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As influências do Futebol como porta de entrada para o esporte

O primeiro contato com essa modalidade esportiva pode ajudar a fundar valores, mas não de maneira democrática

O futebol é um esporte com larga difusão cultural no Brasil e isso não é novidade. Sua quantidade de torcedores, mercado movimentado e repercussão nacional atestam esse fato. Cerca de 80% da população brasileira torce para algum time do país, segundo o artigo “G20: As maiores torcidas do Brasil”, de Bruno Martinelli para a Universidade do Futebol. Com toda essa presença do futebol em nossa cultura, entenda as influências que esse esporte pode exercer no contato das pessoas com o seu primeiro esporte. 

O primeiro contato e os seus reflexos

A introdução de um esporte na vida de uma pessoa já se inicia logo em sua infância, quando ela é comumente apresentada ao futebol, muitas vezes por meio da figura do pai. Seja de maneira recreativa, com piadas ou brincadeiras sobre qual time a criança irá torcer, ou de maneira simbólica — os diversos escudos que ela pode escolher idolatrar —, esse esporte se faz presente desde cedo na vivência da população.  

Segundo Sílvio Ricardo, Coordenador do Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas da UFMG  (GEFuT) isso ocorre porque: “O futebol tem uma representatividade cultural e identitária muito forte. Então, quando alguém chega em uma família a partir do seu nascimento existe uma ideia de você apresentar para essa criança, para essa pessoa, algumas possibilidades, algumas opções. Então, as famílias de uma maneira geral apresentam uma religião, uma opção educacional, política e também uma questão identitária que passa a ser o futebol. O futebol se insere nesse conjunto de valores, eu fiz algumas pesquisas e orientei alguns trabalhos que mostram que a família é uma das principais influências na escolha do pertencimento clubístico 

Os reflexos dessa relação estabelecida desde cedo com o futebol aparecem no desenvolvimento de alguns valores. A adesão do time apresentado como opção clubística pelo eixo familiar na infância serve para que esse esporte seja um ponto de aproximação e interação entre os familiares.

Além desse valor familiar, torcer para o clube da família implica, também, na formação de um valor regionalista, ou seja, de identificação do torcedor com o lugar onde mora. Assim como explica Sílvio, usando o exemplo da Espanha, se a pessoa é da Catalunha, é um importante fator identitário que ela torça para o Barcelona; se ela é de Valência, é importante torcer para o Valência, e assim por diante. 

A consolidação do valor clubístico influência em uma terceira vertente de  contato com o esporte que é a exploração de outras modalidades. 

Sobre esse fenômeno Sílvio comenta: “Essa aproximação com o futebol e o seu universo acaba sendo uma aproximação com o mundo do esporte de uma maneira geral que é muito o meu caso. Eu fui apresentado ao futebol pelo meu pai, que era torcedor fanático. Então, ele acaba me fazendo também fanático pelo mesmo clube e a gente começa a frequentar estádios e aí você começa a praticar a modalidade de uma maneira geral. Isso vai fazendo com que você amplie o seu universo motor, seu universo de relações sociais, de sociabilidade e isso acaba influenciando que você pense em outros esportes, sobretudo os esportes que tem o meu clube disputando.”

Isso pode ser observado na relação entre a torcida do time de futebol do Cruzeiro, que acaba adotando o time de vôlei por ter a marca do clube envolvida, por exemplo. 

Esse é o caminho para todo mundo?

O futebol é um espaço marcado histórico e culturalmente pela reprodução de padrões de masculinidade que são ensinados desde cedo. A imagem vendida é a do homem másculo, viril e agressivo em sua paixão. As suas influências variam de acordo com o lugar pressuposto que você deve ocupar dentro do mundo desse esporte. Se para um homem cisgênero e heterossexual existe uma interação natural com o mundo dessa modalidade — em um nível impositivo, inclusive —, para minorias o caminho não é tão direto e se ramifica de várias maneiras. Esse espaço não é entendido como pertencente a esses grupos.

Isso tem reflexos, em primeiro lugar, na ideia de quem deveria ou não gostar do futebol. Segundo Allan Caldas, repórter do GloboEsporte.com e produtor da TV Globo e Sportv,  do sexo masculino é esperado que ele goste de futebol. Dessa expectativa, nasce a necessidade de ter bons motivos para justificar a falta de gosto pela modalidade ou o desejo de explorar outras atividades. Já no caso das mulheres, a postura é quase indiferente. Se elas gostarem, tudo bem! Se não gostarem, pouco serão perseguidas por isso. Nesse caso, o gosto por esse esporte não é visto como uma obrigação para o sexo feminino.

Por mais que o futebol tenha como influência o desenvolvimento de diversos valores, para o sexo feminino essa relação terá ressalvas. As mulheres não são vistas com o mesmo respeito que os homens dentro desse meio. Existe o interesse de que elas participem da modalidade como símbolos e estandartes que carregam os escudos dos seus times amados. Um fetiche. 

Sobre isso, Renata Lemos, historiadora e integrante do Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas da UFMG  (GEFuT),  comenta: “Existe essa fetichização da mulher enquanto torcedora, praticante e profissional que cerceia o futebol. Basta dar uma olhada em revistas dos anos de 1990 a 2000. A Placar, por exemplo, cujas capas das atletas ali eram mulheres brancas, magras e sexualizadas. A gente tinha disputas, inclusive no ”Caldeirão do Huck”, de musa do brasileirão. As torcidas escolhiam qual era a sua musa e qual era a mais bonita, atraente e que agradava mais os olhos desse público masculino que é o ideal do futebol e é entendido como o seu público alvo. Então, a mulher era tratada dessa forma e isso ainda continua”. 

Além disso, existe uma cultura de arquibancada que pode realizar ataques mais diretos à presença da mulher no mundo desse esporte. Nesse ambiente existe uma aceitação para que ofensas e preconceitos sejam expressos, de acordo com Allan. Para Renata, isso pode ser um fator que afasta as mulheres da modalidade: “Se eu, por exemplo, enquanto mulher, não sou aceita, já que na arquibancada eu sou assediada e invalidada quanto às opiniões, então eu posso me afastar e começar a me desinteressar pelo futebol”.

Para outras minorias a questão se complica mais ainda. Até aqui, discutimos as influências do futebol no contato com o primeiro esporte de maneira binária, sexo masculino ou feminino. Para grupos LGBTQIAP+, o espaço nesse meio ultrapassa uma invisibilização e se torna uma questão de exclusão, por fugirem totalmente da lógica masculinizada do esporte.

Influências na prática esportiva

O contato precoce com o futebol se desenrola várias vezes em tornar-se um praticante da modalidade. O Diagnóstico Nacional do Esporte, pesquisa divulgada em 2015 pelo então Ministério do Esporte, em parceria com o IBGE, mostra que o primeiro esporte de 60% dos entrevistados durante a pesquisa foi o Futebol. Além dos benefícios motores e físicos que isso traz para a pessoa, esse fator contribui para a manutenção de uma massa apaixonada pelo esporte.

Contudo, mais uma vez esse fluxo diz respeito a homens, em sua maioria cisgenero e héteros. Esse mesmo Diagnóstico Nacional do Esporte aponta que o futebol era praticado por apenas 19% das mulheres entrevistadas na época de produção do estudo, em 2013. Os homens entrevistados, em compensação, tiveram uma parcela de 66% de praticantes da modalidade. 

Segundo Renata: “Dentro da nossa cultura que é forjada dentro de uma identidade patriarcal, masculina, machista e misógina a mulher vai ocupar espaços que fogem dessa questão física, então quando pensamos o mundo esportivo pensamos as mulheres na dança, no vôlei ou esportes que não têm muito contato ou muito embate físico de corpos. Como as mulheres ainda são vistas como corpos frágeis elas têm alguns lugares entendidos como “apropriados” dentro dessa lógica que segrega em gênero.” 

Além disso, essa menor parcela de mulheres praticando a modalidade pode indicar um problema de identificação feminina com esse esporte. Dado que o ambiente é majoritariamente masculinizado e a maioria das interações das mulheres com o mundo do futebol é minada em vários âmbitos, várias mulheres não se vêem representadas em campo e por isso têm desinteresse pela modalidade. 

Para Renata: “Isso influencia até no desenvolvimento da própria modalidade do futebol feminino. Quando a criança torcedora que está se construindo como torcedor olhar para o campo e enxergar somente homens, ela menina não se identificará ali no meio”

Nesse contexto, Renata aponta que mulheres podem ser direcionadas a esportes com menos contato. O vôlei e a caminhada, por exemplo, eram praticados por volta de 20%, cada um, das mulheres que participaram do estudo. 

Os homens que não se adequam ao padrão de masculinidade demandados na prática do futebol também podem ser direcionados a outros esportes como o vôlei que, segundo Silvio, tem outros padrões de comportamento para o sexo masculino.

Quando uma prática esportiva é associada a estímulos negativos pode haver um afastamento do praticante daquele meio. Alguns praticantes que não se adequam ao futebol podem ir para outros esportes com um fator de masculinidade tóxica menos envolvido, assim como podem se afastar no geral do mundo esportivo.

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