O rio Tietê nasce no município de Salesópolis (SP) e tem drenagem endorreica – isto é, não atinge o mar. Ele percorre 62 municípios paulistas e deságua no rio Paraná, no município de Itapura, na divisa com o Mato Grosso do Sul. Ele é conhecido, acima de tudo, como um rio poluído.
E a infâmia tem fundamento. Não é incomum ver notícias sobre a situação insalubre do Tietê, como o recente caso da cidade de Salto, no interior de São Paulo, quando o rio ficou coberto por uma espuma tóxica.
Isso não afeta apenas a vida dos cidadãos, no entanto. O rio Tietê é lar de uma variedade de seres vivos, que também enfrentam as consequências da poluição que é, em grande parte, culpa dos humanos.
Em entrevista para o Laboratório, Alexandre Wagner Silva Hilsdorf, professor da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), afirma que uma das formas de contaminação das águas mais comuns em São Paulo, por causa da urbanização intensa, é a poluição difusa.
É causada por componentes como garrafas pet, óleo de carro e outros materiais despejados através da lavagem das ruas que cercam o rio pela chuva.
Há também a poluição orgânica, que deriva principalmente de esgotos sem tratamento e não mata diretamente os peixes do rio. Nesse caso, o excesso de material orgânico sofre decomposição e consome grandes quantidades de oxigênio. Isso torna o elemento escasso na água e pode causar morte de peixes em massa.
Welington Luiz de Araújo, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), explicou esse fenômeno ao Laboratório. Segundo ele, quando descartamos grandes quantidades de matéria orgânica no rio, isso tende a enriquecer a água com nutrientes que rapidamente são degradados por microorganismos, que para isso consomem o oxigênio da água.
O professor afirma que essa é uma ação positiva, pois a matéria orgânica despejada no rio precisa ser decomposta. “À medida que o rio segue seu curso, a agitação da água dá oxigênio à comunidade microbiana, que vai vai depurando degradando a matéria orgânica”. Mesmo as bactérias patogênicas que chegam ao rio são eliminadas rapidamente por competição com as bactérias nativas, segundo Araújo. O verdadeiro problema é o despejo de matéria orgânica excessiva pelos humanos.
Existem tecnologias que utilizam esses microorganismos intencionalmente. Em estações de tratamento de esgoto, são utilizados recursos para manter o nível de oxigênio da água alto e aumentar a velocidade de decomposição de matéria orgânica. Em outras técnicas, utilizam-se microrganismos para degradar gorduras em esgoto doméstico ou frigoríficos, por exemplo. Existem também tecnologias onde o microorganismo retém metais pesados e potencialmente tóxicos em sua membrana, limpando a água. Há ainda ferramentas que separam enzimas de um microorganismo e as colocam em um substrato para degradar poluentes.
Outro caminho possível para despoluição é o uso de poluentes como esgoto ou efluentes de frigoríficos e de indústrias de cana-de-açúcar que iriam para o rio para produzir biogás, que pode substituir combustíveis fósseis na geração de energia.
Hilsdorf lembra que precisamos repensar nossa relação com as outras espécies e faz uma provocação: “Nós temos o direito de, pelas nossas ações, exterminar ou extinguir vidas que levaram milhões de anos para se estabelecerem nesse planeta?”
O professor faz uma alusão a um episódio de Star Trek, uma série famosa de ficção científica. No enredo, uma entidade alienígena com intenção de destruir a Terra se comunica com o planeta através do som de uma baleia. Todas as baleias, as únicas capazes de entender o som, no entanto, foram extintas. A história parece absurda, mas brinca com uma ideia muito séria: quando o desaparecimento de uma espécie poderá decretar o nosso desaparecimento?