Há uma dúvida que acompanha o espectador durante as 1h50 minutos de Maligno (Malignant, 2021): esse filme é para me fazer rir ou sentir medo?
A obra de James Wan começa com uma gravação caseira de um hospital psiquiátrico em 1993. Uma médica conta horrorizada sobre eventos sobrenaturais que envolvem seu misterioso paciente. Entram enfermeiros dizendo que o tal monstro está descontrolado. Nesse momento, a trilha sonora mistura música de suspense e alarmes de emergência. Câmera agitada, luzes vermelhas. E aí, claro, seguem alguns minutos de gore. Muito gore. Uma introdução de 5 minutos tão ridiculamente clichê que o espectador, carimbado com a produção de terror das últimas décadas, já se antecipa: esse filme só pode ser uma sátira.
Corta para a trama — a trama de verdade. Vamos para o futuro conhecer a protagonista. Grávida em estágio avançado, Madison vive em um relacionamento explicitamente abusivo com seu marido, que a agride fisicamente. Após ele a ferir gravemente na cabeça, fato que o diretor retoma exaustivamente, começa uma sucessão de cenas que dão a entender que realmente se trata de um filme de terror. Ou pelo menos que tem a intenção de sê-lo.
Bom, como todo filme de terror, Maligno tem suas cenas de suspense. Tons frios, iluminação com muito contraste e uma trilha sonora comum — aquela fórmula que a gente já conhece. Mas cabe dizer que Wan se esforça para construir um estilo próprio. Há bastante ousadia nas câmeras e não houve medo em experimentar. Temos cenas que trabalham o jogo de afastar e ampliar, uso da visão vertical (de cima para baixo) e movimentos de câmera de 180°, trocando o chão pelo teto. Tudo pintado por uma fotografia que gosta (e muito) de luzes de néon vermelha e azul e que parece ter sido contratada somente para os momentos que havia escuridão no filme.
Quem sobrevive ao miolo do filme descobre logo que a maior joia de Maligno não está na sua estética, mas sim no seu enredo. E meus amigos, que enredo. Se você viu o trailer ou leu a sinopse dizendo se tratar de um filme sobre uma mulher que vê pessoas sendo assassinadas, não se preocupe. Rapidamente essa história vai para o lixo.
O que acontece mesmo é uma narrativa que, na mesma proporção que é non sense, é divertida. Enquanto perguntas importantes são ignoradas (afinal, estamos tratando de um fenômeno sobrenatural ou psicológico?), os mistérios são tão explicitamente esclarecidos que mais do matar o suspense, o filme retorna para o lado da sátira (ou até mesmo de um pastiche de várias histórias do gênero do terror).
No final, Maligno só peca quando se leva a sério demais. Repetindo gore dos primeiros 5 minutos, seu desfecho não surpreende, mas é capaz de satisfazer os amantes do entretenimento. E poderia ter só ficado nisso. Mas a necessidade quase incontrolável de ter uma mensagem política atrapalha e ficamos com a certeza que tudo teria sido muito melhor se James Wan tivesse saído de cima do muro e abraçado definitivamente o trash.
É um filme digno de premiações? Marcará a posteridade? Claro que não. Mas com certeza garante alguns minutos de curiosidade e boas risadas. Para começar o mês de outubro, quando a realidade da pandemia ainda nos mantém presos em um verdadeiro filme de terror, isso é mais do que suficiente. Só por isso, vale 2,5 pipocas.
Maligno já está disponível nos cinemas brasileiros. Confira o trailer: