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O que explica o fanatismo por artistas?

Psicologia busca compreender o perigo da admiração excessiva de fãs com seus ídolos; neurociência estuda o sistema de recompensa cerebral

Amar um artista de forma tão intensa e considerá-lo uma pessoa próxima, subir hashtags em redes sociais a cada foto ou notícia nova, fazer mutirão em votações para premiações, criar fã-clubes e passar dias – ou até meses – acampando em estádios para garantir os primeiros lugares em shows. Essas são diversas atribuições de um fã. 

O termo identifica aqueles que detêm grande admiração por artistas, figuras públicas, atividades ou ideias, mas diferencia-se da obsessão fomentada pelo fanatismo. Fenômenos complexos e ainda em estudos, estes comportamentos possuem explicações curiosas.

Thaís Faccio, estudante de psicologia, é fã do cantor Harry Styles, conhecido pelos singles Watermelon Sugar e Sign Of The Times, e destaca o carinho e a identificação com o artista: “Sempre que me sinto perdida ou entristecida com alguma situação, é para os vídeos dele interagindo com os fãs que eu corro; e sempre que experiencio momentos importantes, é a música dele que gosto de ouvir para comemorar. Aos poucos, Harry Styles se tornou extremamente importante na minha vida, sendo a minha maior definição de ‘casa’, e passando uma sensação de aconchego que só um amigo proporciona”, relata.

 

Com dois álbuns solo, Harry Styles tem conquistado uma legião de fã ao redor do mundo. [Imagem: Hélène Pambrun]
Com dois álbuns solo, Harry Styles tem conquistado uma legião de fãs ao redor do mundo. [Imagem: Hélène Pambrun]

 

Tiago Bortolini, neurocientista e pós-doutorando na Unidade de Neurociências Cognitiva e Neuroinformática do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, afirma que há uma resposta cerebral para o comportamento fanático: o ser humano possui um sistema de recompensa relacionado ao processamento de informações que trazem prazer ou satisfação, o qual é um circuito que envolve um grupo de estruturas neurais responsáveis pela validação das sensações. A recompensa funciona como uma resposta a estímulos — desde objetos até atividades ou eventos com o potencial de atração e consumo, além de modular diretamente a motivação, atenção e tomada de decisão.

[Imagem: Reprodução/ Tiago Bortolini]
Com a ativação do sistema de recompensa, há a produção de dopamina, um neurotransmissor com papel na regulação de experiências agradáveis, que funciona como um mensageiro e leva as informações para outras células do organismo. De maneira simplificada, a dopamina percorre várias partes do cérebro até chegar ao córtex pré-frontal para avisar que está tudo bem e houve satisfação ao realizar determinada atividade. Assim, o cérebro registra essa sensação e entende que pode ser repetida.

Esse mecanismo é dividido em duas seções. As recompensas primárias estão relacionadas às necessidades de sobrevivência, tais como abrigo, comida e sexo. Por isso, há o desejo de satisfazer essas demandas e a satisfação sentida após é consequência do mesmo sistema. Por sua vez, as recompensas secundárias estão indiretamente ligadas à sobrevivência e incluem elementos como reconhecimento, gratidão, confiança e contato físico. 

Em padrões evolutivos, esse sistema é antigo e existe para a sobrevivência humana, mas também evidencia prazeres da vida contemporânea. “O mesmo sistema que a gente usa para nos motivar a comer comidas calóricas, que foram importantes para evoluir, é o mesmo que nos motiva a consumir produtos e novidades”, explica o pesquisador.

 

 

O sistema de recompensa pode ser ativado quando o cérebro começa a prever o que pode vir em seguida. Bortolini descreve que, ao ouvir uma música, existem áreas primárias, regiões relacionadas à audição e à memória e, principalmente, regiões relacionadas à avaliação de recompensas. “Elas estão caracterizadas bem no centro do cérebro e respondem às expectativas. Por exemplo, se você vê a capa de um CD de uma banda que gosta, já cria uma expectativa de escutar aquela música. Isso tudo está recrutando e ativando essas regiões do sistema de recompensa. Então, você tem essa antecipação, aí escuta a música e gosta”. 

Para além das regiões cerebrais relacionadas à recompensa e ao processamento dela, o grupo de pesquisadores do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino busca compreender o funcionamento daquelas relacionadas ao apego, um componente importante na questão do fanatismo e dos vínculos com artistas e grupos sociais. “A gente ainda não sabe exatamente como funciona a relação desse sistema de recompensa com os sistemas neurais mais relacionados ao vínculo e apego que as pessoas geram, mas acredita que seja uma neurobiologia muito parecida você se apegar à família, o vínculo mais básico que o ser humano tem, e a uma banda ou um artista”, reitera.

 

Fã: fanático ou obsessivo?

[Imagem: Reprodução/ Natália César de Brito]
Ao verificar a atividade cerebral e o sistema de recompensa, o neurocientista destaca que não é possível distinguir os comportamentos relativos às atitudes de um fã e de um fanático. Para isso, Natália César de Brito, especialista em terapia cognitivo comportamental e conselheira do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR), analisa e ressalta as diferenças entre ser fã e ter uma obsessão. “Essa linha entre o amor e a obsessão é muito tênue. É importante manter o pé no chão. Se você está abandonando as suas atividades cotidianas em prol de viver atrás desse ídolo ou de fazer com que ele entenda que tem um grupo de fãs, já é para acender uma luzinha amarela de que precisa de atenção. Precisa tomar cuidado para que não atrapalhe seu trabalho e seus estudos”, conta.

A psicóloga explica que o fanatismo é da ordem do amor patológico. “Quando a gente fala sobre o amor patológico, a gente sempre pensa no amor romântico. Então, ‘sou apaixonada por um homem e sem ele a minha vida não faz sentido’. É sempre prestar atenção nisso, no que as pessoas estão abrindo mão em prol desse amor. Você pode amar o seu ídolo, mas precisa entender que a sua vida é uma e a dele é outra. A sua vida funciona apesar do seu ídolo”, afirma.

 

Doença das celebridades

Natália relata que há um movimento socialmente adoecido de que se faz necessário acompanhar tudo o que os artistas fazem. “A gente esquece que essas pessoas que estão cantando, dançando e atuando também estão trabalhando. Nem todos os dias estão dispostos a essa interação e simpatia, que a gente acha que elas têm que ter e não necessariamente acontece”. 

Para ela, há uma linha tênue do limite entre ser fã, ter um respeito pelo trabalho da pessoa e isso se tornar até um assédio. “Você não pode encostar no corpo do seu ídolo só porque ele é seu ídolo, de tentar agarrar. São pessoas como nós, que têm um trabalho com visibilidade”, comenta.

A especialista enfatiza que o limite entre atitudes sadias e seguras se perde no momento em que essa postura se torna patológica. A Síndrome Di Clèrambault, conhecida como erotomania, é um transtorno no qual a pessoa perde o contato e a noção da realidade. O erotomaníaco interpreta, de forma distorcida, atitudes e falas do artista na TV, rádios e nas redes sociais, os quais seriam sinais sutis de comunicação. Com essa situação, o indivíduo fica frustrado e a paixão pode tornar-se raivosa.

Segundo ela, a erotomania, popularmente denominada “doença das celebridades”, é uma condição em que o indivíduo se apaixona por alguém e, em seu delírio, acredita na reciprocidade desse sentimento, mas por algum motivo não conseguem ficar juntos. “Muitas pessoas se colocam nesse lugar com seus ídolos e uma série chega ao extremo de cometer um atentado. O caso mais conhecido é o do John Lennon, que foi assassinado por um fã. Essas obsessões são mais comuns do que parecem”, finaliza. 

Os profissionais ouvidos concluem que é saudável ser fã, desde que o carinho e admiração pelo artista e seu trabalho não prejudiquem a sua individualidade e rotina para tornarem-se uma dependência. 

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