Este filme faz parte da 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
Em tempos difíceis, a união nacional pela cultura pode ser uma das mais valiosas formas de protesto. É nessa perspectiva que se insere a enorme repercussão da trajetória de Mohammed Assaf, jovem cantor de Gaza, Palestina. Assaf foi vencedor do programa Arab Idol em 2013 e tem agora sua história contada pelo filme O Ídolo (Ya Tayr El Tayer, 2015), uma co-produção entre Palestina, Catar, Emirados Árabes Unidos, Holanda e Reino Unido. Da infância ao ponto de virada de sua carreira, o menino passa por inúmeras adversidades para concretizar o sonho de viver de sua música. Mais do que uma tentativa de fazer com que o mundo ouça sua potente voz, seu sucesso significaria dar visibilidade internacional ao seu povo, há anos em situação de risco.
Baseado em fatos reais, mas admitindo certo teor ficcional, o filme é em grande parte construído com base na infância de Assaf ― o fio condutor de sua personalidade e suas aspirações. Um exemplo disso é a relação com a irmã Nour (Hiba Attalah), integrante da banda na qual Mohammed é vocalista e modelo de determinação. Nesse sentido, a representação da menina na trama é notável, já que ela não hesita em questionar os papéis de gênero na sociedade fortemente patriarcal em que vive.
O filme também se mostra engajado em relação à geopolítica. Isso se dá de forma sutil, ora a partir de diálogos humorísticos, que no fundo criticam a cultura eurocêntrica e a supremacia dos países de primeiro mundo, ora por meio de paisagens com as edificações cinzentas e destruídas de Gaza. Nesse ponto, a fotografia de Ehab Assal decepciona e perde a oportunidade de melhor utilizar as imagens para fortalecer essa crítica. Isso se repete quando os aspectos técnicos, de modo geral, são analisados: o longa não impressiona e até deixa a desejar em certos momentos, como na evidente montagem de Mohammed nas televisões da Palestina, durante a exibição do Arab Idol.
Por outro lado, O Ídolo é uma produção importante à medida em que dá visibilidade às dificuldades vividas por Mohammed em Gaza e na ida ao Egito enquanto refugiado. A narrativa é fluida e se assemelha à utilizada em filmes mais comerciais, o que seria um atrativo a um público mais amplo. Parte desse efeito é dado pela presença de atores bastante carismáticos, como Kais Attalah, que interpreta Mohammed na infância e emociona a sala de cinema com sua bela voz e simpatia. O filme também acerta ao mesclar imagens reais da euforia da população de Gaza perante o sucesso do cantor no programa, mostrando o real impacto da história para além da ficção.
Apesar de O Ídolo parecer um filme projetado para atingir as massas, sem grandes inovações na técnica ou na narrativa, ele acerta ao associar esse formato a abordagem de assuntos polêmicos e importantes. Além disso, a figura de Mohammed Assaf em si é bem construída e consegue transmitir seu forte vínculo com o povo da Palestina ― tanto que se tornou o primeiro embaixador da boa vontade da história da UNRWA, Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina. Assim, produções como O Ídolo se fazem essenciais em meio a ascensão do terrorismo e da intolerância no cenário mundial, principalmente por valorizarem a figura dos refugiados e serem um símbolo de esperança às nações desamparadas. Assistir ao longa é um necessário exercício de empatia.
Confira o trailer:
por Laila Mouallem
lailaelmouallem@gmail.com