Por Gabriela César (gabriela.oliveiracesar@usp.br) e Natália Stucki (nataliastucki@usp.br)
Entre os dias 16 e 18 de junho, o SciBiz Conference ocorreu no Centro de Difusão Internacional (CDI) da Universidade de São Paulo (USP), no campus da capital. O nome do evento faz menção à junção, em inglês, de“sciencie” e “business”, que no português significa “ciência” e “negócios”. De acordo com o projeto, o objetivo é integrar pesquisadores, empreendedores e investidores em pautas a favor do desenvolvimento econômico sustentável.
A conferência acontece há 8 anos e tem como realizadores a Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP, a Agência USP de Inovação (AUSPIN) e a University of São Paulo Innovation Center (INOVA). Além disso, ela possui o apoio de nomes relevantes no meio acadêmico, como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
O evento contou com cerca de 100 palestras com pesquisadores renomados nas áreas de economia e sustentabilidade, e também recepcionou uma feira de startups com 134 empresas.
O projeto propõe uma programação pautada na reflexão integrada entre sustentabilidade ambiental e inovação, buscando caminhos concretos para evitar o ponto de não retorno na Amazônia. Ao mesmo tempo, busca fortalecer a atuação da USP como protagonista no ecossistema nacional de ciência, tecnologia e inovação.
Início do evento
A mesa que abriu a conferência no dia 16 de junho contou com a presença de figuras de destaque, como Maria Arminda do Nascimento Arruda, vice-reitora da USP, e Márcio Luiz França Gomes, Ministro de Estado do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (MEMP).
Moacir de Oliveira Miranda Junior, coordenador do evento e diretor do fundo patrimonial da USP, que também estava presente, afirmou que o impacto da universidade precisa ir além da formação de profissionais, mas também transformar as pesquisas em produtos que ajudem a atingir os objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU.
O Ministro Márcio França destacou que, atualmente, nem sempre assuntos relacionados à ciência e à pesquisa são considerados importantes para a sociedade. Ele fez questão de estar presente na conferência para demonstrar que o governo federal apoia iniciativas científicas. “O Ministério da Ciência e Tecnologia é tão relevante que não pertence ao governo, pertence à pátria”, ressaltou.
Ao fim da abertura, Maria Arminda explicou as ações da USP para com o desenvolvimento sustentável, especialmente em relação à elaboração de pesquisas, tecnologias e iniciativas como a da própria SciBiz.“A USP tem contribuído para construir diagnósticos e métricas sobre os riscos que envolvem a questão da destruição do meio ambiente e que estão presentes no debate de hoje, os quais fazem também parte de toda uma agenda de pesquisa que será apresentada na COP 30”, afirmou a vice-reitora.
Distrito de Inovação
André Carlos Busanelli de Aquino, diretor da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do estado de São Paulo, apresentou o projeto Distrito de Inovação de São Paulo. Esse é uma “área de inovação urbana dedicada à pesquisa e inovação resultante da colaboração de organizações com alto desempenho em ciência e tecnologia”, localizadas na zona oeste da cidade.
O diretor afirmou que são necessárias ações de coordenação e indução econômica — uso de incentivos fiscais ou subsídios estatais — para que esses centros de tecnologia e inovação se desenvolvam de maneira correta e obtenham um melhor desempenho. Além de incentivos por parte do governo, é preciso também um conjunto de profissionais de diferentes áreas para implementar políticas públicas, como urbanistas, advogados e engenheiros.
“O Distrito implica a gente ter a capacidade de trazer pesquisadores internacionais que consigam ficar aqui, no bairro do Butantã, e interagir durante três meses com essas trocas ricas”, explicou Busanelli. Por isso, o projeto vai muito além de apenas construir espaços para desenvolvimento científico, mas pensar efetivamente no planejamento urbano.
E por que um pesquisador teria interesse em trabalhar em um lugar como esse? O diretor destacou que o Distrito consegue alterar o futuro profissional das pessoas. De acordo com ele, a academia não consegue reter os doutores formados na Universidade; no Distrito, eles teriam uma remuneração adequada para desenvolver seus projetos
Há um ponto de retorno para a situação da Amazônia?
O cientista Carlos Nobre foi um dos convidados para palestrar no evento. Durante seu painel, Nobre tratou sobre as questões ambientais ligadas à floresta amazônica e possíveis soluções para mitigar os efeitos da crise climática.
De acordo com o cientista, a Amazônia é o lugar com a maior biodiversidade do mundo, abrigando cerca de 13% de todas as espécies de plantas e de animais conhecidos. Além disso, é um ecossistema com enorme armazenamento de gás carbônico, pois possui de 150 a 200 bilhões de toneladas de gás em seu solo e em sua vegetação.
Após estudos de Nobre e de outros colegas da área, ele chegou a conclusão que de 30 a 50 anos após o ponto de não retorno da degradação da Floresta, cerca de 250 bilhões de toneladas de carbono serão lançados à atmosfera. Isso intensificaria ainda mais o aquecimento global. “Se o desmatamento passar de 20% e o aquecimento global passar de 2ºC, a gente atingirá o ponto de não retorno. Ao atingi-lo, em 30 a 50 anos, restariam, no máximo, 30% da floresta”, destacou o cientista.
Nobre continuou sua palestra destacando os principais fatores de desmatamento, o maior deles sendo a pecuária. Desde 1974, quando o IBGE começou o monitoramento da quantidade de bovinos na Amazônia Legal, a boiada aumentou 984% nos municípios dos estados amazônicos, enquanto cresceu 49% nas demais cidades brasileiras, segundo a InfoAmazonia.
Hoje, de acordo com o cientista, já são mais de 100 milhões de cabeças de gado na Amazônia, com cerca de 0,7% de produtividade por animal, o que é considerado uma taxa de produtividade muito baixa.
Além disso, Nobre ressalta fatores como a agricultura de soja, da extração seletiva de recursos naturais e incêndios florestais. “Infelizmente, no ano passado, nós tivemos um gigantesco número de queimadas em toda a Amazônia, mais de 180 mil incêndios florestais. O Cerrado é o lugar que mais tem incêndios, historicamente, e a Amazônia vem em segundo lugar”, afirmou.
Por fim, ele também levantou outro dado muito preocupante em relação à degradação da Floresta Amazônica: o surgimento ou reaparecimento de doenças. A Amazônia, como mencionado, possui a maior biodiversidade do mundo, inclusive para microrganismos, como vírus e protozoários.
No continente africano, por exemplo, com o desmatamento da Floresta do Congo, houve o surgimento das pandemias do ebola, HIV, segundo Nobre. Nesse sentido, o Brasil também já vem sentindo os efeitos da degradação da principal floresta tropical do país, pois, segundo a Fiocruz e o Instituto Evandro Chagas, foram mapeadas 48 zoonoses na Amazônia Legal. Isso significa que o vírus chegou perto de se transformar em uma epidemia.
Para evitar atingir o ponto de não retorno, Carlos Nobre trouxe quatro soluções possíveis: zerar o desmatamento, a degradação e o fogo; restauração florestal em grande escala; investir em uma sociobioeconomia de florestas saudáveis e rios fluindo; e valorizar o conhecimento dos povos tradicionais e das comunidades locais.
“45% da Amazônia é muito pobre, isso é muito mais alto que a taxa média da pobreza brasileira. Então, precisamos criar uma sociobioeconomia, que agregue muito valor e que melhore a vida de todos os amazônicos”, destacou o climatologista.
Startups na Universidade
[Imagem: Acervo Pessoal/Natália Stucki]
Durante a tarde, ocorreram palestras acerca da conexão entre universidade e indústria, nas áreas de saúde, meio ambiente e das engenharias. Foram apresentados cases de sucesso de startups que receberam apoio dos modelos de inovação da USP: os CEPIDs (Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão) e as Embrapiis (Empresas Brasileiras de Pesquisa e Inovação Industrial).
Essas entidades fazem parte do sistema de incubadoras da USP. Uma incubadora é um ambiente criado para apoiar ideias que ainda não foram desenvolvidas, assim os negócios podem crescer, tornando-se startups, por exemplo, e ir para o mercado. Mas não são somente elas que fazem parte desse ecossistema: o foco das palestras era mostrar o sucesso da colaboração entre grandes empresas e essas startups dentro dele.
Um exemplo dessa colaboração é o Centro de Pesquisas em Genoma Humano e Células-tronco (Genoma-USP), atualmente o maior centro de atendimento a pessoas com doenças genéticas na América Latina. A professora Mayana Zatz, também diretora do Genoma-USP, explica que a aliança com o CEPID fez com que sua equipe descobrisse que o Zika vírus é capaz de destruir tumores cerebrais.
A pesquisa destacou o Brasil no cenário internacional, figurou na capa da revista “Cancer Research” e teve mais de um milhão de visualizações: “foi um resultado realmente espetacular, muito mais eficiente do que a gente imaginava”, diz.
Frederico Gueiros Filho, do Centro de Pesquisa em Biologia de Bactérias e Bacteriófagos (CEPID-B3), afirma que os CEPIDs são centros que “partem da ideia que existe uma massa crítica de pensadores que, se trabalharem juntos, podem dar um salto quantitativo em suas pesquisas”. Para ele, o ponto principal dessas iniciativas é fomentar interações e dar recursos financeiros a longo prazo, para que um grupo gere pesquisas disruptivas e de alto nível.
Outra pesquisa de destaque apoiada pelo CEPID deu origem a startup Xeno BR, iniciativa que busca viabilizar em larga escala os xenotransplantes: a produção de órgãos em suínos para transplante em humanos. Xenotransplantes só podem ser realizados como “uso compassivo” no Brasil — disponibilização de medicamentos ou dispositivos médicos ainda não registrados oficialmente —, que permite que pacientes com doenças graves acessem tratamentos experimentais.
De acordo com o professor Ernesto Goulart, o projeto tenta solucionar o crescimento das filas de espera pelo transplante de órgãos: “a cada 30 segundos uma pessoa morre porque não tinha um órgão para ser transplantado”, relata Ernesto. Ele ainda ressalta que a maioria das pessoas que aguarda um transplante são pacientes renais crônicos, que dependem de elevados gastos públicos com hemodiálise para sobreviver.
A ideia de utilizar porcos criados em laboratório para xenotransplantes não é recente, e já teve sucesso nos Estados Unidos, onde um paciente recebeu um xenotransplante de rim em 2024. Segundo o professor, a Xeno BR, desde 2019, “assumiu uma responsabilidade muito grande de trazer essa tecnologia para o Brasil, em um acordo de codesenvolvimento com a Universidade de São Paulo”.
Já as Embrapiis são organizações sociais que recebem recursos públicos para investir em inovação na indústria, diz o professor Vanderley John, coordenador da Embrapii Poli-USP. Um caso de inovação é o da startup Biogenesis, que começou prestando consultoria e regulamentando outras empresas de biotecnologia e passou a procurar microorganismos para desenvolver biofertilizantes, fertilizantes, produtos biológicos, inoculantes, biodefensivos, entre outros produtos.
[Imagem: Acervo pessoal/Natália Stucki]
Jeferson Klein, diretor de pesquisa e inovação em bioinsumos na Biogenesis, ressalta que o custo para o desenvolvimento de produtos é muito alto e muitas vezes pequenas empresas não têm recursos para isso, por isso é necessário buscar parceiros. A startup contou com auxílio financeiro da Embrapii e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Segundo Vanderley, esse modelo de financiamento para startups seria muito positivo, uma vez que a contrapartida Embrapii e Sebrae pode chegar a quase 90% do orçamento do projeto.
Em seguida, se o projeto desenvolvido se mostrar promissor, a Embrapii terceiriza as atividades, faz a prestação financeira e até mesmo compra os recursos necessários. Segundo o professor Ítalo Delalibera, diretor da unidade Embrapii ESALQ-USP, isso significa que a pequena empresa transfere a maior parte do desenvolvimento para a Embrapii.
O evento, portanto, demonstra a importância do apoio das universidades para as inovações na indústria, bem como a contribuição que as empresas apoiadas trazem como retorno para o ambiente acadêmico.
*Imagem de capa: Gabriela César