Por Alessandra Ueno (aleueno@usp.br)
Genética do Comportamento. Esse tema já chama atenção pelo fato de relacionar os genes — parcelas do DNA que contém “instruções” para a produção de uma proteína que expressará alguma característica — com o comportamento, que é pensado como um fator muito social e não tão biológico.
O microcurso Genética do Comportamento, apresentado pelo professor Glauco Machado, do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências (IB) da USP, aconteceu no penúltimo dia da 26ª Semana Temática da Biologia do IB-USP. Além de elucidar temas básicos, para os que estavam presentes e não eram da área, o especialista passou por evidências e aplicações da influência dos genes nos comportamentos.
Conceitos básicos
Para compreender os exemplos apresentados, é importante conhecer os conceitos básicos da biologia que estão relacionados com a genética do comportamento.
“Será que o comportamento tem base genética? Eu não quero enganar vocês e falar que todo comportamento tem base genética, mas existem sim comportamentos que têm base genética. Parte desse fenótipo é genética.”
O genótipo é a composição genética de um indivíduo, ou seja, o conjunto de todos os genes daquele ser. Já o fenótipo pode ser definido como a interação dos genes entre si e com o ambiente, isto é, como o gene se expressa que, na maioria das vezes, resulta em evidências visíveis.
A herança monogênica ou qualitativa é quando apenas um gene com dois ou mais alelos — formas alternativas de um determinado gene e que ocupam uma mesma posição em cromossomos com genes para a mesma característica — influencia/determina o fenótipo. Isso também pode ser chamado de “fenótipo discreto”. “Um exemplo é o da pelagem dos coelhos. “Temos quatro alelos e as diferentes combinações entre eles formam as variadas cores das pelagens dos coelhos”, explica o professor.
Já a herança poligênica ou quantitativa ocorre no caso de dois ou mais genes, com dois ou mais alelos cujos efeitos se somam, influenciarem/determinarem o fenótipo, que pode ser chamado de “contínuo”. “Como exemplo temos a altura nos seres humanos, que é definida por mais de 10 mil genes”, diz Machado.
Quando o foco é na capacidade do genótipo de produzir mais de um fenótipo ao ser exposto a diferentes condições ambientais, o conceito é o de plasticidade fenotípica. “Podemos usar o Onthophagus gazella, popularmente conhecido como ‘rola-bosta’. Quando em um ambiente com maior fartura de comida, ele desenvolve uma espécie de chiA homologia corresponde às semelhanças biológicas entre organismos de espécies diferentes, mas que têm um ancestral comum”.
“Enquanto a homoplasia é o surgimento de características semelhantes entre duas ou mais espécies, que não possuem uma proximidade genética entre si. Um exemplo da primeira é a asa dos pássaros e a mão de um ser humano, a estrutura óssea é semelhante e possuem uma mesma origem embrionária. Na segunda, um exemplo são as pernas saltatoriais em cangurus e gafanhotos.fre, mas, quando num local com pouca disponibilidade de alimento, ele possui um tamanho menor e não tem chifres”, exemplifica o especialista.
Evidências
Machado explica duas linhas maiores na averiguação da genética do comportamento: a primeira são as evidências indiretas, nas quais se avalia o efeito relativo entre as duas intervenções, não com base na comparação direta delas, mas numa terceira, e as diretas, que correspondem à comparação entre as duas intervenções diretamente.
Uma das evidências indiretas colocadas pelo professor é a diferença entre populações de Agelenopsis aperta, conhecidas como aranha-funil por conta do formato da sua teia, que se encontram em diferentes ambientes.
“Tem um estudo que analisa o tempo de reação dessas aranhas para escapar dos predadores, que são pássaros na maioria das vezes. As das regiões mais secas, demoram mais em comparação com as das mais úmidas, por conta do baixo número de ameaças. Ao realizarem um transplante cruzado — simplificando, trocarem as aranhas de lugar — os pesquisadores perceberam que o tempo se manteve. Isso gerou uma evidência indireta da presença da genética no modelamento desse comportamento”, conta o professor.
A hibridização também foi citada ao destacar os periquitos, sobretudo os comercializados: uma espécie utilizava o bico para carregar o graveto e a outra, a asa. Após o cruzamento, o uso das duas formas de transporte pelo mesmo animal foi identificado.
No caso da seleção artificial — na qual haveria uma escolha não natural, diferentemente do proposto por Darwin, na seleção dos indivíduos — o especialista cita um estudo em que o critério de seleção era o tempo que ratos demoravam para percorrer um labirinto e a quantidade de erros cometidos: “A cada geração, os ratos mais rápidos e com menos erros eram colocados para se reproduzirem entre si e o mesmo ocorria do lado dos mais lentos e com mais erros. No decorrer da cadeia, constatou-se que os descendentes do primeiro grupo continuavam sendo mais rápidos e errando menos e os do segundo, mais lentos e errando mais”.
Para as evidências diretas, Machado introduz o caso das “abelhas higiênicas”: “Esse comportamento na sua forma completa é visto na minoria das Apis mellifera, já que ele é recessivo. Ele corresponde a identificação e “limpeza” do ácaro Varroa, que mata as larvas das abelhas. Elas abrem a célula e capturam o Varroa, mandando-o para fora da colmeia”.
Na sequência, ainda falando de larvas, o professor cita as da famosa “mosca-da-fruta” (Drosophila melanogaster), que podem ser divididas em andarilha e sedentária, conforme os genes que influenciam a atividade delas nesse período do desenvolvimento.
Machado ainda acrescenta exemplos sobre a monogamia e poligamia nos animais, sobretudo peixes e pássaros, o comportamento dos machos Onthophagus gazella e também a variação do estimulo nas fêmeas de grilos ao estarem sob influencia do canto de machos.
Aplicações e exemplos
“[Genes que influenciam no comportamento] São tão consistentes quanto características morfológicas e seu uso em estudos não deve ser descartada”
Para Machado, uma das aplicações possíveis do estudo da genética do comportamento é a reconstrução filogenética, ou seja, identificar relações de parentesco entre diferentes seres por meio de comportamentos relacionados aos genes. Porém, é preciso atenção: “Caracteres comportamentais são piores do que caracteres morfológicos como indicadores de parentesco filogenético? Não. Mas é preciso diversos estudos, também comparando a homologia e a homoplasia, já que muitos casos são bem subjetivos”, coloca o especialista.
A homologia corresponde às semelhanças biológicas entre organismos de espécies diferentes, mas que têm um ancestral comum. Enquanto a homoplasia é o surgimento de características semelhantes entre duas ou mais espécies, que não possuem uma proximidade genética entre si. Um exemplo da primeira é a asa dos pássaros e a mão de um ser humano, a estrutura óssea é semelhante e possuem uma mesma origem embrionária. Na segunda, um exemplo são as pernas saltatoriais em cangurus e gafanhotos.
Como último exemplo da seleção artificial e identificação de comportamentos provavelmente relacionados com os genes, estão os cachorros. “Nós fomos selecionando ao longo dos anos pelo comportamento deles: os mais dóceis. Eles não eram assim, tinham aparência de lobos”, ressalta Machado. Para demonstrar, o professor cita a pesquisa de cientistas russos que, por 60 anos, criaram raposas (Vulpes vulpes) e a reprodução delas era selecionada pelo grau e docilidade, ou seja, proximidade e vontade de interagir com os humanos.
Foram observadas mudanças anatômicas como: orelhas caídas e focinho arredondado. Após o sequenciamento genético, foi possível descobrir diferenças genéticas que podem ser responsáveis pela maior docilidade. “É possível realizar seleção artificial e influenciar caracteres morfológicos”, acrescenta Machado.
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Imagem de capa: Acervo Pessoal/ Alessandra Ueno