Jornalismo Júnior

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Por que amamos odiar assassinos?

Como a imprevisibilidade de assassinatos em série e em massa estancam o imaginário popular

Mesmo sendo uma parcela mínima do total de crimes cometidos (em 2010, nos EUA, foram mortas 12.996 pessoas, sendo aproximadamente 100 vítimas de serial killers), assassinatos em série ou em massa tendem a ficar em destaque entre o imaginário popular. Na prática e nas estatísticas, o tráfico de pessoas ou de drogas, o latrocínio, e outras tipificações de crimes são mais comuns, perigosos e danosos à sociedade. Porém, normalmente, os serial killers e os assassinos em massa, como Charles Manson, Elliot Rodger e o Maníaco do Parque, são os que mais despertam atenção, medo, curiosidade e em alguns casos até admiração.

A jornalista Jaqueline Guerreiro tem uma série de vídeos no Youtube sobre crimes famosos e misteriosos como os de Ted Bundy, Charles Manson e outros. Ela explica que se interessa por esses casos exatamente por não terem solução, o que a deixa intrigada. “Quero saber todas as teorias, tudo que aconteceu e tirar minhas próprias conclusões. Não sei, por algum motivo é muito interessante pra mim, e aparentemente para muita gente. Depois que criei o Quinta Misteriosa vi como muitas pessoas também gostam.”

Mas qual o motivo disso acontecer? Segundo a psicanalista e colunista do Folha de Niterói, Andrea Ladislau, isso tem a ver com questões internas reprimidas pelas pessoas e o mistério que envolve a motivação esses indivíduos. “Esses personagens criminosos atraem muito o interesse do público. A curiosidade tem a ver com o crime que está dentro das pessoas, as questões instintivas que existem em todos nós.” Ela complementa: “A maioria controla, não se deixa levar. O criminoso faz o que quer e dá uma certa inveja, digamos assim. Ficamos curiosos com o que leva um sujeito a conseguir transgredir regras.” Ao atrair a atenção, esses transgressores de regras acabam por receber, em grande maioria, repulsa e desprezo, porém também ganham defensores, admiradores e fãs, que relativizam, justificam ou até negam as atrocidades por eles cometidas. Mas esses simpatizantes agem assim por motivos diversos que variam em cada caso, e por isso é importante diferenciar um assassino em série e em massa.

O que é um serial killer?

A definição mais aceita é de que são indivíduos que cometem assassinatos com um determinado padrão de conduta: normalmente com vítimas, de um certo tipo físico semelhante e com um intervalo de tempo que pode ser de dias, meses ou até anos. Andrea Ladislau afirma que “é um criminoso que possui características próprias em suas ações por apresentar sempre um padrão, um modo específico e pessoal em seus ataques, além de fazer questão de deixar uma marca que o caracterize”. Ainda possuem um desvio de caráter e não demonstram empatia, conseguindo expressar sentimentos apenas quando são afetados. Geralmente a dor do próximo é ignorada. “O serial killer tem o impulso e sente prazer em matar várias vezes, e quando julgados não assimilam a gravidade do crime ou mesmo a punição recebida”, completa Andrea.

São também, em grande parte, pessoas manipuladoras, que usam da mentira e dissimulação constantemente. Por isso escapam de serem descobertos por tanto tempo. Sabem o que as pessoas esperam ouvir pois tem discernimento e noção dos seus atos. Sempre fogem da responsabilidade, culpando outros em relação aos crimes que cometeram.

Há estudos recentes que tipificam assassinos em série em dois grupos: organizados e desorganizados. É o que relata a psicanalista e advogada criminalista Dercirier Freire. Os organizados seriam aqueles mais próximos do estereótipo do serial killer: um indivíduo frio, calculista, que planeja seus crimes e por isso deixa pouco vestígios, sendo difícil de capturar e cometendo vários crimes sem ser pego; este não tem comportamento que seria considerado de “louco”, pois têm noção exata de seus atos. Já os desorganizados seriam aqueles que agem com mais impulsão, sem planejamento, mas sentindo o mesmo prazer de matar que os organizados, estes costumam ser pegos mais facilmente. É fato também que a grande maioria dos serial killers não possuem nenhuma doença mental, não sendo considerados loucos ou incapazes. O que se sabe é que possuem transtornos de personalidade, mas isso não os torna menos conscientes do que fazem.

Também há divergências em relação à características atribuídas a este grupo, como afirmar que a psicopatia é presente em parte de serial killers. Segundo Dercirier Freire, em alguns estudos e pesquisas mais recentes, a psicopatia não é um conceito mais levado em conta. Trabalha-se mais com uma ideia de que as pessoas ditas normais estariam no grupo das neuróticas, que possuem limites e barreiras morais que as impedem de cometer assassinatos aleatoriamente. E o grupo dos psicóticos, onde se encaixaria os assassinos em série, com curvas de caráter que fazem impor suas vontades e desejos acima de valores éticos. E mesmo entre quem trabalha com a ideia de psicopatia, é consenso que nem todo serial killer é psicopata e vice-versa, como fala Andrea Ladislau: “A crença de que os assassinos em série são sempre psicopatas é muito comum, contudo, muitas vezes podem ser indivíduos psicóticos (sujeitos que sofrem psicoses). Portanto, ser um psicopata nem sempre implica ser um assassino em série.”

Ted Bundy é um dos principais exemplos de serial killer organizado. Assassino confesso de 35 jovens mulheres, era um estudante de direito respeitado entre quem o conhecia, charmoso e comunicativo. Era o chamado “cidadão comum”. Sua prisão foi de tamanho espanto que causou manifestações de pessoas conhecidas dele que simplesmente não acreditavam nas acusações. Em uma de suas demonstrações narcisistas, decidiu que provaria ele mesmo sua inocência, boicotando sua equipe de advogados. Contudo, é fato que Ted matou e estuprou dezenas de mulheres. Mesmo com provas quase inquestionáveis, sempre reafirmou sua inocência, até que semanas antes de ser executado na cadeira elétrica, assumiu seus crimes numa tentativa de adiar sua sentença. Sem sucesso, foi executado em 1989 aos 42 anos.

Na entrevista abaixo, é possível analisar o assassino em série mostrando toda sua dissimulação, autoconfiança e manipulação típicas de muitos serial killers:

O que são os assassinos em massa?

Diferente dos psicopatas, matam muitas pessoas aleatoriamente e em um mesmo evento. Agem em locais com grande concentração de pessoas. “São motivados, normalmente, por sentimentos de injustiça ou rejeições imaginárias. Possuem uma visão paranóica de mundo, acrescida por raiva, rancor, inveja e perseguição social”, completa Andrea Ladislau.

Os assassinatos em massa são um fenômeno recente, principalmente no Brasil, e podem estar relacionados com convicções religiosas, morais ou simplesmente surtos psicóticos de indivíduos perturbados mentalmente. Alguns dos casos mais famosos e lembrados são os de atiradores que entram em escolas e matam crianças e adolescentes inocentes a sangue frio, aleatoriamente.

Os autores desses atentados costumam ser rapazes introvertidos que possuem dificuldades para interagir socialmente – principalmente com meninas -, e culpam a sociedade por seus problemas pessoais. Fóruns online, por exemplo, surgem como um refúgio onde podem desabafar e ouvir relatos de outros meninos que vivenciam e têm visões parecidas da realidade. Muitas vezes, esses “excluídos socialmente” vêem nesses atentados a chance de serem finalmente notados além de uma vingança pessoal, como diz a psicanalista Dercirier Freire: “São sujeitos delirantes, que enxergam esses assassinatos como uma espécie de reconhecimento social.”

Um dos primeiros casos e mais marcantes foi o “Massacre de Columbine”. Eric Harris e Dylan Klebold, na data de 20 de abril de 1999, entraram em sua escola armados de espingardas, carabinas, quatro facas e dezenas de explosivos. Após matarem 12 alunos e um professor, se suicidaram. O atentado, que envolvia explosões longe do local alvo para despistar polícia e bombeiros, foi planejado por muito tempo e seria motivado pelo fato da dupla se sentir deslocada socialmente. Esse caso se tornou marcante, e sempre que um atentado do tipo acontece de novo, o nome deles é relembrado.

“Uma coisa importante de se pensar é que conforme vai desaparecendo essa ideia de serial killers no EUA vai aparecendo esses caras que entram numa escola, por exemplo, e assassinam em massa um grupo grande de pessoas de uma vez só”, afirma Camila Vedovello, socióloga estudiosa de chacinas e da violência no Brasil. Esses tiroteios comuns nos Estados Unidos (com dezenas de casos só em 2019), são um fenômeno recente aqui. “É um tipo de ação que aconteceu pouco no Brasil, então não temos muita base de estudo ainda sobre o tema aqui”.

Nos últimos anos, foram seis atentados nacionais de grande importância. Destes, destacam-se: o “Massacre de Realengo”, que deixou 12 crianças mortas, e o “Massacre de Suzano”, com 8 vítimas fatais. Sabe-se que em ambos os casos, os atiradores se diziam injustiçados pela sociedade e viam os atentados como uma resposta à tudo que teriam sofrido.

O tiroteio na escola Raul Brasil de Suzano foi realizado por Guilherme Taucci, 17 anos, e Luiz de Castro, 25 anos. Alguns minutos antes do ataque, os dois mataram o tio de Guilherme. Em seguida entraram na escola onde estudaram e mataram cinco alunos e duas funcionárias. No final, Guilherme se suicidou após matar Luiz. O ataque foi planejado por mais de um ano e tinha um objetivo ainda mais cruel, o de estuprar meninas na frente de seus namorados e logo depois matá-las.

No atentado de Realengo, Wellington Menezes de Oliveira, 23 anos, era ex aluno da escola Tasso da Silveira, onde entrou armado e matou 12 crianças, sendo apenas um menino. Segundo relatos de sobreviventes, isso não foi coincidência. Wellington mirava em braços e pernas ao atirar nos meninos. E quando o alvo era meninas, sua mira se virava para partes vitais.

Na imagem, da esquerda para direita, Wellington Menezes, Guilherme Taucci e Luiz Castro [Imagem: Reprodução/Veja SP]

Monstros… ou heróis?

Está no senso comum chamar assassinos que matam inocentes de monstros, maníacos e perversos. Porém, há quem diga que esses homens são na realidade injustiçados, incompreendidos e até inocentes. Pessoas de fato admiram alguns desses personagens e até mesmo alguns de seus atos. É importante, porém, destacar as diferenças entre esses admiradores.

Há relatos de mulheres que se dizem apaixonadas por serial killers, mesmo que tenham o feminicídio ou estupro como padrão de conduta. Esse é o caso do Maníaco do Parque, Francisco de Assis Pereira que, após matar 11 mulheres e estuprar outras 9, recebeu quase mil cartas na prisão enviadas supostamente por mulheres que se diziam encantadas com sua história. Uma delas até se casou com ele em 2002.

Outro caso semelhante foi de Charles Manson, líder de uma seita nos Estados Unidos que pregava “uma inevitável guerra de raças” e outras alucinações coletivas. Charles, com sua lábia, conseguiu agregar membros para o grupo (em especial jovens), formando a “Família Manson”. Em agosto de 1969, integrantes da Família cometeram, a mando de Charles, uma série de assassinatos que chocaram os EUA, com destaque para a morte da atriz Sharon Tate. No fim, Charles e alguns dos membros da Família foram presos. Mesmo na prisão, Manson continuou sendo idolatrado por muitas pessoas que, após a repercussão de seus crimes, passaram a conhecer sua história e admirá-lo. Ele inclusive – em caso parecido com do Maníaco do Parque – marcou um casamento na prisão em 2014. Porém, no final, Charles desistiu de se casar.

Charles Manson (hoje morto) ao lado de sua ex ‘noiva’, Afton Elaine Burton. Na época, com 80 anos e 26, respectivamente [Imagem: Reprodução G1]
Essa condição que mulheres possuem de se sentir atraídas por criminosos é chamada de Hibristofilia, e as explicações são variadas, dependendo de caso para caso. Segundo a psicanalista Andrea Ladislau, na maioria dos casos, essas mulheres são abaladas emocionalmente e acreditam que podem mudar ou controlar esses homens: “elas sofrem de uma cegueira emocional, possuem autoestima baixa e um grande desejo de modificar estes criminosos. Acreditam de verdade que podem salvar estes homens. E mais que isso, também têm plena certeza de que com elas nada irá acontecer.”

Outro caso clássico de defensores de serial killer é dele novamente, Ted Bundy, assassino confesso de 35 garotas. Reconhecido por ser um homem bonito e que fala bem, Ted conseguiu apoio de mulheres que duvidavam da veracidade das acusações contra ele ou apenas não se importavam com seus crimes. Nesta matéria, feita enquanto era julgado, jovens fazem comentários a respeito dele. Uma delas afirma que “está muita fascinada” por ele, enquanto outra diz que “ele não parece ser o tipo que mataria alguém”. Mais tarde, ele também se envolveu com uma dessas fãs, enquanto preso, e acabou engravidando-a. Alguns anos mais tarde, ela decidiu cortar relações com o ex estudante de direito.

Mas elogios para Ted Bundy não ficaram nos anos 1970 e 1980. Após lançado um documentário sobre a história do serial killer pela Netflix, e a divulgação do trailer de um filme estrelado pelo galã Zac Efron, alguns comentários impressionados com sua beleza e charme apareceram e reacenderam a discussão do quanto a mídia pode, intencionalmente ou não, banalizar os atos de assassinos em série. Para a Andrea Ladislau, a mídia distorce o conceito destes personagens criminosos. Isso prejudicaria a identificação e o cuidado que devemos ter na classificação de seus perfis. “Estes criminosos não estão acima do bem e do mal e também não são heróis, mas a forma como a mídia os apresenta – com requintes de sensacionalismo, riqueza de detalhes, sem o cuidado com a análise psicológica deste indivíduo e demonstrando uma violência desumana – pode reproduzir mais violência.”

A socióloga Camila Vedovello pensa um pouco diferente: “Pode influenciar, mas aí o jornalismo não vai abordar esses temas? A literatura, a ficção, o cinema não vai abordar esses temas? Eu penso que outros elementos também podem influenciar, a mídia é apenas um deles. É um problema transformar um elemento no fator em potencial.” Nesse sentido, a youtuber Jaqueline Guerreiro segue uma linha de pensamento parecida e acredita que não ajuda na proliferação de fãs de assassinos. “Não é um vídeo meu que vai fazer a pessoa virar fã ou apoiar criminoso, ela provavelmente já fazia isso. Pelo contrário, meus vídeos ajudam a conscientizar as pessoas que serial killer não é pra se exaltar.”

Nas últimas décadas, serial killers foram, alguns dos principais personagens de filmes e séries. Exemplos como Dexter e Hannibal Lecter, além de outros filmes com personagens baseados em fatos reais, representam o culto à violência que serial killers fazem e isto pode banalizar seus atos. É preciso tomar cuidado para não se romantizar assassinos em série e passar, de forma intencional ou não, uma concepção equivocada. “Ao serem demonstrados de forma carismática na mídia, o público pode ter reações de admiração e idolatria. O serial killer pode aflorar o mais desprezível dos sentidos, atiçando o desejo de imitações. Já temos casos de assassinos se inspiraram em algum grande serial killer”, afirma Andrea Ladislau. Temos como exemplo, um jovem de 17 anos, Jake Evans que confessou ter se inspirado no filme “Halloween” (que aborda uma série de assassinatos a sangue frio) para matar sua mãe e irmã.

O personagem serial killer, Dexter Morgan, do seriado “Dexter” [Imagem: Divulgação “Dexter”]

Celibatos Involuntários: garotos que odeiam em massa

Esses jovens são chamados de incels (diminutivo da expressão em inglês involuntary celibates ou celibatário involuntário), homens com pouca habilidade de interação social e que não conseguem ter relação sexual com mulheres. Eles responsabilizam esse fato à todas elas, atacando principalmente as feministas. Acreditam ser injustiçados, se sentem deslocados socialmente e acham que a nova tendência de estrutura social é a culpada pelos seus fracassos pessoais. Assim, atacam novos valores estabelecidos na modernidade, como o feminismo, anti racismo e a multipluralidade étnica, e exaltando antigos valores que baseiam uma estrutura conservadora.

Para entender melhor a cabeça desses incels, pode-se começar compreendendo um dos assassinos que eles consideram herói: Elliot Rodgers, jovem de 22 anos de boa condição financeira. Em 2014, ele cometeu atentados em vários locais da Califórnia num único dia. O desfecho foram 7 pessoas mortas, incluindo ele próprio. O jovem que gravava vídeos sobre ser virgem, ser rejeitado pelas mulheres e como as desprezava é um caso que exemplifica bem o que são os incels. No vídeo abaixo, Elliot relata não entender como não consegue ter sucesso com garotas:

https://youtu.be/h2DQ9WlcdBY?t=41

“Não sei porque vocês garotas são tão repulsivas a mim.”

“Eu me visto bem, sou sofisticado e magnífico.”

“Eu mereço garotas muito mais do que aqueles idiotas da minha faculdade.”

Tais falas de Elliot demonstram como, para ele, suas frustrações são de culpa exclusiva dos outros, das garotas que não lhe dão chance e dos garotos com a vida sexual que almeja.

E é na internet que esses incels se organizam e conseguem alguma interação social mínima, onde percebem que não estão sozinhos com suas convicções. É onde planejam atentados e chacinas, a maioria ficando apenas na ameaça, mas alguns indo para a prática. O autor do massacre de Realengo em 2011, Wellington, participava de um desses grupos: o “Hominis Sanctus” – modo como incels se autodenominam – que anos mais tarde se transformou no Dogolachan, um fórum criado exclusivamente para que homens destilem seu ódio contra negros, LGBTQs, “esquerdistas”, mas, principalmente mulheres. Já se sabe também que o massacre em Suzano foi planejado e orquestrado no Dogolachan. Posteriormente ao ataque, comemorações foram vistas no fórum.

Guilherme Taucci, um dos autores dos massacre de Suzano em um post no Dogolachan nas vésperas do ataque [Imagem: Reprodução/Vice]
Como afirma a socióloga Camila Vedovello, esses incels estão relacionados também com o conceito da masculinidade tóxica: “eles atribuem ao feminismo e à mulher, e ao papel da mulher na sociedade, os males individuais deles.” Essa ideia envolve o fato de rapazes, desde cedo, serem estimulados pela mídia (como filmes, séries e jogos) e sociedade a impor o que querem, inclusive no domínio de mulheres. Porém, quando se deparam com o novo quadro da realidade que cada vez mais se distancia dessa expectativa, é como se alguém estivesse tirando algo que é deles. O repulso por minorias e políticas de inclusão social vêm da ameaça que sentem. Assim, quando vêem um semelhante ou um “confrade” – como eles se chamam – eliminando “rivais” a seu lugar de direito, eles vibram e exaltam o atirador como um mártir.

Usuário do fórum Dogolachan exaltando e tratando Guilherme de forma heróica [Imagem: Reprodução/O Globo]
No print abaixo, retirado do fórum Dogolachan, é possível ver o refrão da música da banda “Foster The People” sendo usado um dia antes do atentado de Suzano. Não se sabe a autoria da publicação. Os incels costumam usar trechos da música nas vésperas de seus atentados ou mesmo para comemorar quando são bem sucedidos.

Print de usuários do fórum usando refrão da canção para comemorar o “Massacre de Suzano” [Imagem: Reprodução/ Vice]
“Pumped up Kicks” foi lançada em 2010 e fala sobre um menino que entra em uma escola armado com o revólver de seu pai. Ele avisa: “Todas as outras crianças com tênis bonitos. É melhor vocês correrem, melhor correrem mais rápido que minha arma”. Num exemplo típico de extermínio em massa. A música foi escrita pelo vocalista da banda, Mark Foster, que visava alertar sobre o aumento de doenças mentais entre adolescentes. No entanto, seu objetivo foi deturpado e a canção acabou se tornando um hino de apoiadores de massacres do tipo.

Muitas vezes nem é preciso ir tão longe, em fóruns secretos de incels, para se ver comentários de pessoas diminuindo a dor das vítimas desses massacres e elogiando seus assassinos. No YouTube, em vídeos sobre Elliot Rodger e de Wellington Menezes, não é difícil achar comentários em tom positivo:

Alguns comentários elogiosos aos assassinos em massa acima citados [Imagem: Reprodução/ comentários no YouTube]
Essa questão também chega na cobertura jornalística. Programas policiais costumam fazer um espetáculo com casos chocantes, colocando o nome de assassinos em destaque e contribuindo com o objetivo dos atiradores de conseguir algum reconhecimento social e se tornar mártir. “Essa cobertura coloca esses incels, por exemplo, com o mérito e fama que buscam”, aponta Camila Vedovello.

Andrea Ladislau está escrevendo um livro sobre a banalização da violência, com lançamento previsto para o segundo semestre deste ano. A obra aborda como a mídia atual demonstra a violência praticada por todo tipo de indivíduo e sua influência no comportamento de jovens e crianças. “Os veículos de comunicação podem contribuir para aumentar a sensação de insegurança vivida. A mídia, repetindo exaustivamente relatos dos dramas familiares e cenas de barbárie, cria um efeito de comoção que não sabemos se é natural ou artificial.”

A grande maioria de serial killers e a quase totalidade dos assassinos em massa são homens. As mulheres geralmente aparecem somente como vítimas desses crimes. A youtuber Jaqueline Guerreiro grava vídeos sobre feminicídios, e relata que sente dificuldade em abordar crimes desse tipo. “É inevitável não se colocar no lugar da vítima sendo mulher. Meia hora depois que eu termino a gravação, fico extremamente exausta e meu dia acabou ali. Mentalmente mesmo. Fico esgotada. Mas eu acho importante falar sobre eles, por mais difícil que seja.”

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