Por João Victor Vilasbôas (joaovilasboas.jvvp@usp.br) e Lara Cáfaro (laracafaro@usp.br)
Na última quarta-feira (5), o Senado Federal votou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que impõe uma taxa de 20% sobre as importações de produtos avaliados em até 50 dólares. Essa medida, aprovada como parte de um projeto voltado para a fabricação de veículos com menor impacto ambiental, gerou polêmica entre aqueles que defendem a competitividade da indústria nacional e os que se opõem ao aumento dos preços dos produtos.
O Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover) prevê incentivos financeiros para a pesquisa e produção de veículos menos poluentes e é considerado uma das pautas prioritárias do Ministério da Indústria e Comércio, liderado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin. O objetivo central da medida é reduzir as taxas de emissão de carbono da indústria automobilística até 2030.
De acordo com Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, o Mover prevê créditos financeiros para que as empresas invistam em descarbonização. Os incentivos serão de R$3,5 bilhões em 2024, R$3,8 bilhões em 2025, R$3,9 bilhões em 2026, R$4 bilhões em 2027 e R$4,1 bilhões em 2028 – totalizando R$19,3 bilhões. A aprovação do destaque sinaliza o cumprimento do acordo que o governo firmou com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de taxar as compras em 20%. A ideia original dos deputados era de uma alíquota maior, de 60%, que foi reduzida durante as negociações.
O projeto foi aprovado com uma emenda que prevê a taxação de produtos importados de até US$50, com o intuito de criar incentivos para estimular a indústria de veículos sustentáveis. Esse imposto ficou conhecido como a “taxação da blusinha” porque atinge diretamente as compras feitas em sites estrangeiros. A mudança promete abranger grandes nomes do varejo, como Shein, Shopee, Aliexpress e Amazon. O instrumento atende parcialmente a uma pressão feita pelo setor produtivo nacional, que alega perda de competitividade em razão de uma “concorrência desleal” de gigantes do e-commerce internacional.
O projeto de lei deverá ainda retornar à Câmara por ter sofrido alterações no Senado, antes de ir à sanção ou veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
No plenário do Senado Federal, parlamentares analisaram o projeto que visa evitar concorrência desleal dos itens importados com a produção brasileira. [Imagem: Reprodução Internet/ Lula Marques/ Agência Brasil]
O direito tributário e o comércio internacional
Os tributos incidem sobre as operações de exportação e importação no âmbito do comércio internacional. Assim, a política fiscal representa um meio de arrecadação, não apenas para custear suas atividades estatais, mas também para promover ou desencorajar determinados padrões de consumo, conhecidos como “motivações extrafiscais”.
O imposto de importação pode ser visto como uma forma de proteger o mercado interno das mercadorias estrangeiras e consequentemente estimular que elas sejam produzidas no Brasil.
Alexandre Pinto, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP), conta que a produção em massa no leste da Ásia, especialmente na China, é extremamente competitiva em relação aos preços nacionais. Isso faz com que os consumidores finais acabem entrando em contato direto com varejistas e importando as mercadorias. “A proposta do governo de instituir uma tributação sobre essas importações, mesmo que a uma alíquota de 20%, visa tanto aumentar a arrecadação, quanto gerar um certo desconforto em relação à realidade atual da importação”, diz o professor.
A tributação exerce influência nas decisões dos agentes econômicos, pessoas jurídicas ou físicas que, através de suas ações, contribuem para o pleno funcionamento do sistema econômico. Portanto, antes de tomar qualquer decisão, seja de consumo, financiamento ou investimento, um agente econômico leva em consideração diversas variáveis, incluindo a tributação.
Segundo o professor Alexandre, em situações nas quais há opções com diferentes níveis de tributação, os consumidores tendem a escolher aquelas com valor menor. Consequentemente, os impostos afetam, em certo grau, as decisões de compra, levando os compradores a avaliarem se vale a pena continuar adquirindo produtos internacionais. Caso o projeto de lei seja totalmente aprovado, na maioria dos casos, a decisão de compra ainda permanecerá viável, porém, de qualquer maneira, ocorrerá uma tendência à restrição do consumo internacional.
A isenção fiscal, que até então vigorava, desempenhava um papel fundamental no modelo de negócio dos sites internacionais. A expectativa é de um impacto nos preços e nas vendas. Provavelmente os comerciantes nacionais serão beneficiados com o aumento de preço dos produtos que competem diretamente com eles. Nesse contexto, os varejistas têm um argumento válido: a competição com os sites chineses não é equitativa.
Impactos econômicos e interesses conflitantes
A análise de Alexandre a respeito do aumento da arrecadação do Governo Federal, em caso de sanção da proposta, se confirma, de acordo com estimativas do Ministério da Fazenda. Segundo dados divulgados pelo jornal Gazeta do Povo, a expectativa da Fazenda é que a taxação de 20% sobre as importações de varejistas internacionais gere aumento de até 1,3 bilhão de reais ainda em 2024 – valor que pode chegar a 2,7 bilhões anuais nos próximos anos.
Defensores da emenda afirmam ainda que, com a incidência do imposto, a União garantirá a manutenção de empregos com carteira assinada. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Instituto para o Desenvolvimento do Varejo, cerca de 225 mil postos de trabalho formais deixarão de existir caso não haja um tributo sobre as importações atualmente isentas.
Em entrevista à BBC News Brasil, João Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, ressalta que é vantajoso, para a indústria brasileira, defender a proposta discutida no Congresso. Segundo Olenike, para fabricar um mesmo produto que as varejistas internacionais vendem, as indústrias nacionais têm de arcar com os custos da folha de pagamento, da Previdência Social e do Fundo de Garantia dos funcionários, além de pagarem todos os tributos em vigor no país — PIS, Cofins, IPI e o Imposto de Importação, além do ICMS que os sites já pagam atualmente —, o que aumenta os custos de fabricação e gera a concorrência desleal apontada por empresários brasileiros.
Do outro lado do xadrez da política, após a votação no Senado na quarta-feira (5), a Shein declarou que quase 90% de seus consumidores no Brasil são das classes C, D e E. Na avaliação da empresa, o aumento de preços provocado pela taxa implicará em prejuízos a essa parcela dos consumidores que têm renda menor.
A preocupação com o aumento de preço que a taxa acarretará é, inclusive, o principal motivo da polêmica em torno do projeto entre os consumidores. Isabella Zanelli, estudante de jornalismo, diz que “geralmente os produtos nesses sites são mais baratos do que em lojas nacionais, infelizmente.” Ela, que diz ter começado a comprar produtos importados durante a pandemia de Covid-19, conta que, além do preço baixo, os sites oferecem diversas promoções e descontos no frete, o que reduz ainda mais o preço das importações em relação aos mesmos itens fabricados no Brasil.
Foto de capa: [Reprodução Internet / Lula Marques / Agência Brasil]