Por Alinne Maria Aguiar (alinnemariaaguiar@usp.br) e Maria Clara Ramos (mariaclarasr@usp.br)
Em 22 de novembro de 1999, Wayne Gretzky, conhecido como “The Great One” (O Grande), foi introduzido ao Hall da Fama do Hóquei, após concluir sua última temporada na NHL (National Hockey League). Foram 20 anos dedicados ao hóquei no gelo que mudaram para sempre a história da modalidade.
Hóquei no Gelo
O hóquei no gelo surgiu no Canadá no século XIX. A palavra hóquei vem do francês hocquet, que significa bastão ou taco. Em 1917, foi criada a NHL (Liga Nacional de Hóquei), e em 1920, o hóquei no gelo foi incluído nos Jogos Olímpicos. Com o tempo, o esporte conquistou os Estados Unidos e a Europa, e atualmente é praticado por dezenas de países pelo mundo.
As partidas são disputadas entre duas equipes de seis jogadores em pistas de gelo de 60 x 30 metros. Os atletas devem utilizar seus tacos para conduzir um disco de borracha pelo gelo até o gol adversário, e interceptar os ataques de seus oponentes. Cada gol equivale a um ponto no jogo, com duração de 60 minutos, divididos em três tempos de 20 minutos.
O hóquei no gelo é um jogo violento, e é o único esporte em que jogadores não são expulsos caso briguem fisicamente durante a partida [Reprodução/Instagram/@canucks]
A trajetória de Gretzky
Nascido em 1961, o canadense Wayne Gretzky entrou no mundo do hóquei ainda cedo. Aos seis anos, já treinava e competia com crianças mais velhas. Seus mais de 300 gols realizados em times infantis deixaram eufóricos os habitantes de Brantford, sua cidade natal. Aos 14 anos, mudou-se para Toronto, em busca de melhores oportunidades na carreira. Dois anos depois, vestiu pela primeira vez a camisa 99 — número que o acompanhou pelo restante da carreira —, na Ontario Major Junior, liga júnior de hóquei.
Em 1978, assinou com o Indianopolis Racers para disputar a WHA (Associação Mundial de Hóquei), uma liga emergente que tinha como objetivo rivalizar com a NHL. No entanto, o Racers enfrentou dificuldades financeiras e, pouco depois, a WHA entrou em colapso. Nesse cenário, alguns times da WHA foram incorporados a NHL, entre eles o Edmonton Oilers. Gretzky foi transferido para o Oilers por meio do Draft de Expansão de 1978, que permitiu a entrada de jogadores de 18 e 19 anos na NHL.
Além do Edmonton Oilers, Gretzky passou pelos times de Los Angeles Kings, St. Louis Blues e New York Rangers [Reprodução/X/SportsCenter]
Sua passagem pelo Oilers marcou a história do time. Durante a década de 1980, o clube dominou o cenário do hóquei, conquistando, por quatro vezes (1984, 1985, 1987 e 1988), a Stanley Cup, taça entregue ao vencedor da NHL. Em entrevista ao Arquibancada, Salvador Neto, diretor de hóquei da Confederação Brasileira de Desportos no Gelo (CBDG), destacou a liderança de Gretzky: “Ele não era um cara que apenas finalizava, ele conduzia o time, sabia o momento de não jogar”.
Os números ajudam a dimensionar o fenômeno Wayne Gretzky. Com mais de mil gols e 2 mil assistências na carreira, o atleta acumulou conquistas individuais, como nove troféus Hart — de MVP (jogador mais valioso) — e dez troféus Art Ross, destinados ao maior pontuador da temporada. Thiago Simões, comentarista esportivo da ESPN, ressaltou a dificuldade de alcançar as marcas de Gretzky: “Muitas vezes, ele terminou com 200 pontos em uma temporada. Se você pegar as estatísticas, os que são considerados ‘os melhores’ hoje em dia não chegam a 25% do que ele fez”.
Com a seleção canadense, Gretzky foi tricampeão na Copa do Canadá, torneio internacional de hóquei realizado entre 1976 a 1991 [Reprodução/X/HockeyHallFame]
A Troca
No dia 9 de agosto de 1988, Wayne Gretzky, o maior nome da história do hóquei, anunciou sua saída do Edmonton Oilers. Seu novo destino: Los Angeles Kings. A transferência, conhecida como “The Trade” (A Troca), abalou o mundo dos esportes e das celebridades. Os canadenses, que receberam a notícia com indignação, acusaram Gretzky de traição e apontaram a atriz americana Janet Jones, esposa do atleta, como principal culpada pela decisão.
Entretanto, o principal motivo por trás da troca era financeiro. Peter Pocklington, então dono do Oilers, enfrentava dificuldades econômicas e enxergou, na venda de Gretzky, a oportunidade para estabilizar o clube. A popularidade do jogador, associada ao sucesso no hóquei, contribuiu para uma imagem comercializável, que atraiu o interesse de empresários dispostos a pagar uma fortuna para tê-lo em seus times. Ainda que relutante em deixar o time, Gretzky aceitou a transição sob a condição de que seus companheiros de equipe, Marty McSorley e Mike Krushelnyski, também fossem transferidos para o Los Angeles Kings.
A mudança de time gerou tanta comoção que Nelson Riis, líder da Câmara do Novo Partido Democrático do Canadá, exigiu que o governo bloqueasse a venda de Wayne. Mesmo com os protestos, Wayne Gretzky foi vendido ao Los Angeles Kings por 15 milhões de dólares. Agora, jogaria na Califórnia, estado com clima predominantemente quente e seco, diferente das temperaturas geladas do Canadá.
Embora tenha continuado a conquistar prêmios individuais, como o Art Ross Trophy, Wayne Gretzky nunca voltou a vencer a Copa Stanley após deixar o Edmonton Oilers. Em 1998, ele teve a chance de disputar sua primeira e única Olimpíada de Inverno, graças à decisão da NHL de liberar seus atletas para o evento. Nos Jogos de Nagano, no Japão, a seleção canadense começou a competição bem, mas foi derrotada na semifinal pela República Tcheca. O resultado tirou a possibilidade de Gretzky obter uma medalha olímpica.
Para Salvador Neto, a mudança de time significou a expansão do hóquei para outras regiões e mostrou ao mundo que o hóquei no gelo poderia ser praticado em lugares onde não há neve. “A grande importância do Gretzky foi mostrar que é possível jogar hóquei em qualquer canto. Se hoje a NHL tem 32 franquias, sendo 24 nos Estados Unidos, e se hoje existem o Florida Panthers, o LA Kings, o Dallas Stars, o Phoenix Coyotes, é por causa do Gretzky”.
A popularização do hóquei no gelo em escala mundial possibilitou também sua prática em países de climas mais quentes, como o Brasil. Entre os dias 7 e 13 de novembro de 2024, a Arena Ice Brasil, centro de prática de esportes no gelo, como hóquei, curling e patinação, sediou o primeiro torneio de hóquei 3×3 feminino da IIHF (Federação Internacional de Hóquei no Gelo). A memorabilia dos jogos fará parte do Hall da Fama da Federação.
“Estou triste por deixar Edmonton. Eu realmente admiro e respeito todos os fãs”, declarou Gretzky na coletiva de imprensa em que anunciou sua saída [Reprodução/Youtube/LAKings]
Gretzky deixa os rinques
Em 22 de novembro de 1999, Wayne Gretzky jogou sua última partida na NHL, pelo New York Rangers. No mesmo dia, o jogador entrou para o Hall da Fama do Hóquei, e no ano seguinte, para o Hall da Fama da IIHF. A camisa 99, eternamente associdada a Gretzky, foi aposentada em toda a NHL.
Nos minutos finais da última partida do canadense, fãs das duas torcidas gritavam “One more year”, pedindo mais um ano de Gretzky no esporte [Reprodução/Youtube/NHL]
Ainda em 1999, o Hall da Fama do Hóquei dos Estados Unidos criou o Prêmio Internacional Wayne Gretzky, o qual homenageia figuras de todo o mundo que contribuíram para o desenvolvimento do hóquei no gelo estadunidense. O último vencedor foi o jogador russo Alex Ovechkin, que recebeu o prêmio em 2019.
“O Gretzky significa hóquei”
Thiago Simões, jornalista dos canais ESPN
Em 2002, o LA Kings ergueu, no lado de fora da arena Staples Center (em Los Angeles), uma estátua em tamanho real do jogador. No mesmo ano, Gretzky atuou como diretor executivo do time de hóquei masculino do Canadá nas Olimpíadas de Inverno de Salt Lake City. Sob seu comando, a equipe conseguiu sua primeira medalha de ouro nos Jogos em 50 anos.
Wayne Gretzky acendeu a Pira Olímpica na abertura dos Jogos de Inverno de Vancouver, em 2010 [Reprodução/Youtube/olympicvancouver2010]
Gretzky é autor de diversos livros sobre sua vida pessoal e sua carreira, como a autobiografia “Gretzky: An Autobiography”, de 1990, e a parceria com a jornalista Kirstie McLellan Diamond “99: Stories of the Game”, que foi o livro canadense mais vendido de 2016. Atualmente, o ex-jogador participa de transmissões das partidas da NHL nos canais TNT e TBS.
Para Salvador Neto, o Edmonton Oilers e seus jogadores vivem até hoje na sombra de Gretzky. “Eles têm, hoje, um jogador muito bom que se chama Connor McDavid, mas carregar o fardo de liderar o time do Gretzky sempre pesou. Vários jogadores anteriores ao McDavid eram promessas para o próximo título do Edmonton, mas acabaram não tendo sucesso e rapidamente foram esquecidos. Se ele não for campeão pelo Edmonton, será mais um de quem ninguém vai se lembrar daqui cinco anos, apesar de ser um excelente jogador”.