Ao longo dos últimos anos, o hóquei passou a ser uma das melhores opções para quem busca um algo a mais não oferecido a todo momento pelo futebol. Jogadas rápidas, contato físico e impossibilidade de empate são aspectos que garantem a emoção do espectador durante os 60 minutos de partida. Contudo, apesar de diferenciado, o hóquei ainda apresenta um elemento que todo esporte tem: seus ídolos. Um deles foi Martin Brodeur. Ao longo das suas 22 temporadas na National Hockey League (NHL), o goleiro se tornou referência na posição, entrando para história como o mais vitorioso da liga.
Um início promissor
Martin Brodeur nasceu em maio de 1972, em Montreal, no Canadá. Sua paixão pelo hóquei surgiu não apenas por ter nascido em um país que respira o esporte, mas também por ser filho de um nome conhecido na área. Seu pai, Denis Brodeur, ganhou a medalha de bronze pela seleção canadense nos jogos olímpicos de 1956 como goleiro.
Assim, seu filho criou um vínculo ainda maior com o hóquei, a ponto de querer se tornar um grande jogador. Durante a infância, Martin tinha como ídolo o goleiro Patrick Roy, quatro vezes campeão da NHL – duas pelo Montreal Canadiens e outras duas pelo Colorado Avalanche.
Apesar de ter se consagrado na mesma função que seu ídolo, Brodeur iniciou a carreira no hóquei como atacante. Foi com sete anos de idade, após um pedido de seu treinador, que a futura lenda do esporte começou a jogar um pouco mais recuada, na posição de goleiro.
Depois de participar de um curso ministrado pelo ex-goleiro russo Vladislav Tretiak, na adolescência, Brodeur tornou-se um verdadeiro estudioso do esporte. Nessa época, ele começou a praticar movimentos que futuramente iriam se popularizar. Podemos incluir nessa categoria posições como a de stand-up, em que o goleiro se mantém de pé para defender o gol, controlando melhor o disco de hóquei, ou puck.
Passando pelas equipes juniores de hóquei no gelo, o próximo desafio enfrentado por ele seria o draft da NHL de 1990. No processo de seleção de jogadores para times da liga profissional daquele ano, Brodeur, aos 18 anos, foi o vigésimo a ser escolhido. O atleta iria defender as cores do New Jersey Devils, dos Estados Unidos, na temporada de 1991-1992.
“Ele foi escolhido na primeira rodada, algo muito raro para um goleiro, ainda mais naquela época. Foi um grande acerto dos Devils que se tornou realidade depois” afirmou Ricardo Nunes, do portal The Playoffs, em entrevista ao Arquibancada.
Uma história de amor nos ringues
Antes da chegada de Martin Brodeur, os Devils eram um time sem grande expressão no cenário do hóquei norte-americano. Sua maior conquista foi chegar às semifinais da Stanley Cup de 1988. Nessa competição, os melhores times das conferências Leste e Oeste disputavam um mata-mata para alcançar o título de campeões da National Hockey League.
É nesse cenário de modesta ascensão que surge Brodeur. Depois de passar por dificuldades para se consolidar no time principal, o futuro ídolo fez sua estreia somente em março de 1992, depois da lesão dos outros dois goleiros. No fim das contas, ele conseguiu garantir uma vitória por 4 a 2 para o New Jersey Devils. O goleiro se firmou de vez na equipe entre 1993 e 1994, sendo reconhecido principalmente por ganhar o troféu Calder, dado ao melhor novato da NHL.
Porém, foi só na temporada seguinte que o início de carreira profissional de Martin Brodeur atingiu o seu auge. As vitórias contra o Boston Bruins e o Pittsburgh Penguins, penta e bicampeões, respectivamente, representaram muito mais do que um impulso para as finais da Stanley Cup: os Devils ganharam uma relevância nacional inédita, se tornando favoritos da liga.
A segurança de Brodeur debaixo das traves combinada com a tática de “armadilha”, em que o time mais fraco ofensivamente pressiona o adversário na zona neutra, permitiram que o New Jersey Devils chegasse ao mais alto nível do hóquei. Eles participaram das finais da Conferência Leste e, posteriormente, da Stanley Cup de 1995.
“O New Jersey Devils, durante a década de 90, ficou muito conhecido por sua defesa, ao fazer a ‘armadilha’ na zona neutra. Era uma coisa nova que chamava bastante atenção. O sistema defensivo era muito bom” citou Rodrigo, lembrando também da estratégia protagonizada por nomes como o do defensor Scott Stevens, responsável por levar os Devils a quatro finais de Stanley Cup.
Uma conquista invicta contra o Detroit Red Wings, favorito com sete títulos, já colocava Martin Brodeur e sua equipe no hall de ídolos dos Devils. Assim, os torcedores dos vermelhos de Nova Jersey celebraram pela primeira vez uma conquista de Stanley Cup.
Depois de levar seu time a novas participações nos playoffs e aparecer constantemente na seleção dos melhores da temporada, Martin escreveu mais um ilustre capítulo de sua história com o New Jersey Devils. Após virarem uma série contra o Philadelphia Flyers de 3 a 1 para 4 a 3, os diabos vermelhos venceram a final contra o Dallas Stars. Na temporada de 1999-2000, a equipe de Brodeur chegou à conquista histórica de sua segunda Stanley Cup. Era o cenário perfeito para uma das temporadas mais geniais do goleiro dos Devils acontecer.
Na campanha de 2002-2003, os vermelhos de Nova Jersey venceram seu terceiro e último título de Stanley Cup. Um dos principais pilares da conquista foi a atuação monstruosa de Brodeur durante os playoffs daquela temporada. No total, ele quebrou um antigo recorde ao realizar sete shutouts – quando o goleiro passa uma partida inteira sem sofrer gols – sendo três deles nas finais contra o Anaheim Ducks.
Apesar de não vencerem novos títulos da Stanley Cup nos anos seguintes, tanto os Devils quanto o próprio Brodeur ganhavam destaque. Enquanto a equipe chegava quase sempre a participar dos playoffs e se destacava na Conferência Leste, o atleta quebrava novos recordes com o decorrer das temporadas.
Em abril de 2007, por exemplo, atingiu a marca de 48 vitórias na temporada, superando o ex-goleiro dos Bruins e dos Flyers, Bernie Parent. Com isso, o canadense chegou a mais uma conquista da Divisão Atlântica, uma das duas divisões da Conferência Leste.
Porém, foi em meio a recordes e aparições no All-Star Team que Martin Brodeur sofreu sua primeira grande lesão da carreira. Em novembro de 2008, o goleiro enfrentou problemas no cotovelo que o forçaram a ficar 16 semanas longe dos ringues. Mesmo assim, no jogo de sua volta fez um shutout em uma vitória por 4 a 0. Três dias depois, chegou a marca de 100 shutouts, quebrando o recorde de Terry Sawchuck – que jogou de 1949 até 1970 e foi quatro vezes campeão da Stanley Cup.
Brodeur ficou mais cinco anos no time de Nova Jersey. Entre 2009 e 2014, o goleiro canadense superou ídolos, ao quebrar recordes de vitórias e shutouts, venceu novos prêmios individuais e garantiu boas campanhas para os Devils nos playoffs. Em 2014, ele se transferiu para o modesto Saint Louis Blues.
Seu espírito de liderança, sua segurança como goleiro, as baixas médias de gols sofridos e a vontade de fazer história, tornaram Martin Brodeur um dos maiores ídolos do New Jersey Devils. Muito mais do que conquistar três títulos da Stanley Cup e tantos outros da Conferência Leste, o goleiro mudou o patamar da equipe, defendendo as redes tão bem quanto defendeu seu clube por 21 anos.
Quebrando recordes
Brodeur fez sua primeira partida como titular na NHL em 26 de março de 1992. Sua última aparição nos ringues foi em 29 de dezembro de 2014. Ao longo dessas 22 temporadas ou 22 anos, nove meses e três dias, podemos dizer que um dos seus hobbies favoritos foi quebrar recordes e concorrer a prêmios.
Uma das glórias máximas para um goleiro de hóquei no gelo é vencer um Troféu Vezina. O prêmio de melhor goleiro da temporada foi para as mãos do atleta quatro vezes, sendo a primeira delas na fantástica temporada 2002-2003, quando venceu seu terceiro título de Stanley Cup.
Outro prêmio importante conquistado ao longo de sua carreira foi o Troféu Jennings. Em homenagem ao advogado William Jennings, importante no processo de expansão da NHL, o troféu fez de Brodeur, por cinco vezes,o goleiro com menor média de gols em pelo menos 25 partidas.
Ele é, até hoje, o goleiro com o maior número de vitórias em toda a história da NHL. Foram 691 no total, sendo responsável por desbancar seu ídolo Patrick Roy. Em termos de títulos, Martin Brodeur chegou à conquista de inéditas três Stanley Cups para o New Jersey Devils, e de cinco títulos da Conferência Leste. Como forma de gratidão, os dirigentes do clube de Nova Jersey decidiram aposentar a lendária camisa 30 do ídolo.
“O recorde de ser o goleiro mais vitorioso da NHL é absurdo. Claro que ter o maior número de vitórias em uma temporada é muito bom, mas era uma época em que os goleiros tinham um costume de jogar mais. Acho muito difícil isso voltar a acontecer” destaca Rodrigo.
Além da sua histórica participação na NHL, Brodeur também marcou presença na seleção canadense de hóquei no gelo. Junto a sua equipe, ganhou duas medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2002 e 2010 e conquistou a Copa do Mundo de Hóquei, em 2004.
Um jogador revolucionário
Os 125 shutouts ao longo da carreira – recorde máximo da NHL – mostram a qualidade que Martin Brodeur tinha como defensor. Porém, entre suas maiores particularidades enquanto goleiro destacava-se sua incrível habilidade técnica. O canadense se consagrou como um dos únicos 11 goleiros da NHL a marcarem um gol tanto na temporada regular quanto nos playoffs.
Talvez a principal razão para essa marca foi ter começado a carreira como atacante. A técnica de um atleta de hóquei que joga mais avançado foi uma das grandes influências para a formação de Brodeur como goleiro profissional. Assim, ele criou um domínio único do taco, ou stick, por parte de um guarda-redes.
A importância do goleiro canadense, porém, não se restringiu somente a números. Em 2005, os dirigentes da NHL criaram, através de uma regra, uma área em formato de trapézio. Essa seria a única linha atrás do gol em que o goleiro poderia manusear o puck. Para muitos, a regra foi criada para reduzir a eficiência de goleiros mais habilidosos, ou mais especificamente, do próprio Brodeur, dada a sua enorme qualidade técnica. Para os fãs de hóquei, o nome desse pequeno terreno passou a ser “trapézio de Brodeur”. A regra em si também é conhecida até hoje como a “regra de Brodeur”.
Depois de passar pela comissão técnica do Saint Louis Blues e administrativa da seleção canadense em 2015 e 2017, respectivamente, ele ocupou o cargo de vice-presidente do desenvolvimento de negócios do New Jersey Devils, função desempenhada pelo ídolo até hoje.
“Maior da história, sim. Não só pelos títulos e recordes de maior número de vitórias como goleiro, mas principalmente pela liderança, que não é tão comum sendo goleiro” afirma Rodrigo.
Números, recordes, títulos e até mesmo a criação de regras marcaram a carreira de Martin Brodeur dentro dos ringues. Mas o atleta foi além disso. Muito mais do que um jogador vitorioso – por sinal o que mais ganhou na história da liga – Brodeur sem dúvidas é, até hoje, uma inspiração para grandes jogadores de hóquei no gelo. Os reflexos, a elasticidade e a habilidade técnica, combinados com um espírito vencedor de liderança, contribuíram para que o goleiro chegasse, junto ao clube que defendeu por 21 anos, ao mais alto nível do esporte. Assim, surgiu um dos maiores goleiros da história da NHL. Brodeur foi único. Brodeur foi histórico.