No café da manhã, no almoço, no jantar, no lanche da tarde, a alimentação faz parte do nosso dia a dia. O ato de comer, despertado pela fome, é essencial para o ser humano, porque “a comida vai além do papel básico de nutrir, ela também tem um papel de socialização e de conforto”, como afirma a médica endocrinologista Natália Alencar, da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Para ser digerido no nosso corpo, o alimento passa por uma série de reações e processos físicos e químicos, que se iniciam na boca e envolvem o estômago, o intestino e, inclusive, o cérebro.
Como nosso corpo se comunica
É muito comum, quando sentimos fome, ouvirmos o estômago roncar. Essa é uma das muitas formas do corpo de comunicar que precisa se alimentar, e não representa uma preocupação, como alguns podem pensar. Na verdade, Gabriela Texeira, nutricionista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que esse barulho é causado pela contração dos músculos do intestino. Segundo ela, essa contração ocorre devido à grande quantidade de hormônios responsáveis pela sensação de fome agindo no corpo.
Há muitas outras sensações curiosas que ocorrem durante esse período de fome. Quem nunca sentiu a boca salivar com a visão ou o cheiro de um alimento apetitoso? Gabriela explica o que está por trás dessa sensação: “Nós vemos um alimento apetitoso e nosso corpo pensa que chegou a hora da refeição, então ele ativa as glândulas que produzem saliva a fim de se preparar para a digestão”. A salivação é o início do ato químico da digestão.
O ato químico
Natália Alencar explica que a fome surge quando nossos nutrientes estão baixos no sangue. Ela cita alguns desses nutrientes, como glicose, aminoácidos e gorduras. Segundo a médica, quando o nível de glicose no sangue cai, precisamos reabastecer seu estoque para voltar a ter um funcionamento pleno. É por isso que nos sentimos mais fracos e irritados.
Nesse sentido, o cérebro é muito importante para a indicação da fome, principalmente a região do hipotálamo. “Quando há uma queda de glicose no sangue, o hipotálamo capta essa informação e produz um comando para que o corpo busque alimento”, afirma Gabriela. O hipotálamo também analisa os níveis dos colecistocinina e leptina presentes no corpo, hormônios que trabalham na regulação da fome no intestino.
Além da colecistocinina e leptina, Natália destaca outro hormônio, a grelina, como a desencadeadora da fome. Ela é provida por “células do fundo gástrico e aumenta durante a pré-refeição”. “Quando a gente come, a grelina fica baixa e, quando o estômago fica vazio, a grelina sobe. E ela pode voltar a subir mesmo que o estômago não esteja completamente vazio”.

Quando o alimento chega à boca, o hipotálamo também prepara o trato gastrointestinal para processar e receber os alimentos. Depois de ser digerido, ocorre a saciação, o processo inverso da fome — explica Gabriela. “O alimento chega no intestino e são liberados os hormônios endócrinos colecistocinina e a leptina”, esses dois hormônios respondem quando há presença de proteínas e gorduras. A leptina possui um processo inverso ao da grelina: a ingestão diminui quando há uma alta quantidade de leptina. O resultado disso é a saciedade.
Quanto à saciedade, Natália alerta que ela não pode ser confundida com a saciação. A saciação corresponde ao estômago cheio, enquanto a saciedade é um intervalo de tempo que uma pessoa fica sem fome entre uma refeição e outra.
Tanto a saciedade quanto a saciação só podem ser atingidas através de uma refeição. Às vezes, ao passar muito tempo sem comer, sentimos que não temos mais fome, porém o corpo ainda precisa do alimento. “Depois de um jejum prolongado, principalmente depois de doze horas, o corpo começa a usar os corpos cetônicos como fonte energética”. Esses corpos cetônicos são produtos da quebra de lipídios que ocorre em situações de jejum. “A fome é reduzida durante esse período, mas depois ela vai retornar, porque não houve ingestão de alimentos”.
Os diferentes tipos de fome
Natália revela que há muitos tipos de fomes. A que tratamos até agora é a fome física, determinada principalmente pela nossa necessidade energética. De acordo com a especialista, existe a fome social que ocorre quando o indivíduo não sente necessidade de comer, mas faz isso, pois está em uma festa ou encontro social.
Mas há também a fome emocional. Na fome física, “a pessoa come qualquer tipo de alimento. Em geral, ela não é restritiva”, diz a nutricionista. Não é o caso da fome emocional, que é desencadeada por emoções negativas, então, a pessoa procura aliviar esses sentimentos através da comida. “Nesse caso, o alimento é mais palatável com muita gordura e açúcar”.
A razão para a preferência pelo açúcar é porque ele “libera dopamina, neurotransmissor do prazer e bem estar”, diz Natália. E diferente do que muitos pensam, a nutricionista fala que esse consumo em excesso do açúcar não é necessariamente um vício. “A gente não pode falar que vicia, porque a definição de um alimento que causa vício é tudo aquilo que, se você parar de comer, vai causar abstinência. O açúcar libera muita dopamina, a pessoa come e vai querer mais devido à sensação liberada por esse neurotransmissor”.

Assim, a fome emocional está relacionada com as nossas necessidades psicológicas, para aliviar ansiedade e estresse — o que pode levar a problemas de saúde e transtornos alimentares.
A alimentação de açúcar em excesso, por exemplo, pode trazer riscos como a obesidade (acúmulo de gorduras no corpo). Quando não se gasta energia, os nutrientes não ingeridos são estocados em forma de gordura. Segundo Gabriela, existem diferentes tipos de obesidade: há casos em que a obesidade advém de um metabolismo lento, algo que o próprio corpo faz, mas também existe aquela obesidade motivada pelo estado emocional do indivíduo que usa a comida como “conforto”.
Natália complementa que não há nada de errado em ter uma “comida de conforto” para comer no fim de um dia estressante de trabalho. O problema está no consumo exagerado que pode estar por trás de um desgaste emocional.