O futuro. Criar e imaginar possibilidades de futuros para as nossas vidas é um ato intrínseco às pessoas. Essa atividade de pensar para além do presente levou os indivíduos a criarem ideias extremamente criativas do que acontecerá com a humanidade. Com o surgimento do cinema, essas histórias sobre o futuro do planeta logo foram parar nas telonas, principalmente em longas de ficção científica e de seus subgêneros punk.
Das páginas às telonas
O sci-fi começou como um gênero literário. Seu marco inicial foi o livro Frankenstein de Mary Shelley, lançado em 1823. Essa obra misturava características da ficção científica com o terror e inspirou várias adaptações cinematográficas.
O escritor considerado pai da ficção científica e responsável pela popularização do gênero foi Júlio Verne. Suas obras se passavam no mesmo período histórico em que ele vivia, o final do século 19 e início do 20, porém, abordavam grandes invenções científicas que se tornaram realidades nas décadas seguintes. A descrição de Verne da viagem à lua, no livro Da Terra à Lua (1865), apresenta muitas similaridades com a jornada real dos tripulantes da Apollo 11.
No decorrer dos anos, vários romances de Júlio Verne foram parar nas telonas. Sendo que o primeiro filme de ficção científica da história, o clássico curta-metragem Viagem à Lua (Le Voyage dans la lune, 1902), é uma adaptação dos livros Da Terra à Lua e À Volta da Lua (1869), ambos do autor.

Viagem à Lua foi o primeiro filme de ficção científica da história [Imagem:Divulgação/Star-Films]
Em 1924, o escritor russo Yevgeny Zamyatin, considerado o pai das distopias, lançou o livro Nós, a primeira distopia da história. O romance conta sobre um futuro distante em que a população mundial é submetida a um governo totalitarista e as pessoas são constantemente vigiadas, com suas individualidades suprimidas. Essa obra influenciou tanto a literatura como o cinema, tendo inspirado George Orwell e Aldous Huxley na criação de suas obras-primas 1984 e Admirável Mundo Novo, respectivamente.
As distopias e as ficções científicas futuristas apresentam muitas semelhanças, sendo que muitos sci-fis se passam em futuros distópicos e muitas distopias apresentam futuros extremamente tecnológicos.
O futuro da humanidade chegou às telonas em 1927. Ano do lançamento do primeiro longa-metragem de ficção científica sobre uma sociedade distópica futurista, o clássico do expressionismo alemão, Metrópolis (Metropolis, 1927). Sua trama é baseada no livro homônimo de Thea von Harbou, que também foi a roteirista do filme e era esposa do diretor Fritz Lang.
Metrópolis conta sobre uma cidade futurista, na qual seus habitantes são divididos entre a superfície e o subterrâneo, habitados pela aristocracia e proletários, respectivamente. Metrópolis foi uma ficção científica pioneira, revolucionando tanto aspectos temáticos como técnicos do cinema, além de abrir portas para todos os filmes de sci-fi posteriores.

Cyberpunk
Nas décadas de 1960 e 1970, o avanço tecnológico, principalmente na área da cibernética, e os problemas sociais, como a Guerra Fria e a Guerra do Vietnã, começaram a alterar os rumos do sci-fi, introduzindo uma visão mais distópica e pessimista ao gênero. Nesse período, foram escritos romances precursores do cyberpunk, como Duna (1965) de Frank Herbert e Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? (1968) de Philip K. Dick.
Já o termo cyberpunk foi criado em 1983 por Bruce Bethke. Cyberpunk é o nome do conto escrito por Bethke sobre um grupo de hackers adolescentes que vivem em uma sociedade imersa na tecnologia. Segundo o autor, seu intuito com a criação do termo era expressar a junção da alta tecnologia com a atitude rebelde do punk.
Em 1984, William Gibson, pai do cyberpunk, lançou o livro Neuromancer, obra responsável pela consolidação do gênero e pela criação de muitos de seus elementos característicos. A trama se passa em um futuro, no qual a mente das pessoas se conecta com o ciberespaço.
Apesar dos rumores de uma adaptação cinematográfica na década passada, Neuromancer ainda não virou filme. Contudo, inspirou várias obras cyberpunk, incluindo o clássico das irmãs Wachowski, Matrix (The Matrix, 1999). A obra também influenciou o mundo real, com algumas de suas terminologias sendo incorporadas a nossa linguagem, como o termo ciberespaço.
Foi em 1982 que o subgênero cyberpunk chegou às telonas e se popularizou pelo mundo, com o lançamento da obra de Ridley Scott, Blade Runner – O Caçador de Andróides (Blade Runner), baseado no livro Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?. A partir disso, o subgênero se tornou recorrente na Sétima Arte, adaptando vários livros cyberpunk para o cinema, como O Vingador do Futuro (Total Recall, 1990) e Minority Report – A Nova Lei (Minority Report, 2002), ambos também baseados nos escritos de Philip K. Dick. Também houveram muitos sucessos com scripts originais, tais como a trilogia Matrix, Robocop (RoboCop – O Policial do Futuro, 1987) e Looper: Assassinos do Futuro (Looper, 2012).

Os filmes cyberpunk normalmente se passam em futuros distópicos caracterizados pelo high tech e low life, ou seja, alta tecnologia e baixo nível de vida. Essas obras ambientam-se em grandes centros urbanos com presença de uma tecnologia extremamente desenvolvida. Essa tecnologia costuma ser monopolizada por imensas corporações, assim, apenas uma pequena parcela da população tem acesso à tecnologia de ponta e à qualidade de vida, enquanto a maior parte das pessoas vive marginalizada e com recursos escassos.
Por isso, uma das características recorrentes do cyberpunk é o foco em personagens marginalizados e rejeitados socialmente. Muitos protagonistas desse subgênero fogem do perfil clássico do herói e apresentam um caráter dúbio e uma personalidade imperfeita. Um exemplo emblemático disso é Rick Deckard, personagem principal do longa Blade Runner – O Caçador de Andróides.

Esses filmes também debatem sobre questões ambientais, devido ao fato de que, na maioria das obras, o desenvolvimento tecnológico causou uma degradação ambiental, além de questões relacionadas à desigualdade social e o monopólio de riquezas.
A estética das produções cinematográficas cyberpunk é marcada por uma atmosfera poluída, deteriorada, noturna e urbana, com grande presença de néon, led e hologramas. Os figurinos são uma mescla do estilo punk com acessórios de alta tecnologia, sendo recorrente o uso do couro e de tons mais escuros nas roupas, além de madeixas coloridas com cortes e penteados bem diversos.
Retrofuturismo
O retrofuturismo é uma ramificação da ficção científica que engloba vários subgêneros punk, como o steampunk e o dieselpunk. As obras retrofuturistas “pensam o passado a partir de uma outra perspectiva, bem como também há histórias alternativas e que fazem uma releitura de eventos que já aconteceram, mas que poderiam ter se desdobrado de outra forma”, explica a futuróloga Lidia Zuin, em entrevista à Jornalismo Júnior.
Esses subgêneros têm como característica inserir alta tecnologia em períodos históricos passados, como a Era Vitoriana ou a Idade Média, e também apresentar como seria o mundo, se o desenvolvimento tecnológico tivesse ocorrido a partir de outros tipos de tecnologia e matéria-prima.
O principal expoente do retrofuturismo é o steampunk. A maioria das produções desse subgênero se passam em uma Era Vitoriana (1837-1901) alternativa, na qual as tecnologias a base do vapor se desenvolveram muito e o vapor se tornou o principal combustível da humanidade.
Devido a isso, a estética do steampunk é composta pela combinação do estilo vitoriano com elementos da Primeira Revolução Industrial, como engrenagens mecânicas. Os figurinos são roupas de época, como espartilhos, vestidos longos e cartolas, com a presença de acessórios mecânicos. Além da presença de aparatos de alta tecnologia com aparência que lembra trens, carruagens, dirigíveis e navios. O que é visível nos filmes steampunks A Liga Extraordinária (The League of Extraordinary Gentlemen, 2003), 20.000 Léguas Submarinas (20,000 Leagues Under the Sea, 1954) e Steamboy (2004).
Com o passar do tempo, as produções cinematográficas steampunk começaram a alterar características originais do gênero, como o período histórico. Esse é o caso do longa As Loucas Aventuras de James West (Wild Wild West,1999), que leva o steampunk para o velho-oeste americano, mantendo as características estéticas do steam.
Enquanto isso, outras obras audiovisuais utilizaram a estética do steampunk nas invenções apresentadas nos longas, mas sem transportá-la para os figurinos e cenários, como nas produções A Invenção de Hugo Cabret (Hugo, 2011) e Desventuras em Série (Lemony Snicket’s A Series of Unfortunate Events, 2004), em que o robô de Hugo e as invenções do irmãos Baudelaire têm uma aparência que remete ao steampunk.

As Loucas Aventuras de James West tem uma estética steampunk [Imagem: Divulgação/Warner Bros.]
Esse subgênero tem sua estética baseada na Era do Diesel, ou seja, no período entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Algumas vezes, também há inspirações no começo dos anos 1950, início da Guerra Fria. Em razão disso, o dieselpunk combina vários estilos das artes plásticas que se consolidaram nesse período, como Bauhaus, Construtivismo, Cubismo, Futurismo e Surrealismo.
As obras também contêm referências à cultura e à sociedade dessa época, como os cabarés, os estilos musicais Jazz e Blues e ao American Way of Life. O visual e a fotografia dos filmes dieselpunk também contêm traços do cinema Noir – gênero cinematográfico que fez muito sucesso nos anos 1940 e 1950.
Devido ao período de inspiração do dieselpunk ser marcado por guerras, as produções do subgênero apresentam um visual militarizado e industrial, tanto nos figurinos, como nas tecnologias e cenários. A maioria do maquinário do dieselpunk é mais pesado e há muitos veículos voadores, como Zepelins gigantes, navios voadores enormes e naves, o que contribui para que esse subgênero aborde a supervalorização das máquinas e o declínio dos humanos.
Um exemplo que contempla várias características do dieselpunk, como o belicismo e a estética noir, é o longa-metragem Capitão Sky e o Mundo de Amanhã (Sky Captain and the World of Tomorrow, 2004). O filme se passa no final dos anos 1930, em uma Nova York alternativa que foi atacada por robôs gigantes.
Outro filme que possui influência do dieselpunk é Capitão América: O Primeiro Vingador (Captain America: The First Avenger, 2011), principalmente na estética da base e nas invenções criadas pelo vilão Caveira Vermelha, além de o longa se passar durante a Segunda Guerra Mundial.

Biopunk
O biopunk apresenta um mundo futurístico em que a biologia sintética e a engenharia genética estão altamente avançadas e as principais invenções da humanidade vêm desse ramo, enquanto outros tipos de tecnologia não avançaram muito com relação ao presente. O termo biopunk surgiu em 1992 nos jogos de RPG, mas livros de autores clássicos da ficção científica, como Frankenstein de Mary Shelley e A Ilha do Doutor Moreau (1896) de H. G. Wells, já tinham elementos do biopunk.
O futuro nas obras biopunk, normalmente, mostra um mundo destruído, com falta de recursos naturais e epidemias que assolam a humanidade. Além de megacorporações científicas que monopolizam os avanços genéticos, elas também realizam experiências em cobaias humanas e desenvolvem armas biológicas capazes de dizimar o ser humano.

Bons exemplos de filmes biopunk são os da franquia Resident Evil, O Quinto Elemento (Le Cinquième élément,1997), eXistenZ (1999) e Gattaca – A Experiência Genética (Gattaca, 1997). As franquias cinematográficas Jurassic Park e a nova versão do Planeta dos Macacos também apresentam influências do biopunk.
Da ficção à realidade
Com o tempo, várias invenções que o cinema apresentou como sendo pertencentes a um possível futuro distante da humanidade saíram das telonas, se tornaram realidade e, hoje, são parte inerente do cotidiano, como celulares e outdoors digitais. Enquanto isso, outras caminham a passos largos para entrar no dia a dia das pessoas, como veículos autônomos e hologramas 3D.
Isso não é uma mera coincidência. Muitos autores de sci-fi, que tiveram suas obras adaptadas para o cinema, eram também cientistas, assim, seus estudos refletiam em suas obras. Um exemplo é Arthur C. Clarke, autor de 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), que participou do desenvolvimento dos satélites geoestacionários, comenta a futuróloga Lidia Zuin.
Também é comum a participação de designers e engenheiros em produções cinematográficas de ficção científica, com o intuito de auxiliar roteiristas e produtores na criação de um universo o mais realista possível. Esse é o caso do filme Minority Report, sendo que várias novas tecnologias foram criadas para o longa e posteriormente foram patenteadas, explica Lidia.

A relação entre a ficção científica e a tecnologia do mundo real chegou a ser mapeada pela plataforma Envisioning e pelo site technovelgy.com, que comparam as invenções da ficção com as que existem na realidade. Inclusive, a pesquisa da Envisioning mensura essa relação por meio da medição da NASA, chamada TRL (technology readiness level), que é uma escala de maturidade ou prontidão do produto, ou seja, é uma escala que mede em que nível está a tecnologia em comparação a sua aplicação final.
O cinema criou e cria várias versões de futuro, tanto otimistas e pessimistas, gerando encanto e reflexão. Esse deslumbramento sobre o que acontecerá com a humanidade que a sétima arte produz nas pessoas resultou em muitos inventos no mundo real e mudanças de atitudes. Para descobrir o que de fato o futuro da humanidade e do cinema reservam, só nos resta esperar para ver. Nesse meio tempo, sempre teremos os filmes como companhia para imaginar o que está por vir.