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Esportes radicais: a caçada pela adrenalina

OS EFEITOS DOS ESPORTES QUE MUDAM NOSSA PERCEPÇÃO E MEXEM COM NOSSAS EMOÇÕES

Independentemente da idade, gênero ou porte físico, é inegável que quase todos os seres humanos já tiveram contato com algum esporte. Seja como atividade escolar, hobby, cuidado com a saúde ou exercício profissional, a prática esportiva se faz presente na vida do indivíduo nas mais diversas formas, que vão da queimada ao futebol, e até mesmo do vôlei ao atletismo. No entanto, a prática por hobby ou por questões de saúde não parece o suficiente para alguns esportistas. Para eles, a emoção e adrenalina vêm em primeiro lugar. Melhor ainda quando vem acompanhada de superação. Em busca deste arranjo, os esportes radicais lhes oferecem o cenário perfeito de experiências únicas e nervos à flor da pele.

Em entrevista ao Arquibancada, os atletas Leonardo Ribeiro, Marcio Tanabe e Marcelo Oppenheim, falam sobre suas experiências com o parkour, skate e paraquedismo. Ao lado deles, William Falcão, psicólogo do esporte, analisa os fatores positivos e negativos da busca pela adrenalina pelos atletas.

 

Parkour: desafios pela cidade

França, década de 1980. David Belle e os irmãos Yahn, Frederic Hnautra e David Malgogne resolvem trazer às ruas de Lisses, em Paris, os princípios de “parcours du combattent” (o percurso do combatente, em português). Essa era uma disciplina militar praticada pelo pai de Belle, que passou seus ensinamentos ao filho anos depois. A partir de então, nasce “Le Parkour”, conhecido atualmente apenas como “parkour”.

A modalidade é voltada para o cenário urbano, em que os próprios elementos da cidade são postos à força humana com saltos e escaladas, criando um verdadeiro percurso de obstáculos a serem enfrentados. Leonardo Ribeiro, conhecido como “Akira”, é o primeiro instrutor de parkour do Brasil e conta sua experiência com o esporte.

Leonardo ouviu falar do parkour pela primeira vez por meio de um amigo, em uma época em que ainda havia poucas informações ao seu respeito. Tempos depois, ele conta que teve um novo contato com o esporte a partir de um programa  no canal de televisão MTV. E então se apaixonou. Quis logo saber mais sobre o que se tratava e posteriormente, em 2004, começou a treinar por conta própria. “Na época, o Youtube nem existia direito, tinha acabado de começar. Ninguém tinha internet para abrir os vídeos, e eu comecei a aprender as técnicas ‘devagarzinho’, vendo gifs e fotos, por incrível que pareça”, lembra.

Desde então, Akira nunca mais se distanciou do parkour. Seus treinos continuaram e novos desafios lhe foram lançados, mas o instrutor nunca se sentiu intimidado. Muito pelo contrário. A cada desafio superado, uma história nova de superação para se orgulhar era escrita. De acordo com ele, a maior delas – e de maior adrenalina – foi quando saltou de um heliponto, localizado no último andar de um prédio, para o penúltimo, na gravação de um comercial. “Foi incrível pra mim, foi uma adrenalina muito grande. Ali eu percebi que tinha um potencial bem legal pra continuar trabalhando com isso”.

parkour
[Imagem: Parkour Brazil/Instagram]
Por mais que essa seja uma situação perigosa, o instrutor conta que não sentiu correr risco de vida. Para ele, os riscos não existem somente no parkour ou em esportes radicais, mas sim, em qualquer outra atividade, e relata que o controle emocional faz parte dos treinos. Além disso, Leonardo diz que é consciente dos riscos que corre durante eles, mas procura lidar de forma leve, para que o medo não se torne seu maior inimigo e, consequentemente, coloque sua saúde em jogo.

Perguntado a respeito dos benefícios da prática de esportes radicais, mesmo sendo ciente de seus riscos, o instrutor diz acreditar que os esportes, no geral, sendo radicais ou não, são benéficos: “Só de fazer alguma atividade física você já está tendo alguma vantagem que faz tudo aquilo valer a pena. E não precisa ser um esporte radical”. No entanto, faz questão de ressaltar que o sentimento de superação inerente a eles é maior do que em outras modalidades.

“Você vai sempre estar se desafiando, sempre vai ter algo novo pra fazer e você vai sempre correr atrás de algo que até pouco tempo atrás você não conseguia executar. Isso traz uma sensação de segurança e evolução muito maior que outras atividades, e eu acho que o parkour tem muito disso”, relata.

 

Skate: voo sobre rodas

Diferentemente do parkour, o skatismo surgiu em terras americanas. Por volta de 1960, na Califórnia, alguns surfistas acoplaram rodinhas de patins em suas pranchas para “surfar em terra”, alternativa para dias em que não houvesse ondas no mar. A partir de 1965, os primeiros skates foram fabricados, e os campeonatos começaram a acontecer. Nos anos 1990, o esporte ganhou o mundo.

O skatista profissional e empresário Marcio Tanabe conta que seu primeiro contato com o skate foi pela televisão, em programas e propagandas. Em uma delas, seu irmão mais novo ficou impressionado com as manobras e comparou-as com o voo de um pássaro: “Eu, irmão mais velho, ‘inteligentão’, sabendo tudo da vida aos 13 anos, respondi: ‘Você não está vendo que isso é montagem?’. Eu nem acreditei que o cara era capaz de ‘voar’!”, brinca.

Porém, aquela imagem ficou na cabeça de Marcio que, inclusive, passou a seguir o caminho de volta da escola se imaginando no skate. Ele recebeu a visita de um primo que havia acabado de ganhar seu primeiro skate e ficou maravilhado ao experimentar. Tempos depois, pediu para que seu tio, que havia comprado um, o levasse para adquirir a novidade também. Desde então, sua relação com o esporte mudou: “Rapidamente eu troquei meu skate, coloquei peças melhores e em alguns meses eu tinha um ótimo equipamento. Após um ano e quatro meses, fui campeão brasileiro. A evolução foi fantástica”.

Depois de inúmeros campeonatos e experiências, hoje, aos 56 anos, o skatista revela que foi classificado em um deles para ser um dos atletas que competirá pelo Brasil na próxima edição dos Jogos Pan-Americanos, em 2023. Ele conta que a vaga conquistada foi uma surpresa enorme, uma vez que sempre apoiou a comunidade do skate e acredita que as conquistas sejam coletivas. Porém, nunca imaginou que ele representaria seu país em um evento como esse. 

“Imaginava que um dia a gente fosse disputar as Olimpíadas, mas o meu ‘a gente’ era os meninos. Eu nunca pensei que um dia eu fosse vestir a camisa do Brasil, e diante da bandeira nacional iria fazer minha performance representando todos os skatistas da minha geração. Acho que isso é muito significativo e muito forte, não fazia parte do meu sonho e de repente foi realizado sem que eu o tivesse imaginado”, conta.

manobras de skate
Um dos campeonatos de Marcio e suas manobras, nos anos 1990. [Imagem: Reprodução/Instagram]
No entanto, um acidente grave comprometeu a sua carreira profissional em seu auge, aos 18 anos. Marcio rompeu o ligamento do joelho praticando artes marciais e estava em tratamento, mas ignorou as recomendações médicas e foi a uma competição de recordes em Guaratinguetá, cidade brasileira do skate, em 1980. Ele tinha certeza que não iria se machucar. Lá, um dos competidores tentou organizar uma fila, anunciou que seria o próximo a entrar na pista e não queria que ninguém violasse sua vez, mas segundo Marcio, não existia “vez” no skate, muito menos “filas”.

Quando o competidor que estava na pista caiu, Marcio entrou sem dar atenção ao outro que dizia ser o próximo e iniciou suas manobras. “Esse cara jogou o skate dele dentro da pista, eu voltei da manobra, peguei o skate dele do chão e comecei a andar com ele debaixo do braço, rindo! Após isso, encaixei outra manobra, ele ficou furioso, subiu correndo a parede da pista e me puxou pelo braço. Eu fui projetado pro chão, caí exatamente com a perna que não podia cair, e isso resultou em uma torção, destruiu meu joelho e andei de muletas por um ano e meio“ lembra, afirmando que a partir de então, não conseguiu mais competir.

Acostumado a competir nos mais altos níveis, ele teve que regredir para outras categorias. Mesmo assim, não deixou de andar de skate e, mais recentemente, dedicou-se ao seu recondicionamento físico com profissionais de qualidade para retornar aos campeonatos de ponta. Perguntado sobre o motivo de não desistir do esporte, Marcio diz que é um sentimento muito maior do que qualquer regra, que o puxa para a adrenalina.

“Costumo dizer que o que diferencia um skatista de uma pessoa que apenas pratica o skate é a reação após um acidente. Quem tem uma experiência temporária com ele, quando se machuca, muitas vezes diz que não serve para isso e não irá mais fazer. Mas tem aqueles que se machucam e contam os dias para tirar o gesso e voltar às pistas, eu sou assim! Vem de dentro, é muito forte”, explica.

 

Paraquedismo: o canto dos pássaros

E quem disse que só a terra firme proporciona momentos de emoção? Para aqueles que buscam ousar na busca por novas experiências, o céu é o limite. No entanto, para os paraquedistas, nem isso basta. 

O paraquedismo já existe no mundo há mais tempo do que se pode imaginar. Sua história começa na China, por volta de 1300, quando chineses pulavam de cima das grandes muralhas segurando artefatos semelhantes a guarda-chuvas, com o objetivo de diminuir e retardar o impacto das quedas até a chegada ao solo. Após isso, em meados de 1480, Leonardo Da Vinci estruturou o primeiro projeto de um “protetor paraquedas”, com panos em formato de pirâmide, para realizar estudos sobre a aerodinâmica.  

Posteriormente, nas últimas décadas do século XVIII, o físico francês Louis-Sébastien Lenormand foi o primeiro a experimentar as conclusões dos estudos de Da Vinci, saltando de uma árvore com um guarda-sol em cada mão, com sucesso. Poucos anos depois, o também francês André-Jacques Garnerin foi o primeiro homem a saltar com o equipamento. O salto, de 1000 metros de altura, foi realizado no Parque Monceau, em Paris, e se tornou um marco na história do esporte. 

Com o passar do tempo, a prática se popularizou, conquistou adeptos e se internacionalizou. No Brasil, a cidade de Boituva, no interior de São Paulo, é o lar do paraquedismo. Lá, Marcelo Oppenheim, conhecido como “Telo”, é instrutor e sócio de um dos centros dedicados ao esporte, e conta como é sua familiaridade com os ares.

Telo revela que, na década de 1990, o único contato que tinha com o esporte era através do irmão e do primo, que já saltavam com equipamentos de estilo militar. Após ele e mais um primo assistirem alguns desses saltos, decidiram procurar por mais informações sobre a modalidade, até que, em 1996, conheceram um instrutor que lhes deu um curso a respeito da prática. E então, tudo começou. “Após esse curso teórico dado em minha própria casa, fomos para Piracicaba e fizemos nosso primeiro salto. E que salto!”, brinca, lembrando que, para ele, esse foi o momento de maior adrenalina desde que entrou para o esporte.

O curso feito por Marcelo e seu primo é o chamado “Static Line” e, segundo ele, consiste na realização de saltos com uma fita ancorada na aeronave, acompanhada da abertura automática do paraquedas principal. Além disso, ele é aberto automaticamente, impedindo que o tempo de queda livre seja muito longo. “Na época, usávamos um avião de pequeno porte, o famoso ‘Cessninha’, com capacidade para quatro pessoas bem apertadas. Hoje em dia, a aeronave comporta 15 pessoas”, conta. 

Atualmente, os princípios do “Static Line” deram lugar a uma nova técnica: “Esse curso praticamente não existe mais. Agora, em seu primeiro salto, você já sai do avião e tem uma queda livre de aproximadamente 45 segundos, tendo que comandar seu próprio paraquedas”, explica o instrutor. 

paraquedismo
[Imagem: Marcelo Oppenheim/Acervo Pessoal]
Mas mesmo que a ideia de saltar em queda livre em direção ao solo, suspenso apenas por um paraquedas seja assustadora para alguns, Telo conta que a prática é mais segura do que se pensa: “Pela quantidade de saltos diários que temos aqui em Boituva, o número de acidentes é muito baixo. Para se ter uma ideia, somente nesta área são feitos mais de 150.000 lançamentos por ano”, revela. 

Contudo, o instrutor não hesita em falar que já presenciou inúmeros incidentes em seu trabalho. Porém, nenhum que oferecesse risco de vida a ele ou a outros praticantes. Assim como Leonardo, ele acredita que os riscos de seu esporte existem, mas não são exclusividade das modalidades radicais, e sim, inerentes a quase todas elas. O perigo, portanto, não o intimida. Na verdade, diante da mistura de sentimentos proporcionada a cada salto, e da emoção em pertencer ao céu, o medo acaba perdendo forças para a coragem.  

“Tem uma frase que costumamos dizer no paraquedismo: ‘Somente os paraquedistas sabem porque os pássaros cantam’. Esta sensação de estar livre, voando e sentindo essa liberdade faz valer cada risco, desde que controlado”, relata.

 

O medo e o vício nos esportes radicais

Ao analisar as mais diversas experiências e histórias dos atletas de esportes radicais, é inevitável questionar se, ao menos algum dia, um deles já se deixou intimidar pelo medo. O psicólogo do esporte William Falcão afirma que ele existe para todos praticantes de esporte, seja ele radical ou não. 

Em relação aos profissionais, o psicólogo afirma que o comprometimento com os treinos tem a função de amenizar a relação entre atleta e risco, pois ele começa em sua modalidade em categorias leves para que, com o tempo, esteja apto a ousar mais: “O atleta vai gradualmente aprendendo a lidar com aquela situação e a controlar o medo, mas o preparo esportivo em si também faz com que a atividade seja menos arriscada, porque ele domina a situação“.

William afirma também que apenas perder o medo e errar os exercícios não é o suficiente. O importante é saber executar cada um deles e ter controle da situação. Por isso, o treinamento é fundamental. A partir disso, é possível que o aprimoramento no esporte seja maior e, dessa forma, sem se deixar abater com eventuais derrotas, as performances de cada atleta aumentem de nível. De acordo com ele, é isso que mantém Leonardo, Marcio e principalmente Marcelo tão assíduos em seus esportes.

“Quando se fala em ‘saber porque os pássaros cantam’ ou em ‘ fazer o impossível’, deve-se entender que não é impossível, é necessário treino e gostar dele. Na verdade, o que ele gosta de fazer é treinar e saltar, não existe nenhuma competição para ser um melhor paraquedista do que ninguém. Ele quer aproveitar a situação, e fazer aquela atividade o traz auto realização”, disserta sobre o paraquedista.

Ao passo que os obstáculos são vencidos e a situação é dominada, consequentemente os atletas conseguem sentir o prazer do sentimento de superação. “O que nos guia, o que nos faz buscar algo na vida, é o sentimento de auto realização que vem de uma série de coisas, incluindo superar desafios”, reitera o psicólogo. Para ele, o mesmo acontece com o atleta, pois o domínio da habilidade e a conquista de proficiência em seu esporte é o que lhe traz tal sentimento.

No entanto, a busca por superação não deve ser levada ao extremo, pois pode comprometer a saúde física dos praticantes. Um desses extremos é o vício em adrenalina, que corresponde à procura incessante do indivíduo por protagonizar situações de alto perigo e estresse, atingindo assim sua auto realização. Leonardo e Marcelo contam que não se consideram viciados em adrenalina. Inclusive, o instrutor de parkour, com 15 anos de experiência no esporte, acredita que é a distância de situações altamente perigosas que o mantém há tanto tempo praticando. 

Marcio Tanabe, por sua vez, diz abertamente que acredita ter o vício, mesmo que ainda não seja diagnosticado. “A primeira pista que fui após me recuperar totalmente das lesões foi com um amigo. Eu parei na borda, olhei pra baixo, quatro metros de profundidade, e me veio o pensamento: ‘Será que está certo fazer isso com 50 anos de idade? E se eu morrer? E se eu não conseguir me recuperar de uma queda muito radical?’. Enquanto eu pensava isso, encaixei o pé, respirei fundo e entrei”, conta o skatista.

Marcio diz que esse pensamento retornou em uma nova situação com o skate, mas novamente o ignorou e partiu para a pista. “É muito louco! Ao mesmo tempo em que eu me questiono, eu não seguro o meu corpo, ele vai sozinho. É mais forte que eu, acho que não consigo viver sem a adrenalina”, confessa.

O que William diz a respeito do vício em adrenalina coincide com os relatos dos atletas. Ele existe, porém, não é algo integralmente inerente ao esporte radical e depende da relação do praticante com sua modalidade. Ele ressalta a importância do preparo psicológico nesses casos, a fim de que, ao entrar em contato com qualquer situação de risco, o atleta saiba como agir, mantendo a calma e evitando comprometer sua saúde. Em vista disso, o psicólogo considera que a possibilidade de desenvolver o vício por esse tipo de situação é preocupante.

“Para nós, leigos, vendo de fora, aquilo parece uma loucura, mas para alguém que treinou dez anos, 15 anos, a situação está sob controle. Então, sobre o vício em adrenalina, não sei o quão saudável isso é. Talvez seja importante para iniciar alguém no esporte, mas se a pessoa busca isso constantemente quer dizer que ela está se colocando em risco constantemente. Temo que isso possa resultar mais em uma lesão grave do que em sucesso esportivo”, explica.

Mesmo assim, William acredita que é no alto risco que se encontra o atrativo do esporte radical. Ele ressalta a necessidade de alguma referência para que o público se interesse por algum esporte, sendo que, nas modalidades em que ela não consegue ser notada por quem a assiste, seja em treinos ou competições, o nível de prática dos atletas pode não ser reconhecido.

“Uma vez que você experimenta uma atividade física, vê como é difícil realizá-la e logo após ver um profissional fazendo, se torna muito atrativo. Você aprecia o trabalho e a habilidade daquela pessoa. Vendo por esses parâmetros, acredito que os esportes radicais tenham um elemento intuitivo, porque quando você vê alguém se jogando de um prédio, você não precisa tentar fazer o mesmo para entender o quanto é difícil”, completa, destacando que é na mínima familiaridade com a modalidade radical que se encontra seu aspecto único.

 

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