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Mudança da sonoridade no Rap

Arte: Renan Souza – Comunicação Visual / Jornalismo Júnior   Por João Vitor Ferreira (jvitorsilva7@gmail.com) Original da Jamaica e levado até os EUA na década de 70, o rap (sigla para rythm and poetry, ritmo e poesia em português) é um dos quatro pilares da cultura hip hop, sendo os outros o break (dança), o graffiti (desenho) …

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Arte: Renan Souza – Comunicação Visual / Jornalismo Júnior

 

Por João Vitor Ferreira (jvitorsilva7@gmail.com)

Original da Jamaica e levado até os EUA na década de 70, o rap (sigla para rythm and poetry, ritmo e poesia em português) é um dos quatro pilares da cultura hip hop, sendo os outros o break (dança), o graffiti (desenho) e o DJ (música). O DJ jamaicano Kool Herc foi um dos principais responsáveis na introdução desse estilo na periferia nova iorquina, mais precisamente no Bronx, onde era a febre dos jovens negros nos famosos bailes de rua da época.

Mesmo com seu início nos anos 70, foi só na década de 80 que a união DJ (disc- jockey, responsável por mixar as músicas e ditar o ritmo) e MC (mestre de cerimônias, responsável por cantar as rimas) se tornou mais forte devido à crise da disco music (muito bem exemplificado pela série The Get Down). E nessa mesma década, surgiram os primeiros grandes nomes do rap e da cultura hip hop.

Os bailes aconteciam em praças ou quadras públicas, o principal deles era o Bronx, que concentrava boa parte dos negros e porto-riquenhos de NY. Fonte: Reprodução

O primeiro deles é o DJ Grandmaster Flash (Joseph Saddler) que, conhecido como o pai do scratch (técnica em que o DJ arranha o disco em sentido anti-horário)  e responsável por introduzir outros termos para o dicionário dos DJ’s, foi um revolucionário para o gênero. Junto com os MC’s Keef Cowboy, Melle Mel, The Kid Creole, Mr. Ness e Rahiem, formou o grupo conhecido como Grandmaster Flash & The Furious Five, sendo um dos encarregados por disseminar o estilo por South Bronx  e outros bairros do gueto de Nova Iorque.

 

 

Outro grande responsável pelo protagonismo dos DJ’s no início da história do rap foi Afrika Bambaataa (Kevin Donovan), criador da organização Zulu Nation. Bambaataa é tido com o pai do hip hop, pois foi o primeiro a utilizar esse termo e definir os quatro elementos da cultura: o grafitti (arte pintada), o break (dança), o DJ (musicalidade) e o MC (poesia). Além de criar todo o conceito do movimento, o DJ e sua organização também tiveram um papel social muito importante para a periferia nova iorquina: junto de sua organização e dos líderes das maiores gangues do Bronx foi assinado um tratado de paz entre as organizações criminosas da cidade. O que antes era um campo de batalha a céu aberto se tornou um lugar de união e convivência, encontros para brigas deram lugar a festas abertas, brigas a mão armada foram substituídas por batalhas de b-boys e a vizinhança do Bronx se tornou um lugar muito mais seguro para os jovens.   

Bambaataa cria a Zulu Nation, após o tratado de paz entre as gangues de NY

 

Com o fim da era dos DJ’s no final dos anos 80, os MC’s passaram a ter o papel destaque no cenário do rap, muito disso graças aos grupos Public Enemy e RUN-D.M.C. Formado por Chuck D, Flavor Flav e Terminator X. O Public Enemy foi criado com o intuito de atualizar as batidas do rap adicionando guitarras e samples de rock, o que acabou deixando a música mais agressiva, perfeita para letras repletas de críticas à mídia da época e aos problemas da comunidade afro-americana. Com toda essa revolução o PE conseguiu diversos feitos na indústria musical, como certificado de disco de ouro (Yo! Bum Rush the Show, 1987) e platina (It Takes A Nation Of Millions To Hold Us Back, 1988 e Fear Of A Black Planet, 1990) nos seus três primeiros álbuns.

 

 

O RUN D.M.C surgiu em 1981 sendo fundado por Joseph “Run” Simmons, Darryl “D.M.C” McDaniels e Jason “Jam Master Jay” Mizell e foram o segundo grupo de hip-hop a entrar no Rock and Roll Hall of Fame (O primeiro foi Grandmaster Flash and The Furious Five). O grupo estourou no ano de 1986 com o seu segundo álbum “Raising Hell” (1986). Bebendo da mesma fonte do Public Enemy, o RUN D.M.C trouxe como principal single desse álbum a faixa Walk this Way que contou com a presença dos rockeiros do Aerosmith. Como consequência disso, o grupo se tornou um dos primeiros a terem uma grande fama mundial, ajudando o rap a se disseminar por outros países.

 

 

Na mesma época em que esses dois grupos (juntos com outros artistas como Beastie Boys e Slick Rick) faziam fama mundial foi que o movimento hip hop começou a tomar forma no Brasil. A cidade de São Paulo foi onde tudo começou, grupos de break começavam a se apresentar na praça Roosevelt e no Largo de São Bento e DJ’s e MC’s eram as sensações nos bailes da periferia paulistana. Mas o que é tido, para muitos, como o início do rap nacional foi a coletânea “Hip Hop Cultura de Rua” (1988) que continha músicas de diversos artistas iniciantes, entre eles Thaíde e DJ Hum (ambos são tidos como os principais precursores do rap em terras tupiniquins). E foi em coletâneas como essa que surgiu o maior grupo de rap do Brasil: Racionais MC’s.

Thaíde junto do DJ Hum ganhou fama nas ruas e em 89 lançaram um do primeiros singles do rap nacional, chamado Corpo Fechado  Fonte: Arquivo Pessoal/ Revista Trip

 

Fortemente influenciado pelos grandes grupos dos anos 80 (principalmente pelo Public Enemy) os Racionais (formado por Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue e DJ KL-Jay) lançam o seu primeiro disco em 1993 intitulado “Raio-X do Brasil”. O álbum foi uma cutucada na ferida da  sociedade brasileira, com músicas como Fim de Semana no Parque, Pânico na Zona Sul (nessa faixa fica bem clara a semelhança sonora com o PE) e Voz Ativa. Além de ser o primeiro grande álbum de um grupo no rap nacional, o Raio-X do Brasil abriu as portas para que outros conjuntos começassem a ter mais espaço na mídia brasileira, aumentando ainda mais a popularidade do rap, principalmente entre as periferias.

Voltando para a terra do Tio Sam, no ano de 1988, mais precisamente no dia 8 de agosto, foi quando houve a primeira revolução no Rap. No dia em questão foi lançado o álbum Straight Outta Compton do grupo NWA (Niggaz Wit Attitudes), popularizando o subgênero do rap conhecido como Gangsta Rap. O G-rap foi criado por volta de 86 e já tinha artistas renomados (como Ice-T) mas foi só quando os garotos de Compton (Dr.Dre, Eazy-E, Ice Cube, MC Ren e DJ Yella) se juntaram para cantar a dura realidade sofrida pelos jovens pobres da sua cidade que o gênero se tornou famoso nos EUA inteiro. Cercado de polêmicas, como a da faixa Fuck The Police, que foi proibida de ser tocada durante os shows do grupo, o NWA se tornou a voz de toda uma geração, suas músicas eram verdadeiros hinos contra o racismo e a repressão policial, que foi a principal luta dos MC’s que surgiram posteriormente ao Straight Outta Compton.

O grupo lançou começou a desfazer após o lançamento de Straight Outta Compton, o filme de mesmo nome conta melhor sobre a trajetória até a morte de Eazy-E. Fonte: Reprodução

                         

Após o estouro do Gangsta Rap, a West Coast (Costa Oeste) do país,se tornou o epicentro do rap americano e mundial. Contando com os membros do NWA (que começou a se desfazer em 89) e outros artistas como Ice-T e Too $hort, Los Angeles se tornou o local perfeito para o surgimento de umas das, se não a, maior lenda do rap: Tupac Shakur. Apesar de seu primeiro disco (2Pacalypze Now, 1991) não ter emplacado logo de cara, o sucesso estrondoso de Pac veio em 93 com o lançamento de Strictly 4 My N.I.G.G.A.Z, que atingiu o certificado de platina com mas de 1 milhão e meio de cópias vendidas. Nos anos seguintes o rapper lançou mais dois álbuns: Me Against The World (que bateu o número de 10 milhões de cópias vendidas,  ganhando o certificado de diamante pela Ricording Industry Association of America) em 95 e seu último disco, já pelo selo da Death Row Records e com parceria de Dr.Dre (ex NWA), All Eyez on Me, que foi certificado como diamante, também. Pac sofreu um atentado em 7 de setembro de 1996 após sair de uma luta de boxe em Las Vegas e veio a falecer no dia 13 de setembro do mesmo ano por conta dos tiros levados. O que especula-se é que sua morte tenha sido encomendada por filiados ao rapper Notorious B.I.G, com quem Pac tinha boa relação até uma tentativa de assassinato, no ano de 94, dentro da gravadora  pela qual Biggie (como também era conhecido) tinha contrato.

Em 1994, o maior rapper da East Coast, Notorious B.I.G estréia com seu álbum: Ready To Die. Cantando basicamente sobre sua vida, Biggie explorou com rimas fortes, porém simples, diversos assuntos que o rondavam diariamente, como o tráfico, violência e o uso de drogas, sendo de fácil entendimento para todo tipo de público. As batidas do álbum seguiam o mesmo raciocínio das rimas, com samples de funk e soul, elas só ajudam a reforçar ainda mais as mensagens do rapper. Outra coisa que chamava atenção em B.I.G era a facilidade que ele tinha em contar histórias em suas músicas e o seu flow característico, que cativaram grande parte do público e dos críticos da época. Após se envolver fortemente com a richa East Coast- West Coast e com o assassinato de Tupac em  96, Biggie é morto em Los Angeles com quatro tiros no peito, após parar em um sinal vermelho e ser alvejado por um carro que estacionou ao lado. Dezesseis dias após a sua morte, o álbum Life After Death (que estava praticamente pronto) é lançado, esse é um dos oito discos de rap a receber o certificado de diamante pela RIAA.

Pac e Biggie foram já foram amigos, a série da Netflix “Unsolved” explica melhor o assassinato e a relação dos dois. Fonte: Reprodução

 

Do outro lado dos EUA, o rap estava sendo ofuscado pelo sucesso dos MC’s da West Coast até o fim de 1993. O super grupo Wu-Tang Clan, formado por 9 integrantes (RZA, GZA, Ol’ Dirty Bastard, Master Killa, Inspectah Deck, Ghostface Killah, Method Man, U-God e Raekwon), todos de NY, estourou logo de cara com o seu primeiro CD, Enter the Wu-Tang (36 Chambers) de 1993. O álbum trouxe um som muito mais sujo do que era comum para época, referências sobre filmes de kung-fu e rimas engraçadas e escatológicas que falavam sobre a dura realidade vivida pelos integrantes de maneira caricata e com o mínimo de seriedade (exceto nas faixas Can It Be All So Simple e Tearz).Um fato interessante sobre esse disco é que nem todas as faixas tinham espaço para rima dos 9, então o líder e produtor RZA escolhia a dedo as melhores letras para cada uma das músicas, por isso que o CD tem essa atmosfera de Cypher. Wu-Tang se tornou uma verdadeira febre na costa leste e logo se espalhou por todo o país, ganhando uma legião de fãs e abrindo as portas para uma nova geração de rappers de Nova York.

 

 

Ainda nos anos 90, a East Coast apresentou para o mundo dois grandes rappers que, além de dividirem o protagonismo do lado leste após a morte de Biggie, também alimentaram uma rixa que dura até os dias de hoje. Nas e Jay-Z estrearam enquanto Notorious ainda era vivo (Nas com Illmatic em 94 e Jay-Z com Reasonable Doubt em 96) e após a sua morte foram os principais MC’s de Nova York e influenciadores da costa leste.

A briga entre Nas e Jay-Z rendeu boas músicas, como Ether, atualmente os dois fizeram as pases e até dividiram o palco juntos em 2005, no show “I Declare War”. Fonte: Reprodução

 

A década de 1990 ainda foi palco para o surgimento de um subgênero do rap, que foi um dos mais tocados nas festas da época: o G-Funk (Gangsta Funk). Criado pelo produtor Dr.Dre, teve maior conhecimento a partir do seu primeiro álbum, The Chronic, de 92. O G-Funk é uma variação do Gangsta Rap abordando temas como sexo, drogas, armas e violência, só que de uma maneira glamourizada (como mostrado em I Get Around, de Tupac) e com uma musicalidade mais dançante e relaxada, tendo como marca registrada os sintetizadores misturados com batidas de funk dos anos 70. Fazendo sua estreia como artista convidado no The Chronic, Snoop Dogg foi um dos principais artistas desse subgênero. O seu disco de estreia (Doggystyle, 1993) foi um sucesso imediato ficando como número um na Billboard 200 por três semanas seguidas desde o seu lançamento. O G-Funk foi a marca do West Coast nos anos 90 e influencia até hoje os rappers dessa região como Kendrick Lamar e SchoolBoy Q.

 

 

No Brasil, o rap continuava se difundindo e no ano de 1997 os Racionais MC’s mais uma vez provaram ser o principal grupo de rap brasileiro. O lançamento de “Sobrevivendo no Inferno” foi mais uma vez muito impactante para a sociedade. Com um som mais sombrio e calmo do que o do álbum anterior, as letras eram o reflexo de toda a violência das comunidades pobres, porém cantadas de maneira simples,com uma linguagem mais próxima da dos moradores de lá (soando como crônicas da favela paulistana). Outro ponto que chamou atenção no CD foi o uso de trechos bíblicos em suas faixas (como Gênesis  e Capítulo 4 Versículo 3) e na sua capa, por conta dessa temática religiosa paralela às desigualdades cantadas pelo grupo, o álbum foi dado de presente ao Papa Francisco pela prefeitura de São Paulo no ano de 2015. As batidas são as peças mais fundamentais da obra devido a imersão que elas causam, tornando muito mais fácil a visualização daquilo que é cantado nas músicas, como em Tô Ouvindo Alguém Me Chamar. O álbum foi um marco para sua época e a partir dele o rap nacional tomou um outro rumo, tanto na musicalidade e nas batidas como no flow dos artistas e na maneira que as letras são cantadas.

Sobrevivendo no Inferno é considerado o melhor álbum do rap nacional e mesmo tendo sido gravado por uma gravadora independente, conseguiu vender mais de um milhão e meio de cópias. Fonte: Reprodução

 

No ano seguinte ao lançamento de “Sobrevivendo no Inferno”, o rapper carioca MV Bill faz a sua estreia com o seu álbum “Traficando Informação”. Bill foi o principal responsável por levar o rap além da capital paulistana, introduzindo a cultura hip hop no Rio de Janeiro. “Traficando Informação” possui uma produção mais sofisticada que o álbum paulista do ano anterior, adicionando sintetizadores e uma pegada mais soul/funk (muito parecido com o G-Funk californiano), entretanto o conteúdo de suas letras é muito parecido com o de “Sobrevivendo no Inferno”, só que mudando o cenário para a cidade do Rio de Janeiro, mais precisamente para a CDD (Cidade de Deus).

 

https://www.youtube.com/watch?v=gJYZZfGSgo4

 

Em fevereiro de 1999, o rapper Eminem (Marshall Mathers) chegou ao estrelato lançando o seu segundo álbum The Slim Shady LP, trazendo algo diferente de tudo aquilo que já foi visto no rap, principalmente no conteúdo lírico. O CD foi um sucesso imediato estreando em segundo lugar na Billboard 200, muito do sucesso devido à parceria com (de novo ele) Dr.Dre, dessa vez produzindo o álbum em sua própria gravadora, a Aftermath Entertainment. Além de Dre, o próprio Eminem trabalhou na produção do disco, ajudando a trazer toda a atmosfera ora caótica, ora sombria e até escatológica que o seu alter-ego “Slim Shady” trazia nas canções (para entender melhor o personagem, escute o EP lançado anteriormente ao álbum). Como dito, Eminem usa esse personagem para interpretar suas letras, Shady é um psicopata extremamente violento e sádico, e é utilizado para criticar a sociedade, tirar sarro de celebridades e falar de si mesmo (no caso o Eminem) de uma maneira mais pesada e suja. Por ser o primeiro no mainstream a abordar os assuntos dessa maneira e por causa de sua técnica ao rimar, Eminem se tornou um dos maiores MC’s de todos os tempos e o mais influente dos anos 2000.

Dr.Dre foi um dos principais responsáveis em lançar a carreira de Eminem, lançando o álbum “The Slim Shady LP” pela sua gravadora e chamando o rapper para participar de seu álbum “2001” Fonte: Reprodução

No Brasil, o milênio começa com a estreia de Sabotage com seu álbum O Rap É Compromisso, que rapidamente se tornou uma das maiores obras do rap nacional. Lançado pelo grupo RZO (Rapaziada Zona Oeste), muito influente na década de 90, Mauro Mateus, vulgo Sabotage, rapidamente ganhou o reconhecimento de todos no estilo. Com um flow inovador e letras com conteúdo crítico, o Maestro do Canão, como ficou conhecido, conseguiu unir a técnica com lírica de maneira nunca antes vista no cenário nacional, servindo como principal inspiração das gerações seguintes. Infelizmente, Sabotage teve uma carreira muito curta, vindo a falecer em 2003 após ser alvejado por quatro tiros. Mesmo com sua morte precoce, o seu legado é enorme: no ano de 2016, foi lançado um álbum com o seu nome, que é uma coletânea de gravações não lançadas por ele com beats de produtores atuais, como o Tropkillaz, e participações de antigos amigos.

 

 

Ainda no começo dos anos 2000, o grupo de Atlanta, OutKast lançou o seu primeiro CD duplo e quinto no geral: Speakerboxxx/The Love Below (2003). Na verdade cada disco é um projeto, inicialmente, solo da dupla, o Speakerboxxx do Big Boi e o The Love Below do André 3000, mas ambos chegaram ao consenso de que daria para lançar os dois discos como um álbum duplo do Outkast.O que mais surpreende é que, apesar das grandes diferenças musicais dos discos, eles conseguem manter a coerência entre ambos. Esse álbum foi responsável por abrir a musicalidade do rap de maneira nunca antes vista, principalmente por causa do The Love Below (que definitivamente NÃO é um disco de rap). Com uma mistura de soul, jazz, funk, psicodelia, pop e outros elementos, o disco dois trouxe uma mistura inimaginável (e completamente louca) para o público do rap e foi muito bem aceito por ele, principalmente por causa dos singles Hey Ya! e Roses. Já o Speakerboxxx possui uma sonoridade mais simples e mais parecida com os outros trabalhos do grupo (principalmente o disco anterior Stankonia), mas conta com as ótimas rimas, o flow de Big Boi e ainda com algumas faixas co-produzidas e alguns refrões cantados por André (como em GhettoMusic), o que faz a ligação entre a sonoridade dos dois álbuns.

Apesar de Speakerboxxx/ The love Below ser o álbum mais ousado da dupla, ele não é considerado pelos fãs com o melhor, sendo superado pelos anteriores Stankonia (imagem) e ATliens. Fonte:Reprodução

O início do milênio também foi quando surgiu para mundo Curtis Jackson, mais conhecido como 50 Cent. Vindo de NY, Curtis só teve grande reconhecimento após a parceria com Eminem e a gravadora Interscope Records em seu terceiro álbum Get Rich or Die Tryin (2003)Contando com hits como PIMP e Many Man, 50 Cent foi um dos precursores do “rap ostentação” (falando sobre carros luxuosos, dinheiro e mulheres) mas ainda trazendo a sua realidade como ex- traficante e a violência urbana de Nova Iorque, traçando um paralelo entre suas duas experiências de vida.

 

 

Kanye West foi um dos principais produtores de rap dos anos 2000, trabalhando principalmente com Jay-Z (com o qual ele fez um ótimo trabalho no álbum The Blueprint). Ficou muito reconhecido por seu trabalho, o que fez com que ganhasse carta branca da sua gravadora para começar a  carreira como rapper. West foi um dos pioneiros em trazer o rap mais para o lado da música pop, tanto nas suas produções para outros artistas como em suas próprias músicas, o seu álbum de estréia, ”The College Dropout” (2004), exemplifica bem isso com faixas como All Falls Down.

Apesar de seus grandes trabalhos, atualmente Kanye West vem deixando seu talento ser ofuscado pela sua posição política e opiniões polêmicas. Fonte: Reprodução

 

Essa fusão entre rap e pop deu origem a um som mais melódico e romântico, explorados por muitos rappers e artistas do R&B que gerou muitos hits para os anos 00. Como não se lembrar de músicas como Wonderful e Always on Time de Ja Rule, Candy Shop do 50 Cent ou Dillema de Nelly em parceria com Kelly Rowland. Foi nessa época que surgiram artistas como Flo Rida, Chris Brown, Ludacris e Usher. Até Snoop Dogg se rendeu à moda da época lançando a música Sensual Seduction e I Wanna Love You em parceria com Akon. Além da melodia e romantismo essas produções também trouxeram a característica que podemos ver até hoje nos hits de rap, que é o padrão do MC rimando nos versos principais e uma mulher cantando o refrão e/ou fazendo uma ponte.

 

 

No Brasil, os anos 2000 trouxeram novas vozes e trabalhos de artistas já consolidados que abraçaram a musicalidade da nova geração e se transformaram em ícones. Vale ressaltar Emicida, que estreou em 2009 com a mixtape Pra quem já Mordeu um Cachorro por Comida, até que eu Cheguei Longe que foi um grande sucesso fazendo que, o já conhecido pelas suas vitórias nas rinhas de MC’s, ficasse mais famoso na cena até se tornar o grande ícone que é hoje. Também relevantes na época foram Rodrigo Ogi, com o seu grupo Contra Fluxo e posteriormente com seu álbum solo Crônicas da Cidade Cinza, e o carioca Shawlin, que lançou o seu primeiro disco Ruas Vazias. Ambos ficaram muito famosos no underground, sendo quase sempre por outros MC’s como inspiração, mas nunca atingiram o mainstream. Black Alien ficou famoso nos anos 90 por suas parcerias com Planet Hemp e Raimundos e no ano de 2004 lançou seu primeiro trabalho solo intitulado Babylon by Gus – Vol. 1, mais um para coleção de clássicos do rap nacional. O que todos eles tinham em comum era a nova perspectiva de como abordar a sociedade da época e uma musicalidade mais leve, diferente do ritmo trazido pelos grupo dos anos 90.

O álbum do Black-Alien, foi o primeiro trabalho solo do artista, que já havia feito fama pelas colaborações, como a feita com o grupo Planet Hemp

Outro que conseguiu inovar foi Donald Glover, conhecido no mundo da música pelo pseudônimo Childish Gambino. Suas músicas misturam o rap tradicional, como uma pegada de música melódica e um pop vintage, eletrônica e muito mais coisas que criam uma sonoridade única e excêntrica, mas sem perder a essência do rap. Seu primeiro CD (Camp, 2011) já traz algumas dessas referências (como na música Fire Fly ), mas em seus dois álbuns seguintes, Because Of Internet (2013) e “Awaken, My Love!” (2016) essa mistura fica ainda mais evidente. Na mesma pegada de Gambino (só que mais pelo lado do pop e trap) temos Chance the Rapper que lembra muito nas batidas de suas músicas, inclusive há uma parceria dos dois no segundo álbum de Glover com The Worst Guys. Ainda se assemelhando (um pouco) ao som de Gambino e Chance temos Tyler, The Creator, porém esse artista consegue trazer uma sonoridade mais única e suas letras tem uma forte influência de Eminem. A excentricidade de Tyler é a sua principal característica, seja nas cores vibrantes de seus clipes, nas suas roupas ou nas suas rimas, que mudam muito durante os álbuns, dependendo de qual alter-ego ele assume na música.

Chance The Rapper (à esquerda) chamou a atenção da mídia após lançar dois álbuns de maneira independente. Em 2016 ele grava Coloring Book, contando com a presença de grandes nomes como Kanye West e Lil Wayne. Fonte: Reprodução

Continuando a evolução nos deparamos com o maior da atualidade: Kendrick Lamar. Seu primeiro álbum feito por uma grande gravadora (good kid, m.A.A.d city, 2012) trouxe uma musicalidade já conhecida pelo público e, devido ao grande sucesso, fez com que o artista se sentisse seguro em inovar completamente no segundo trabalho. Em To Pimp A Butterfly (2015), Kendrick trouxe elementos como soul, funk e muito jazz utilizados de uma maneira parecida com o (já citado) The Love Below do Outkast, só que dessa vez transformando em rap. O disco aborda uma temática sobre afro-americanos, falando principalmente sobre o racismo e exaltando sua cultura (por isso os samples de funk e jazz). Ainda inovando, no ano de 2017 Lamar lança o álbum DAMN., com produções que misturam músicas que são mais voltadas para o pop (como em LOYALTY e LOVE) e outras que remetem aos seus álbuns anteriores. Kendrick também consegue trazer o rap para o mainstream sem ter que usar para letras apelativas, como ele fez em HUMBLE, colocando o rap em outro patamar.

 

 

Em meados dos anos 2000 um estilo de rap começa a surgir, com batidas em tempos mais rápidos que o de costume e misturando o hip hop com a música eletrônica. O trap existe há quase 20 anos e um do principais artistas desse gênero, Gucci Mane, lançou seu primeiro álbum em 2005 intitulado Trap House.  De lá para cá o próprio trap mudou bastante, mas sempre mantendo o ritmo mais acelerado como característica principal. Por volta de 2015 o rap se tornou muito presente no cenário internacional devido ao enorme sucesso de artistas como o grupo Migos, Travis Scott, 2 Chainz, Lil Uzi Vert (esse cantando um estilo que está sendo chamado de emo-trap devido ao conteúdo de suas letras) e mais recentemente com Lil Pump, de apenas 17 anos, que estourou com a música Gucci Gang. O trap é muito criticado por diversos artistas mais antigos, como Snoop Dogg e Jay-Z (que inclusive fez uma crítica aos artistas de trap na sua música Moonlight ), devido ao flow repetitivo desses artistas e às letras pobres em conteúdo.

O grupo Migos fez sua fama inicialmente na cidade de Atlanta, cidade que é tida como a capital do trap Fonte: Reprodução

Atualmente no Brasil, o rap vive seu melhor momento. Há uma enorme quantidade de rappers fazendo sucesso, entre eles estão os mais velhos como Emicida, Rashid, MC Marechal, MV Bill, que até hoje estão em atividade e a cada dia que passa mais artistas surgem. Da geração mais nova vale destacar o brasiliense Froid, o mineiro de BH Djonga, os Cariocas BK e Sant , do estado de São Paulo temos o grupo Primeiramente (representando a capital) e o Síntese (do interior) e no nordeste temos o baiano Baco Exú do Blues, que lançou seu primeiro álbum em 2017 e o cearense Don L. O trap também vem influenciando os brasileiros, tanto na produção das músicas como no próprio estilo dos artistas, diversos jovens vêm ganhando espaço na cena devido a esse estilo de vida do trap-rap, por exemplo o MC Igu e Raffa Moreira. O ano de 2017 ficou conhecido como “O ano Lírico” no rap nacional e foi marcado pelo lançamento de bons álbuns do chamado “Rap de Mensagem”, como “Esú”, do Baco, “Geminiano” do Djonga e “O Pior Disco do Ano” do Froid, sem contar dos Cyphers (músicas colaborativas entre vários artistas) Poetas no topo 3.1 e 3.2 que juntaram um grande números de Mc’s, entre os mais conhecidos e alguns nem tanto.

Grupo Primeiramente, formado na cidade de São Paulo, ficou conhecido após seu primeiro disco “Um Passo do Precipício” fazendo com que seus integrantes ganhassem destaque no cenário naciona. Fonte: Groovelho

Junto dessa nova safra de Mc’s brasileiros, mas fazendo algo completamente diferente do que já foi visto, está niLL. Natural de Jundiaí, ele introduz no rap o vapporwave, estilo musical que surgiu na internet, em suas palavras ele explica o que é o esse estilo: “ O vapporwave é um movimento que surgiu na internet e se popularizou mais no ano de 99. Eu tenho uma teoria que ele é do Japão, porque eu via muito artista de lá que puxava essa tendência, mas nunca vi nos comentários alguém falando sobre. Talvez seja um bagulho que nasceu lá, não sei, essa é a minha teoria”.

Davi Rezaque, conhecido no rap como niLL, começou sua carreira no grupo Sem Modos, após sua saída lançou seu primeiro trabalho solo, o EP Negraxa e ano passado o álbum Regina. Fonte: Reprodução

 

É bem comum do vapporwave trazer uma atmosfera mais nostálgica e calma, sempre com uma temática retrô, com as cores rosa e roxo predominando: “Ele tem a característica bem forte de uma sensação retrô, de umas paradas que já passou na sua infância, tem essa característica de nostalgia. E outro ponto bem forte que classifica o vapporwave  e lo-fi é os timbres. O conjunto de timbragem é sempre meio sem vida, sabe? A bateria meio desgastada. E as notas também misturam, uma coisa colorida com uma coisa mais sombria, então vai ser notas altas com notas baixas, tudo em sincronia.” E sobre o estilo recém introduzido no rap, niLL se mostra otimista “Tem muitas pessoas no Brasil que estavam procurando uma brecha pra poder se expressar melhor. Espero ver muita gente boa trazendo essa tendência.” Por ser algo novo, o rapper também comenta da dificuldade de adaptação à essa nova sonoridade: “É um estilo em que não é fácil a adaptação, por isso que ainda não vimos muitos Mc’s se aventurando. Mas eu falo que ele não é fácil de se adaptar pelo fato da escrita, tá ligado? Tipo, qual vai ser a lírica que você usa nele, entendeu ? Essa que é a parte foda. Pra mim ainda ta sendo um constante treino esse lance, porque não é qualquer coisa que você fala que vai casar bem com o bagulho.”

Além de rapper, niLL também trabalha como produtor, sendo ele o principal responsável pela maioria das suas melodias. Entre suas referências, ele cita desenhos e jogos: “Eu pego muito sample de desenho animado, trilha sonora de jogo acho muito massa. Aí é questão de pesquisa, você entra em uma, aí vê o cara que fez a parada e vai se aprofundando. E quando eu acho as coisas, parece que ela já tão meio que prontas, é só mexer um bagulho aqui, um bagulho ali e fica perfeito pra mim. E eu gosto bastante de anime e mangá, video-game muito, porque a sonoridade do 8-bits, do 16-bits, ta presente no meu som e vai estar mais. Na música tem vários caras, tipo Tyler, Frank Ocean, gosto muito da SZA, vários caras, John Lennon, tá ligado ?”

A consolidação do seu trabalho foi álbum Regina, primeiro lançado pelo MC. O disco saiu em 2017 e ele contou um pouco melhor sobre o seu processo de criação: “A partir de quando eu tava com a ideia na mente foi um ano até finalizar. Desde quando eu tava terminando o meu EP, Negraxa, eu já tava com esse bagulho na mente: Eu vou terminar o EP, aí eu vou fazer um álbum, então já vinha castelando isso faz tempo.” O rapper também conta como que sua saída do grupo Sem Modos, favoreceu para a criação do álbum: “Eu já queria fazer o lance do álbum, um EP antes, tá ligado? Mas é que não tinha muito tempo porque tinha que ficar dando atenção pro grupo. Aí não daria pra parar e fazer só um álbum. A depois, quando cê entra na caminhada solo, parece que cê enxerga tudo, tá ligado ? Sua música vira o que ela quiser, cê não tem que se preocupar pelo que o grupo é.”

A capa do álbum Regina é um desenho feito pela sobrinha do autor, Duda.

O nome “Regina” é uma homenagem à falecida mãe de niLL e assim como o título, todo é muito pessoal, quase como um mergulho pelos sentimentos do artistas. A mistura da vibe nostálgica do vapporwave, com o sentimento de saudade passado em algumas letras, foi um dos principais pontos do trabalho: “ A última faixa eu fiz pensando em transmitir isso, tanto que ela é meio curta, meio resumida. Mas aí as ideias que eu falei mesmo nas letra, tinha um gosto de saudade, tá ligado ? Porque, querendo ou não, era umas paradas que ficou pra trás, não foi falado, entendeu? Então com certeza teve o gole de saudade”

Em abril desse ano, o rapper lançou o clipe de Wi-Fi, single de seu álbum e segundo vídeo relacionado ao Regina. Ele foi dirigido pelo próprio niLL que também escreveu o roteiro junto com Ronald Rios (ex-CQC), sobre essa experiência, o rapper diz que tem vontade de dirigir e escrever para outros artistas e acrescenta: “ Eu acho maneiro, é mó experiência louca. É cansativo ? É mano, pra caralho, mas assim, quando você começa a ver a parada acontecer ali e você pode manipular tudo, é incrível.” O MC também diz ser muito perfeccionista com o seus trabalhos: “Eu sempre faço meus roteiros, sempre me mantenho presente nos meus trampos, porque é importante dar atenção. Eu sou muito chato nessa questão de detalhes, as vezes algum detalhe me incomoda e pra não ficar incomodado com isso é melhor eu ir lá e colocar a mão na massa.” O clipe é cheio de particularidades, niLL tentou explicar um pouco melhor algumas delas: “O lance de você tá comendo no show, no lugar de uma performance, mostra bem aquela situação de que, nos dias de hoje, o público não ta se importando com a sua música. Eles querem saber o que você tá fazendo e quais são as suas atitudes. Esse clipe tem muito disso, ele tem várias pegadinhas pra gente saber no que as pessoas estão prestando atenção, se é na música, ou se é no visual, se é na roupa de cada um. O lance dos fantasmas é tipo, como é uma música pra minha mãe e ela já morreu, nada mais justo do que representar a plateia como os fantasmas, as pessoas que já se foram. Mas eu não queria deixar um bagulho muito pesado. O Chinês (amigo de niLL) desenhou os olhos, a gente foi escolhendo o olho de cada um diferente, tem um de juliete. (risos)”

 

 

O disco completou um ano no dia 24 de Julho e foi muito bem aceito pela crítica, sendo cotado por alguns sites como um dos melhores discos de rap daquele ano, feito surpreendente, já que no mesmo ano tivemos o lançamento de álbuns de artistas que já tinham um maior reconhecimento na cena, como Djonga ou Baco. Regina é algo completamente diferente do que já havia sido feito e mesmo quem gosta de rap, pode estranhar um pouco na primeira vez que escuta, mas sensação proporcionada pelo vapporwave e pelas letras, faz você querer escutar de novo e a partir daí começar a entender melhor essa obra.  

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