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Como nasce um introvertido?

A relação de traços de personalidade com fatores genéticos e a desmistificação de ideias associadas às pessoas introvertidas

Se você está há muito tempo na internet, provavelmente já fez um daqueles testes de personalidade, sejam os baseados em teorias como o MBTI, sejam aqueles que prometem descobrir sua personalidade se você escolher cinco fotos de gatinhos. Dentro da psicologia, o estudo da personalidade e do cérebro introvertido e extrovertido é um campo diverso com muitas teorias e diferentes classificações. Uma das mais antigas foi cunhada pelo psicólogo Carl Jung e é dedicada a entender a forma como cada indivíduo obtém sua energia social.

Quando alguém fica mais energizado ao sair com amigos e conhecer novas pessoas, ou seja, convivendo no mundo externo, essa pessoa é classificada como extrovertida por Jung. Já os introvertidos obtêm essa energia de maneira “interna” se voltando a si mesmo. Por exemplo, em um dia chuvoso, extrovertidos podem se ressentir por não poder sair e socializar, enquanto introvertidos ficam felizes em permanecer em casa e maratonar uma série na Netflix.

Na verdade, essa diferença de comportamento é um pouco mais complexa e não por acaso: existe um fator genético que explica porque introvertidos e extrovertidos são assim. É até possível dizer que os cérebros de introvertidos e extrovertidos não funcionam da mesma forma.

 

Neurotransmissores e a influência nos traços de personalidade

Jennifer Granneman, fundadora da comunidade Introvert, Dear, afirma em seu artigo “Why Introverts and Extroverts Are Different” que a principal diferença está em um neurotransmissor chamado dopamina. 

Os neurotransmissores são moléculas encontradas no cérebro liberadas por neurônios pré-sinápticos e recebidas por neurônios pós-sinápticos. Elas carregam informações que estimulam os neurônios pós-sinápticos. As respostas a esse estímulo podem ser excitatórias ou inibitórias, dependendo do neurotransmissor. A dopamina, citada por Jennifer, é responsável pela sensação de humor e prazer. Tanto introvertidos quanto extrovertidos possuem a mesma quantidade de dopamina, no entanto, ela possui mais atividade no cérebro dos extrovertidos.

Fórmulas químicas estruturais da dopamina e da acetilcolina
Fórmulas estruturais dos dois neurotransmissores que atuam no cérebro [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

“Introvertidos preferem usar um neurotransmissor diferente chamado acetilcolina. Como a dopamina, a acetilcolina é também ligada ao prazer; a diferença é que a acetilcolina faz com que nos sintamos melhor quando nos voltamos para o nosso interior”, afirma Jennifer nesse mesmo artigo. A acetilcolina está ligada ao sistema parassimpático que é ativado em momentos de relaxamento, enquanto o sistema simpático (que utiliza a dopamina) estimula respostas em situações de estresse e excitação. “Quando pensamos em funcionamento simpático e parassimpático, pensamos automaticamente em funcionamento hiperativo ou hiper-reativo”, é o que afirma a especialista em neuropsicologia pelo Instituto Paranaense de Terapia Cognitiva (IPTC), Talita Perboni. 

 

Essa ligação permite visualizar mais facilmente porquê extrovertidos são mais energizados: quando estão em atividade, seu sistema simpático trabalha mais. Ao passo que a agitação é demais para um introvertido e, em algum período do dia, eles precisam recarregar as energias com momentos de silêncio e relaxamento, o que ativa o sistema parassimpático.

 

“O cérebro é um sistema dinâmico incrivelmente complexo. Como eu costumo dizer ‘a gente atira no que vê, e acerta no que não vê’”, complementa Flávia Sollero-de-Campos, doutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).

 

Se nasce introvertido ou se torna um?

Talita comenta que a personalidade é um conjunto de fatores que nasce com o indivíduo. Mas também há a influência de fatores ambientais e em como cada um  lida com determinadas situações do cotidiano, especialmente na infância, quando a personalidade está em maior desenvolvimento. “É uma combinação das heranças genéticas, havendo pouco a ser feito para modificá-la […] E como fatores ambientais, as necessidades básicas de apego, segurança, estabilidade, autonomia e limites com afeto, as quais vão ser mais bem atendidas ou não de acordo com o contexto em que a criança é criada e como ela interpreta isso”. 

Ligada a essa ideia, Flávia cita o renomado psicólogo Jerome Kagan que pesquisou a questão da biologia e do temperamento acompanhando bebês até a idade adulta. A pesquisa dele se volta para a reatividade a estímulos (sons, imagens e odores), uma característica que é determinada principalmente pela genética. De acordo com sua pesquisa, muitos bebês com alta reatividade crescem sendo adultos desinibidos e aqueles que possuíam baixa reatividade na infância, na maior parte, tornaram-se adultos mais inibidos. Porém o ambiente também pode moldar a reatividade dessas crianças, de forma que não necessariamente um bebê com baixa reatividade se tornará um adulto inibido. “As pessoas nascem com essa característica, mas será o meio ambiente (via influências dos adultos, classe social, por exemplo) que vai modular, ‘compensar’, ou reafirmar a tendência predominante naquela criança”, ela afirma.

 

Em outras palavras, a introversão ou extroversão é um traço genético e inalterável, o que pode acontecer “é que uma criança cresça sendo extrovertida […] passe a retrair-se continuamente mostrando-se na vida adulta como alguém tímido, mas não necessariamente introvertido”, conclui Talita.

 

Introvertidos são tímidos?

Em geral, os introvertidos preferem passar o tempo sozinhos a socializar com um grupo, evitam compartilhar pensamentos pessoais e optam por ficar nas bordas da multidão em ambientes sociais. Flávia afirma que, em uma sociedade que exalta extrovertidos, “podem facilmente presumir que essas características [do introvertido] significam que a pessoa tem depressão, ansiedade ou fobia social”. Ela ainda cita casos em que amigos ou familiares — com boas intenções — sugerem que essa pessoa procure um profissional, para “socializar mais” ou “superar a timidez”.

Imagem colorida de show com luzes e pessoas dançando
Pessoas introvertidas também podem se divertir em shows, festas e lugares com muita gente. A diferença entre elas e os extrovertidos é que os introvertidos podem se esgotar mais rapidamente nessas situações. [Imagem: Reprodução/Pixabay]

Relacionar introversão com timidez é comum, porém Flávia explica que a timidez é um estado de inadequação ou até mal estar no contato com outras pessoas, enquanto a introversão é um temperamento inalterável. “O tímido tem medo do julgamento dos outros, já o introvertido tem uma maneira própria de se relacionar com as pessoas”.

Além disso, a associação da introversão com doenças como ansiedade, depressão e fobia social também não é correta. “Elas [doenças mentais] ocorrem pelo desajuste socioambiental da pessoa, dessa forma podem ocorrer tanto em pessoas introvertidas como extrovertidas, dependendo do contexto em que a pessoa está inserida e em como ela lida com ele”, afirma Talita. “O introvertido baseia-se em seu mundo interno para guiar sua vida e isso não precisa ser algo disfuncional ou patológico”.

Imagem mostra pessoa em ambiente escuro com expressão facial pensativa
Isolar-se é uma forma do introvertido de recuperar sua energia. Isso não o prejudica, mas sim, ajuda-o a se preparar para um novo dia. [Imagem: Reprodução/Pixabay]

Flávia complementa que a associação entre traços de personalidade e sintomas de doenças psicológicas é muito complexa e é preciso levar em consideração os fatores externos e contextuais, como, atualmente, a pandemia de Covid-19 e as medidas de distanciamento social.

 

Então, ser introvertido é ruim?

Esse questionamento não é incomum  A sensação é de que a maioria das pessoas coloca extrovertidos e introvertidos como opostos, e exalta aquelas pessoas mais animadas e com maior desenvoltura, até mesmo introvertidos acabam pensando assim. Nathália Oliveira, 21 anos, é estudante de Artes Visuais na Universidade Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e se considera uma pessoa introvertida. Ela conta que, durante as atividades da escola, que exigiam que ela falasse na frente da turma, as apresentações pareciam mais fáceis para outras pessoas do que para ela. Nathália ainda afirma que já tentou “se forçar” a ser extrovertida. 

“A sociedade atual privilegia e valoriza o ser ‘ativo’, ‘expansivo’, ’realizador’ e ‘destemido’. Isto é, à grosso modo, a definição social de um ser bem sucedido” complementa Flávia sobre a experiência da estudante. Essa valorização de um temperamento em oposição ao outro começa logo na infância. Flávia explica que os próprios pais incentivam as crianças a serem mais sociáveis e extrovertidas.

De fato, ter uma “maior sociabilidade e mais vontade de assumir riscos demonstra grande adaptabilidade ao mundo contemporâneo”, opina Flávia. Na adolescência, essa criança mais extrovertida provavelmente ganhará mais espaço social. No entanto, por outro lado ela sugere que introvertidos conseguem mais espaço na atual “economia tecnológica” que exige adultos que gostem de trabalhar sozinhos. Ela exemplifica essa exigência com profissões como programadores, historiadores e pesquisadores, nas quais, no geral, ser introvertido pode ser uma vantagem.

 

“Já me incomodou [ser introvertida], mas hoje aceitei que é só uma parte de quem eu sou e me sinto bem com isso”, conta Nathália.

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