Cada vez mais a atividade industrial brasileira se desloca para regiões interiorianas, em busca de maior lucro
Por Marina Castro (marina.castror@gmail.com) e Victoria Amorim (amorimvick@gmail.com)
Um assunto que tem estado bastante em voga na economia brasileira desde o final do século XX é a descentralização de indústrias, processo que, de acordo com o geógrafo Paulo Inácio Vieira Carvalho, “tem início na década de 1980, quando as fábricas começam a deixar as regiões metropolitanas em direção a municípios do interior”.
Inicialmente, as indústrias se retiraram das capitais do Rio de Janeiro e de São Paulo visando estabelecer-se em cidades do interior desses estados, mas, posteriormente, o projeto estendeu-se também para estados menos industrializados do país.
Entretanto, antes de entender a descentralização, é importante entender o que levou à concentração de indústrias no Brasil.
Histórico
A industrialização brasileira foi tardia, se comparada àquela de países europeus, dos Estados Unidos ou do Japão, que se industrializaram quando da 1ª e da 2ª Revoluções Industriais. Esse processo só começou efetivamente a partir da década de 1930, durante o governo Vargas, diretamente impulsionado pela crise de 1929, que limitou as importações do Brasil e o forçou a produzir os produtos industrializados que precisava.
O capital da indústria cafeeira, ocioso depois da diminuição das exportações causada pela crise econômica, foi o principal investimento utilizado na montagem das fábricas. Sendo assim, as indústrias instalaram-se nos locais onde a produção de café era mais acentuada – em São Paulo e no Rio de Janeiro. Esses estados já levavam também outra vantagem sobre os outros: possuíam as maiores malhas ferroviárias do país, construídas para o escoamento do café.
Juntamente com Minas Gerais e Rio Grande do Sul, São Paulo e o Rio de Janeiro tornaram-se os estados mais industrializados, desenvolvidos e ricos do Brasil, atraindo também os investimentos do capital estrangeiro, incentivados no governo de Juscelino Kubitschek.
Essa disposição das fábricas no território brasileiro manteve-se praticamente intacta até meados da década de 1980, quanto se iniciou o processo que se desenvolve até hoje: a descentralização industrial.
Causas
Para Paulo Inácio, as principais causas da descentralização industrial podem ser resumidas em “saturação da infraestrutura das regiões metropolitanas, como a de São Paulo, onde o trânsito, por exemplo, começou a dificultar a operação logística, provocar atrasos na entrada dos operários na fábrica; assaltos aos depósitos e terrenos muito caros, dificultando a ampliação das fábricas”.
Muitos desses problemas têm como originador o grande êxodo rural sofrido pelo Brasil na década de 1960, ocasionado principalmente pela instalação das indústrias. Pessoas de todas as regiões do país, especialmente do Nordeste, migraram para o Sudeste em busca de emprego e de melhores condições de vida. Esse inchaço populacional, maior do que as estruturas das cidades estavam preparadas para suportar, acarretou, por exemplo, os problemas de trânsito de que fala o geógrafo e o aumento da violência nas grandes cidades, o que faz com que a produtividade das indústria caia.
A grande quantidade de fábricas instaladas nessas regiões metropolitanas, somada ao número excessivo de pessoas vivendo nessas áreas, fez com que o preço dos terrenos aumentasse muito e dificultasse tanto a moradia dos operários quanto o estabelecimento das indústrias.
Mais do que isso, o aumento da concorrência pelos empregos forçou a mão de obra a se tornar mais qualificada e, por conseguinte, mais cara e melhor organizada em sindicatos trabalhistas.
As cidades que já possuíam muitas fábricas passaram, então, a ser consideradas áreas repulsivas para a atividade industrial e, com isso, os empresários começaram a analisar outros municípios e regiões como tradeoffs, mais vantajosos economicamente, para a instalação de suas indústrias.
Novas áreas atrativas
Quando esse processo se iniciou, nos anos 80, as indústrias começavam a se instalar, especialmente, nas cidades do interior paulista, principalmente devido à proximidade das grandes cidades. “As regiões que mais atraem indústrias são aquelas ao longo das rodovias que facilitam o acesso aos grandes centros, como São Paulo. Desse modo, o Vale do Paraíba (São José dos Campos e Taubaté), Campinas, Sorocaba, Piracicaba, São Carlos e Ribeirão Preto”, afirma o geógrafo Paulo Inácio, explicando como eram escolhidas as cidades que iriam abrigar essas novas indústrias.
Alguns exemplos de indústrias instaladas no interior do estado de São Paulo são a General Motors, com fábrica em São José dos Campos, que também é sede da Embraer; a Mercedes-Benz, em Campinas, e a Hyundai, em Piracicaba.
A expansão das indústrias não parou em municípios do interior, no entanto: diversas empresas transferiram-se para outras regiões do Brasil e indústrias que acabavam de chegar ao país, com o advento do neoliberalismo, preferiram se instalar em outros lugares que não no Sudeste. As outras regiões possuíam vantagens como mão de obra barata, terrenos a preços mais acessíveis e maior facilidade de transportes.
O Nordeste é hoje, por exemplo, um polo das indústrias têxteis e calçadistas. A Grendene, marca originária do Rio Grande do Sul, “pátria” do calçado no Brasil, transferiu fábricas para o Ceará e, mais recentemente, estabeleceu lá a sua sede, na cidade de Sobral. Ainda no Ceará, a multinacional Nike possui uma fábrica em Quixeramobim. A Azaléia, também proveniente do Rio Grande do Sul, possui fábricas na Bahia e no Sergipe e a Alpergatas, de São Paulo, aposta no Rio Grande do Norte e na Paraíba – estado onde produz as famosas Havaianas.
De acordo com a economista Lise Penna, a região do Nordeste atrai tantas indústrias porque “ao contrário de São Paulo a indústria nordestina se especializou em setores tradicionais: produtos alimentares, bebidas e álcool etílico, têxtil, de vestuário e artefatos de tecidos, isto é, setores que demandam mão-de-obra barata, de baixa escolaridade e/ou que dependem de matérias-primas locais”. Essas características fizeram com que fosse mais fácil instalar indústrias no Nordeste do que em outros lugares.
Guerra fiscal
Os incentivos fiscais são outro fator importante para entender a migração de tantas empresas para o Nordeste. É o caso do estado do Ceará, que, a partir de meados da década 1990, “se destacou no crescimento em detrimento principalmente da região sudeste, pois implantou uma guerra fiscal acirrada, que resultou na instalação e deslocamento de empresas em busca de menores salários e maiores benefícios fiscais”, como colocou Penna.
Esses incentivos vão desde a isenção de impostos até a construção das instalações da indústria com dinheiro público. Desse modo, o custo oportunidade de se estabelecer uma fábrica nos lugares que oferecem esse tipo de vantagem torna-se muito grande e o que ocorre é a transferência da indústria de um estado para outro ou mesmo de uma cidade para outra.
Foi o que aconteceu, por exemplo, no caso da Ford: a montadora americana abriria uma nova unidade no Brasil e o plano era instalá-la no Rio Grande do Sul. O governo gaúcho, no entanto, não aceitou as condições impostas pela fábrica. A Bahia passou, então, a oferecer diversos benefícios para que a Ford fosse para o complexo industrial de Camaçari, a 50 quilômetros de Salvador. O governo baiano concedeu à montadora, por exemplo, isenção fiscal, infraestrutura e até mesmo um empréstimo milionário junto ao BNDES. O custo oportunidade de instalar a nova fábrica na Bahia foi, assim, tão grande que a Ford desistiu de se estabelecer no Sul e foi para o Nordeste.
Esse é considerado um caso símbolo da chamada guerra fiscal, que consiste na disputa entre cidades e estados para definir quem oferece melhores incentivos para que as empresas se instalem em seus territórios. Apesar de o Nordeste ser a região brasileira onde essa prática tornou-se mais comum, não é o único local onde ela ocorre. Estados como Mato Grosso, Espírito Santo e Minas Gerais também usam esse poderoso instrumento de atração de indústrias.
Foi com incentivos para a instalação da Mercedes-Benz em Juiz de Fora que a cidade, então com economia decadente, conseguiu se reabilitar, por exemplo. A unidade, instalada em 1999, foi a primeira a produzir carros de passeio fora da Alemanha e começou neste ano a fabricar caminhões, com a montagem de Actros e Accelo. Juiz de Fora se beneficiou muito com a instalação da fábrica, que gerou empregos, atraiu outras indústrias e aumentou a renda.
O mesmo ocorreu em Goiás, onde o governo estadual ofereceu à Mitsubishi incentivos fiscais para que esta montasse uma fábrica em Catalão. O mesmo ocorreu com a fábrica da Suzuki, a primeira do país, instalada em Itumbiara. As duas montadoras, apesar de serem empresas separadas, são controladas pelo mesmo grupo no Brasil, o Souza Ramos.
É importante ressaltar que os incentivos fiscais concedidos pelos governos não seguem um padrão por todo o país. Cada governo deve analisar melhor o que pode oferecer à empresa para fazer com que ela se instale em seu estado. Lise Penna afirma que “alguns Estados concedem generosos incentivos fiscais que alcançam até a isenção de todos os impostos por dez anos ou mais, incluindo IPTU, ICMS, etc. Alguns Estados elaboram projetos de urbanização da planta, promovem desapropriação, fazem a liberação e vendas de áreas tidas como de utilidade pública, responsabilizam-se pelo atendimento às necessidades de infraestrutura (água, esgoto, energia elétrica, telefone, telex, etc.), disponibilizam linhas de financiamento com taxas subsidiadas para a implantação e/ou expansão das indústrias”. Depois disso, cabe às indústrias decidir qual tipo de proposta vale mais a pena para que seu desenvolvimento econômico seja maior.
Franquias
Não é só no quesito da montagem de fábricas que o interior dos estados e do país atrai as empresas, no entanto. Seguindo uma tendência que começou há pouco tempo, até mesmo cidades com menos de 100 mil habitantes estão agora na mira das grandes redes de franquias.
O motivo para esse recente movimento de expansão é, principalmente, o desenvolvimento da economia e o aumento do poder de consumo da população, o que aumenta a demanda pelos produtos dessas redes.
A rede Giraffas, por exemplo, que antes só instalava franquias em cidades com no mínimo 200 mil habitantes, agora tem 98 de suas 359 lojas fora de capitais. No Giraffas, não há adaptação do modelo de franquias para cidades de menor porte. No entanto, não é isso que que costuma ocorrer. O Bob’s, concorrente do Giraffas, criou três modelos de franquias, adaptadas a diferentes tamanhos de cidades.
Empresas de médio porte também buscam expansão para o interior. Abrir unidades em cidades menores é uma maneira de fugir da concorrência das grandes metrópoles e pagar aluguel mais baixo pela loja. Esse processo cria oportunidades para que mais pessoas, especialmente jovens recém-formados na universidade, possam se tornar empresários.
É o que vem acontecendo com muitos nordestinos, que encontram um novo e promissor mercado em um tipo de empresa que tem na região um grande número de consumidores: o clima quente do Nordeste e, em especial, do Ceará (que desponta mais uma vez como estado atraente) faz com que redes de milkshakes e sorvetes abram muitas franquias lá. De acordo com dados da Associação Brasileira de Franchising (ABF), esse setor de negócios cresceu 14,5 % em 2011 e foi responsável pelo ingresso de 54 novas marcas no mercado.
Entre as empresas que mais estão investindo no Nordeste estão a Mil Milkshakes e a Mr. Mix. A primeira, fundada em 1992 e franqueada em 2005, começou a se destacar no mercado por oferecer aos clientes uma grande diversidade de sabores, além dos tipos básicos de milkshakes, e hoje possui lojas em oito estados, além de projetos para mais dois.
Já a Mr. Mix é uma das maiores redes especializadas em milkshakes no Brasil e, agora, coloca o Nordeste como seu principal alvo: já são 13 lojas na região e planos para abrir mais 20. O dono da empresa atribui o crescimento nessa parte do país não só à temperatura, mas também à ascensão da classe C.
Um ponto em comum entre as duas redes é o fato de ambas considerarem uma mesma cidade um território fértil para novos negócios: Sobral, no Ceará, que teve a sua primeira loja da Mr. Mix inaugurada em junho deste ano e aguarda a abertura de uma franquia da Mil Milkshakes para janeiro do ano que vem.
A concorrência diminuta nesse setor de comércio, o grande número de universitários – em sua maioria, estudantes da Universidade Federal do Ceará (UFC) -, além das já citadas altas temperaturas, fazem da cidade um paraíso para quem deseja trabalhar com esses produtos.
Consequências
O processo da descentralização industrial ainda está longe de equilibrar o panorama de disparidade econômica que foi dominante no Brasil desde as primeiras tentativas de industrialização. O Sudeste do país, em especial o estado de São Paulo, continua a ser a região mais industrializada e, consequentemente, mais desenvolvida e rica, apesar de todo o movimento para fora do local.
O que se pode afirmar, para Lise Penna, é que, ainda que seja um procedimento gradual, a descentralização de indústrias já está proporcionando “maior coesão ao sistema econômico nacional, promovendo as relações das regiões com suas microrregiões, refletindo na mudança de pesos relativos dos diversos produtos internos no Brasil, trazendo desenvolvimento econômico menos desigual”. Entretanto, apesar de benéfico, esse resultado não era um dos objetivos que os empresários tinham em mente quando resolveram se instalar nessas regiões, fazendo disso, então, um incentivo indireto do projeto inicial.
Sendo este um dos objetivos iniciais dos empresários ou não, as decisões deles de levar suas indústrias para outras regiões do país que não o Sudeste ou o Sul estão fazendo com que essas áreas se desenvolvam e aumentem a sua renda, contribuindo, assim, para o desenvolvimento que o Brasil, como um todo, vem tendo nos últimos anos.