Ao longo dos 55 anos de existência, o Homem-Aranha só conseguiu atingir as telonas nos últimos 15 anos após um longo período de complicações jurídicas: em 2002 estreia seu primeiro filme. E não parou mais. Nesse curto espaço de tempo, uma geração cresceu assistindo a trilogia dirigida por Sam Raimi, em que Tobey Maguire dava vida ao aracnídeo. Dez anos depois, a saga de filmes é substituída por um novo recomeço: O Espetacular Homem-Aranha (The Amazing Spider-Man, 2012) estrelado por Andrew Garfield que dividiu o coração do público e teve a terceira continuação cancelada. Cada sequência dava uma diferente leitura do Aranha que conhecemos nos quadrinhos, nenhuma conseguindo captar com real intensidade o herói. Na próxima quinta feira, 6 de julho, os fãs do Cabeça de Teia serão presenteados com mais um reboot. Homem-Aranha: De Volta ao Lar (Spider-Man: Homecoming, 2017) une a história do herói com o universo grandioso dos Vingadores que a Marvel vem construindo nos cinemas. A nova versão muito mais jovial que suas antecessoras resgata o Homem-Aranha às suas origens criadas por Stan Lee na década de 60. Finalmente, um longa para deixar os corações dos fãs quentinhos.
Tivemos um pequeno gostinho do Homem-Aranha interpretado por Tom Holland em Capitão América: Guerra Civil (Captain America: Civil War, 2016), quando Tony Stark (Robert Downey Jr.) convoca o garoto para o seu time de heróis. Na batalha entre as equipes do Homem de Ferro e Capitão América, a participação do Aranha nos dá um vislumbre do perfil que a Marvel estava criando. Carismático e encantado pela oportunidade, ele enfrenta gigantes como o próprio Capitão, o Soldado Invernal, Falcão e o Homem-Formiga. É este rapaz extasiado com a possibilidade de se tornar um Vingador que somos introduzidos em Homem-Aranha: De Volta ao Lar. Rejeitando a rotina de adolescente do segundo grau, Peter passa seus dias após a aula lutando contra a criminalidade da vizinhança. Ele tenta sem sucesso provar seu valor para Tony, até que o vilão Abutre aparece e com ele a oportunidade de revelar-se como merecedor do ingresso para os Vingadores.
O longa inicia nos dando a visão do herói aracnídeo sobre os acontecimentos em Guerra Civil. Como parte da geração que vive com a câmera na mão, o rapaz faz selfies do seus momentos de herói. Ele já foi mordido por uma aranha e o tio Ben já morreu. O público já assistiu isso nas versões anteriores, afinal, quem não decorou a fala “Grandes poderes vem com grandes responsabilidades” depois de tantas reprises? A sacada dos produtores de tratarem a origem que já conhecemos numa única fala e seguir o enredo em frente preservou o tom leve e cômico do longa.
Por outro lado, a escolha permitiu explorar um ponto de partida em que saindo da mesmice. O Homem-Aranha apresentado resgata o apresentado nas HQs da década de 60. Stan Lee desejava criar um herói que o público adolescente pudesse se identificar. Um jovem tímido, inseguro, com dificuldades de relacionamento amoroso envolto num ambiente de colegial. E é esse Peter Parker de De Volta ao Lar.
O enredo dá mais atenção ao amadurecimento do Peter do que às grandes lutas contra o mal do Spider-Man. O jovem herói tem atitudes impulsivas e até mesmo imaturas, mas é compreensível. Seus dilemas juvenis, como popularidade, estudos e interesses platônicos, são comuns a qualquer um. Com essa idade, qualquer um sentado na plateia faria o mesmo. Essa estratégia de trazer super-herói para perto do público e tornar sua história palpável, confere singularidade à sua terceira adaptação cinematográfica, diferenciando-o até mesmo dos outros filmes que compõem o universo Marvel.
A obra cinematográfica ganha pontos ao apresentar uma atmosfera juvenil atemporal, uma vez que o próprio diretor, John Watts, declarou ter se inspirado nos clássicos de John Hughes como Clube dos Cinco (The Breakfast Club, 1985) e Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller’s Day Off, 1986). Com estas referências que continuam marcando gerações, De Volta ao Lar ganhou o poder de fazer os mais velhos viajar para a própria adolescência e ainda enlaçar o público mais novo. Isto, enquanto tocam canções pop que nos fazem cantarolar baixinho na poltrona. Em suma, a imersão nos dilemas do rapaz aracnídeo é tangível para qualquer um.
Tom Holland é o mais jovem ator a vestir o collant do Cabeça de Teia com apenas 21 anos (diferentemente dos seus antecessores que vestiram beirando os 30 anos). Além do rostinho pueril, Tom segura a cena com carisma e coração. Nos envolvemos com um Peter inocente e descuidado que está se descobrindo – seja seus super poderes ou a adolescência. “Pelo fato de ele estar aprendendo mais sobre seus super-poderes neste filme é possível ver o Homem-Aranha curtindo ser o Homem-Aranha, antes que as coisas comecem a pegar fogo”, declarou o britânico, em conversa com jornalistas no Brasil em maio. Ele está empolgado com a vida dupla e o ator consegue atravessar a tela nos contagiando, quem de nós não se sentiria nas nuvens de poder lutar contra ao crime no auge dos 15 anos? O uniforme tecnológico, presente de Tony Stark, com um sistema de inteligência artificial que nos lembra o J.A.R.V.I.S. (que ele descanse em paz) representa uma gama de possibilidades que nem ele poderia imaginar.
A presença de Tony Stark como figura de um irmão mais velho encaixa perfeitamente com o brilho do Homem-Aranha. Após os acontecimentos de Guerra Civil, vemos um Homem de Ferro que se importa com o jovem Parker. No pouco que aparece, tem papel fundamental para o amadurecimento do aprendiz.
Seguindo a linha de recorrer às origens quadrinistícas para formação da trama, a escolha do Abutre (segundo maior vilão enfrentado pelo Homem-Aranha nas publicações da HQ) como antagonista mostra-se certeira. Adrien Toomes é um ex-operário que sente-se injustiçado pelo sistema e passa a construir armas a partir de armas alienígenas derrotados pelos Vingadores. Com a venda de armas para criminosos, Toomes descobre um jeito de sustentar e proteger sua família. Vivido por Michael Keaton, o vilão ganha força e torna-se intimidador, ao mesmo tempo que ganha a empatia da platéia. A Marvel inova em deixar de lado a caricatura de vilão malvado e mocinho bonzinho. Keaton e Holland representam opostos fugindo do óbvio: o protagonista é imaturo e ainda está começando a aprender sobre a vida, enquanto o antagonista é vivido e está revoltado com a opressão do meio em que vive. A sacada dos roteiristas em criar esse dualismo na trama conseguindo construir um personagem redondo e intenso deu profundidade para o desenvolvimento do enredo. E claro, a performance de Michael é para ninguém colocar defeito.
Em De Volta ao Lar, o elenco coadjuvante também passa por um processo de rejuvenescimento. A escolha da vencedora do Oscar, Marisa Tomei (Meu Primo Vinny, 1992), para interpretar tia May, desconstrói as tias que sempre vimos no cinema, desta vez conhecemos uma versão vibrante e espirituosa, por mais que ela seja um dos alicerces que mantém os pés do “teioso” no chão. Outro fator que aproxima o longa das HQs é o uso da personagem Liz Allan como interesse amoroso na adaptação, já que a mocinha foi a primeira paixonite na história dos quadrinhos. Como todo amor infanto juvenil, a relação desenvolve-se pouco a pouco e de forma sutil, o que é garantido pela harmonia de Holland e Laura Harrier em cena. Na coletiva de imprensa no Brasil, a moça declarou sobre o futuro do casal: “O relacionamento entre os dois será diferente dos outros filmes, pois eles são adolescentes. Será algo mais tranquilo e moderado.”
Jacob Batalon vive o “cara na cadeira” amigo de Peter, Ned Leeds. Os dois possuem química em frente às câmeras, nos fazendo acreditar na amizade real da dupla. Ned ainda representa muitas das cenas de alívio cômico que transforma a trama em uma comédia adolescente em vez de um filme de super-herói típico (com as piadas irônicas de sempre). A introdução de Michelle, personagem de Zendaya, nos conquista no pouco que aparece com sua performance elogiável.
Por fim, somos presenteados com um filme divertido e cômico, que mesmo sendo uma terceira versão da mesma história, diferencia-se de todos os longas de super-herói que conhecemos. É claro, as explosões e sequências de luta tem seu espaço nos seus 134 minutos. Por mais que o ritmo se perca na metade do longa e possua algumas falhas, John Watts conseguiu conduzir uma trama dualista: clássico e moderno se encontram de forma simples e envolvente com um fim em si. Ao fim da última página desse quadrinho cinematográfico, temos duas cenas pós-créditos que valem os minutinhos de espera a mais e abrem um mundo de possibilidades para continuações. E nos dá vontade de ver mais. A Marvel conseguiu inserir Homem-Aranha no seu universo ao mesmo tempo que introduziu nos nossos corações.
Assista ao trailer:
por Larissa Santos
larissasantos.c@usp.br