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‘Abismo Tropical’ chega ao streaming e acorda fantasmas da eleição passada

Enquanto escrevo esse texto, a internet está em polvorosa graças ao aguardo mais que longo pelos resultados exatos da eleição estadunidense. Dois anos atrás, no entanto, o futuro próximo parecia muito mais tragicamente certo. Em 28 de outubro de 2018, ocorriam as eleições presidenciais no Brasil, e, enquanto muitos celebravam com os dedos indicadores e …

‘Abismo Tropical’ chega ao streaming e acorda fantasmas da eleição passada Leia mais »

Enquanto escrevo esse texto, a internet está em polvorosa graças ao aguardo mais que longo pelos resultados exatos da eleição estadunidense. Dois anos atrás, no entanto, o futuro próximo parecia muito mais tragicamente certo. Em 28 de outubro de 2018, ocorriam as eleições presidenciais no Brasil, e, enquanto muitos celebravam com os dedos indicadores e polegares atirando aos céus, muitos outros se encolhiam pelo desfalque imediato e brutal ao respeito à democracia. 

Naquela data, como em todas grandes datas, muitos se juntaram na avenida mais sincrética do país: a Paulista. Dentre as mais diversas pessoas que perambulavam casualmente e as que se uniam por medo ou por comemoração macabra, estava o diretor Paulo Caldas, coletando as imagens do que seria seu documentário, Abismo Tropical (2019).

O filme, que chegou a percorrer por festivais latino-americanos (inclusive a Mostra Internacional de Cinema de SP em 2019), acabou seguindo o caminho do streaming, dadas as circunstâncias. A estreia na plataforma Innsaei.TV, no dia 05 de novembro, contou com transmissão especial de debate entre Paulo e Kleber Mendonça Filho (Bacurau), mediado por Laís Vieira.

 

Um dos nacionalistas (com máscaras tenebrosas de Donald Trump) representados em Abismo Tropical. [Imagem: Divulgação]
Um dos nacionalistas (com máscaras tenebrosas) representados no longa. [Imagem: Divulgação/LIRA FILMES]

A conversa, sem muita estrutura pré-definida, foi um bate-papo leve sobre temas duros. Como a própria lembrança do momento decisivo central ao longa, os ataques incisivos do governo Bolsonaro ao cinema nacional e a ameaça que a cadeia produtiva do cinema sofre atualmente. 

Segundo Paulo, o filme representa a angústia de muitos aos quais o inegável e catastrófico se anunciava, como que em um filme de terror. Para ele, a Avenida tornou-se o espaço ideal por nela localizarem-se o poder econômico, o cultural e a tradição da aglomeração política. 

Já relíquia de um tempo próximo, mas tão diferente, é uma obra que Kleber aponta como parceira do tempo, que só acrescenta camadas à experiência de assistir-lhe. As camadas, porém, não são tão claras. Ambos os cineastas, em busca de palavras para descrever Abismo Tropical, encontram apoio em tipos de texto, como “crônica, ou “ensaio”, mas nada demarcado.

Sem delongas, trata-se de uma coletânea de gravações do fatídico dia, acompanhadas por orquestração atmosférica e perturbadora e pela narração do diretor ao longo de 71 minutos. Por conta disso, é muito distante do que se enxerga como um documentário costumeiro, e claramente não busca pela transparência da realidade, mas pela interpretação poética de uma. 

As imagens em preto e branco — escolha explicada no próprio roteiro como referente à polarização — compõem uma observação suspensa, fria e analítica das pessoas que enxerga, as quais têm suas vozes citadas pelo criador, mas não registradas. 

Paulo não tem intenção de documentar por qualquer viés jornalístico, mas expressar seu descontentamento como autoproclamado homem branco em descoberta da manutenção da tradição de violência no Brasil, coisa que, como muitos, achava estar no passado. O cenário urbano, então, se torna uma janela voyeurística pela qual, a partir do privilégio social e de narrador, encara tanto os que já haviam sido forçados à consciência quanto os agentes do status quo. 

Dois anos após o ocorrido, no entanto, o longa não parece engrandecido, mas deslocado. Em sua grande maioria, consta de questões já discutidas constantemente pelo povo brasileiro, e não há nenhuma indicação de posicionamento único e urgente. 

Com as enormes tragédias que sucederam o evento, o documentário parece uma visão até mesmo saudosista e pessoal demais, que encara a eleição como marco zero da opressão sistêmica no Brasil, e trata aquela meia-noite como ponto de uma simetria paradoxal entre absoluta clareza e escuridão, coisa que, como já dito, o diretor responsabiliza por sua posição privilegiada. 

 

Apoiador de Jair Bolsonaro celebra no dia com máscara do Presidente e fazendo sinal de arminha na mão. [Imagem: Reprodução/YouTube/LIRA FILMES]
Apoiador de Bolsonaro celebra no dia [Imagem: Reprodução/YouTube/LIRA FILMES]

O que o filme falha em fazer é estabelecer um motivo convincente para ouvir a perspectiva  e os floreios poéticos de Paulo. Pasmo, Paulo pergunta “e se roubarem minha voz?”, e — especialmente agora, que tantas seguiram sendo não só roubadas, como mortas — a entrega genérica não causa inspiração.

Talvez a melhor coisa que traga daquele tempo seja um senso esperançoso e o ímpeto de mudança. Além disso, as filmagens dos arredores urbanos ressignificam-se no contexto da pandemia e se tornam nostálgicos registros da expressão pública. Ao relembrar a produção, Paulo a caracteriza como algo humano em contraposição à política animalesca, e, de fato, sua cápsula do tempo é feita de vitalidade e comunhão que hoje repercutem de maneira única. 

Para o cineasta, aliás, “o momento mais especial do cinema é a exibição”, e isso não poderia ser mais claro. Abismo Tropical é feito para o público, um certeiro pontapé de debates, aos quais Paulo parecia não só confortável como desejoso na conversa de quinta-feira. Visto em uma sala de casa, é uma tentativa de sintetização unidimensional demais para um momento tão repleto de multiplicidades.

O longa já está disponível para aluguel na Innsaei.TV. Confira o trailer:

https://www.youtube.com/watch?v=qe-Sdlfg6Q0

*Imagem de Capa: Reprodução/YouTube/LIRA FILMES

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