruaru, município do Recife, conhecido como a “Capital do Forró”. [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]
Estátuas em Caruaru, município do Recife, conhecido como a “Capital do Forró”. [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]
Apesar de sua idade avançada, o forró permanece tradicional e muito celebrado no nordeste brasileiro. Sinônimo da cultura nordestina, ele é imortalizado no toque das sanfonas que ressoam em todo o sertão da região. 

 

Siriri

Ritmo da Região Centro-Oeste do Brasil, a dança remonta à formação histórico-cultural do território. Ela remete às brincadeiras indígenas e aos bailados lusitanos, sendo considerada uma dança-mensagem por conta dos cantos que a acompanham e contam histórias de respeito e culto à amizade além de falar sobre a simplicidade da vida. 

A coreografia consiste em uma grande roda ou uma fila formada por pares que performam um de cada vez realizando movimentos rápidos e acompanhando o ritmo com palmas. A dança possui passos circulares e giros, além dos movimentos das saias longas e coloridas usadas pelas mulheres. 

O siriri é especialmente celebrado no Mato Grosso, onde sua disseminação acompanhou a trajetória de ocupação e miscigenação da área que se deu ao longo do Rio Coxipó. Esse processo gerou um grande assentamento, o Arraial São Gonçalo, comunidade ribeirinha povoada pelos índios Coxiponé que criaram a tradição do siriri no local. Hoje conhecido como São Gonçalo Beira Rio, o município possui um dos grupos mais populares de siriri, o Flor Ribeirinha.

Em entrevista à Jornalismo Júnior, o diretor do grupo e neto de Dona Domingas, fundadora do Flor Ribeirinha, Avinner Augusto diz que “o siriri para nós vai além da dança, ele atua na nossa formação humana. Para mim, que nasci nas festas de santo e nos quintais sempre tive essa paixão pelo trabalho da minha vó, e para os jovens do Flor Ribeirinha tem esse sentido de repasse de saberes que acaba se tornando fundamental nas nossas vidas”. 

O grupo realiza trabalhos em prol de repassar a importância do ritmo para a comunidade, “ele (siriri) contribui pro nosso desenvolvimento físico e cognitivo, isso a gente tenta passar para as crianças e os idosos que participam do projeto Quintal da Domingas. No sentido da educação, a gente recebe escolas para mostrar a importância do siriri e da sua formação histórico-cultural para o povo cuiabano”. 

Além disso, eles realizam o Festival do Siriri, que ocorre desde 2001, e participam de competições nacionais e internacionais para trazer visibilidade à dança. Quanto a isso, Avinner ressalta: “Dar visibilidade a essa manifestação cultural tão rica e importante para a identidade brasileira foi o principal objetivo do Flor Ribeirinha perante as competições e as amostras além das fronteiras do Mato Grosso”.

 

Cana Verde

Dança, brincadeira e tradição. A cana verde ou caninha verde incorpora tudo isso, sendo uma manifestação cultural presente na região Sudeste do Brasil, a dança de roda possui inúmeras variações. 

O ritmo de origem ibérica foi transformado à medida que se difundiam nas localidades. No Vale do Paraíba Fluminense (RJ), por exemplo, é uma manifestação carnavalesca. Lá, era praticada uma forma mais tradicional da cana-verde, ou seja como uma espécie de quadrilha junina. Atualmente, o baile de roça foi adaptado aos blocos de Carnaval, sendo acompanhado por marchas que anunciam a entrada dos brincantes, os passos e a disposição que devem performar (contra-marcha, meia lua e outros). Nos bailes carnavalescos também existe o hábito de apresentar os brincantes como personagens e criar temáticas como o casório de  Carnaval. 

 Já em regiões do Estado de São Paulo como Ubatuba, a dança é incorporada na tradição dos bailes de fandango. Nesse caso, a coreografia apresenta características tradicionais e consiste em uma grande roda formada por pares que dançam em sentidos contrários sem jamais se tocarem e sempre trocando de lugar. 

Porém, independente da localidade, persiste a tradição dos cantos e momentos de representação com prosa. 

“É tão belo os portuguêis
É tão belo festejá } BIS
Nosso reis já vai ao trono
Vamo já comemorar” }
BIS – marcha de Carnaval da caninha verde

Apesar de terem se modificado ao longo dos anos e das gerações, as tradições rítmicas no Brasil permanecem compondo e moldando a cultura brasileira como um todo através das suas singularidades regionais  e da transmissão de saberes culturais e comunitários.

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