Este filme faz parte da 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
Desde que Sima (Petar Korac) tem contato com o mundo ferroviário, seu maior sonho é se tornar maquinista como seu pai adotivo, Ilija (Lazar Ristovski). Este, por sua vez, não consente que seu filho siga esse caminho por saber dos sacrifícios da profissão, encaminhando-o para o setor da limpeza dos trens. A partir da insistência do primeiro, no entanto, fica claro para o espectador que ele acabará inevitavelmente como deseja. Dessa forma, é frustrante quando o conflito desenvolvido durante todo o primeiro terço de Diário de um Maquinista (Dnevnik Mašinovodje, 2016) se resolve da maneira mais preguiçosa possível.
Desiludido após o serviço do dia, Sima é abordado num momento bastante anticlimático por um personagem que até então nunca havia sido sequer mencionado no filme, mas que promete ensiná-lo a conduzir. Já na cabine de comando, após algumas vagas indicações, o homem avisa que irá dormir, deixando-o sozinho. Desesperado, Sima liga para o pai, que após se certificar de que tudo está certo, repreende o garoto fortemente, até mesmo com violência física. Sem dar tempo para digerirmos o ocorrido, o exato corte seguinte já nos mostrará Ilija treinando o filho.
De fato, sua atitude não é impensável, afinal, se ele quisesse aprender o ofício, que pelo menos fosse com o próprio pai. O problema é que a mudança de comportamento das personagens é apresentada de forma tão apressada que os desdobramentos parecem ser tratados como esperados, quando eles na verdade são de extrema importância para o amadurecimento do protagonista. Além disso, surgir do nada com personagens ou situações que resolvam o conflito que se punha não só soa forçado, como denota uma fragilidade do roteiro em desenvolver os elementos com que já trabalhava. Infelizmente, essa não será uma falha pontual, mostrando-se bastante problemática principalmente com relação à composição de seu universo de personagens.
Quanto aos protagonistas, a relação é suficientemente convincente para que o arco dos dois seja envolvente. Logo no começo da trama, Ilija afirma que todo maquinista matará não intencionalmente cerca de 20 pessoas durante sua vida profissional. O contato dos dois se dará justamente da quebra dessas estatísticas, quando, para salvar o órfão suicida parado nos trilhos, Ilija se antecipa e freia a tempo. Assim, do senhor rabugento e do jovem esperançoso desenvolve-se então a dedicação quase que integral de um pelo outro que moverá a narrativa. Por outro lado, a grande maioria das personagens periféricas a essa relação acaba falhando em entregar a carga psicológica que os realizadores pareciam querer.
Desse modo, temos um antigo amor já falecido com que Ilija delira, um interesse amoroso de Sima extremamente forçado e uma amiga de Ilija que funciona basicamente como a voz da razão do filme. A única explicação para a presença da primeira seria a de mostrar que o senhor sofre intimamente, por mais durão que seja, dando assim uma camada a mais à sua personagem – o que falha. Contratada para desvirginar Sima antes de seu primeiro dia como maquinista, a segunda é ainda romantizada por uma música de fundo de amor, para depois sumir por grande parte da obra e apenas reaparecer como sua companheira no típico final forçadamente feliz – o que, bem, falha novamente. A última é para quem Ilija joga todos os dilemas que acabamos de presenciar anteriormente e que geralmente o aconselha exatamente com o que o personagem da outra cena havia requerido. Com isso, a repetição da mesma informação sempre duas vezes acaba cansando o espectador – o que, adivinhem, falha mais uma vez!
Por mais engraçadinhas e leves que sejam algumas cenas, o filme é apenas fácil. Nunca se vê um esforço de tentar reinventar o esperado. Tudo é sempre romantizado, o que, por consequência, torna a sucessão das cenas bastante artificial. Diário de um Maquinista – que ainda guarda dois momentos horríveis de câmera lenta, tanto pela sua gratuidade, quanto pelas leves travadinhas na transição de quadros – é maçante em seu desenvolvimento e ainda mais irritante com seu final extremamente conciliador e happy ending. Bom, já não é mais nenhuma novidade que…
“Querido diário, hoje falhei miseravelmente.” Assinado, o maquinista dessa obra.
Confira o trailer, com legendas em inglês:
por Natan Novelli Tu
natunovelli@gmail.com