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Beijar, verbo transitivo

Para cada pessoa e em cada contexto, beijar representa algo diferente, com inúmeros significados e sentidos

A partir do momento que a pessoa invade seu espaço ela tem intimidade. Eu acho que pode ser puramente físico e também uma demonstração de carinho, tudo depende do contexto e de quem é a pessoa. Achava que era necessariamente uma demonstração de amor de pessoas apaixonadas e muito íntimas.

Beijar. Verbo transitivo direto. Um encostar de lábios com tempo indefinido e significado absolutamente indeterminado. O beijo é um elemento antigo na história da humanidade, mas indecifrável em palavras. É um ato poderoso. Também é um tema extremamente comum em produções culturais e presente no nosso cotidiano. O beijo faz parte da vivência humana, seja ele num contexto romântico/sexual ou não, como numa relação entre mãe e filho. De toda forma, seu significado é extremamente fluido e mutável de acordo com a pessoa, intenção e situação social.

Beija eu, me beija; deixa o que seja ser (Marisa Monte)

Lembro muito de um dia, eu devia ter uns 5 anos, em que estava assistindo a uma novela infantil com a minha irmã. Enfim chegou a cena em que o casal principal se beijava e, na ocasião, houve uma preocupação imediata em tapar os meus olhos, porque eu não deveria ver tal cena. Até hoje, não sei se foi mera brincadeira, fruto do sentimento de superioridade de outra criança mais velha ou talvez tenha sido sério. Afinal, eu evidentemente não lembro da cena para, hoje, olhar para trás e julgar se seria ou não apropriada. Na dúvida, prefiro acreditar em quem cuidava de mim.

O que sei, e que me lembro com propriedade, é de ter, por muito tempo, quando criança, essa visão do beijo como algo proibido. Acho que é natural, especialmente para crianças do gênero feminino. O beijo, de alguma forma, faz parte do universo adulto, está fora do seu alcance até que… não esteja. Conforme você cresce, começa a se tornar uma possibilidade e, enfim, uma realidade. E, geralmente, ela não corresponde às expectativas.

Primeiro beijo retratado em filme "Meu Primeiro Amor" (1991)
Primeiro beijo retratado no filme “Meu Primeiro Amor” (1991) [Imagem: Reprodução]
Luana*, 22, conta um pouco sobre como a sua percepção mudou ao longo do tempo: “Meu primeiro beijo foi há 10 anos e, naquela época, eu sentia que precisava disso para pertencer ao grupo, já que minhas amigas beijaram antes de mim. Sinto que hoje sou mais madura e segura para fazer só o que eu acho certo, mesmo que isso signifique ‘ser diferente’.” Esse processo do primeiro beijo é marcante para muitas pessoas, justamente por envolver também a pressão social, muitas vezes. Isso pode acabar adiantando a experiência para alguns ou fazendo com que ela não seja a melhor possível. É natural que isso aconteça, mas, geralmente, com a maturidade vem também a percepção de que cada um tem o seu tempo e essa é uma questão bastante particular. Para Luana, a realidade socioeconômica também pode interferir no processo: “Na época do meu primeiro beijo, eu estudava na periferia e me sentia “atrasada” em relação aos meus amigos. Com 15 anos mudei para uma escola de classe mais alta e lá havia muitas meninas que ainda não tinham beijado”.

Marcos*, 23, também comenta sobre a pressão que sentiu nesse período: “Quando eu era mais novo, meus amigos me ‘forçavam’ a beijar alguém, pois isso era um sinal de masculinidade/virilidade; eu beijava, portanto, não por prazer — na verdade até achava meio nojento —, mas para cumprir um protocolo dos homenzinhos machinhos do meu grupo”. Com o tempo, porém, a sua relação com isso mudou. “O ato de beijar foi ressignificado para algo que faço não porque eu devo, mas porque eu tenho vontade. Quando tive minha primeira namorada, o beijo, para além de uma vontade apenas, passou a ser também uma forma de demonstrar carinho e atenção”, diz.

Jack e Rosie se beijam em "Titanic" (1997)
Jack e Rosie se beijam em “Titanic” (1997) [Imagem: Reprodução]
É natural, também, que a nossa percepção sobre o beijo mude ao longo do tempo, assim como a nossa relação com ele. “Durante meu crescimento eu possuía uma concepção muito romantizada, que só beijaria a pessoa que me casaria e tal, porque seria o único com quem meu beijo ‘encaixaria’”, conta Taís*, 21. “Hoje vejo que não é bem assim, gosto de beijar pessoas e consigo lidar com o fato de beijar ser uma coisa física e que também, em algumas situações, denota carinho por alguém”, completa. Ela explica que, como os pais são bastante religiosos, sempre teve a concepção de que beijar mais de uma pessoa numa noite seria algo errado, mas, à medida que foi criando concepções próprias, passou a lidar com o assunto de uma maneira mais livre.

Felipe*, 17, também relata sobre a mudança da sua percepção sobre isso ao longo do tempo: “Já fui muito inseguro quanto à qualquer tipo de relação física, até muito recentemente. O beijo pra mim significava me expor a alguém e me abrir para possibilidade de rejeição ou frustração. Até mesmo com meu primeiro namorado evitava o beijo”. Ele conta que, com o tempo, tornou-se mais seguro sobre o contato físico e sobre si mesmo, o que teve um impacto na sua relação com o beijo. “O ato de beijar só se tornou uma possível ação, algo que pra mim poderia ser simplesmente divertido”, explica.

Cena de "A Dama e o Vagabundo" (1955)
Cena de “A Dama e o Vagabundo” (1955) [Imagem: Reprodução]

Tem beijo que fica na gente, tem beijo que é só temporário (Nina Fernandes)

Me peguei pensando sobre isso, esses dias. O tamanho que tem um beijo, o quanto a gente o diminui conforme crescemos e a sociedade muda. Concluí, então, que o beijo é, por si só, um ato essencialmente particular. Para alguns, apenas um número a mais numa noite de festa, para outros, alguns segundos ou minutos que podem literalmente mudar a sua vida. Às vezes, as duas coisas para uma mesma pessoa. É impossível achar duas pessoas que tenham exatamente a mesma percepção e experiência com beijos.

A jornalista Ariane Petry da Silva produziu um documentário sobre casais que não se beijam até o dia do casamento, em geral por uma escolha religiosa. O documentário foi o seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) no Centro Universitário de Brasília (Uniceub). Nele, ela explora a realidade de casais que escolhem ter um relacionamento sem ou com pouco contato físico até o casamento, e o contexto dessa decisão na sociedade atual. Em pleno século 21, tal escolha pode parecer impensável para muitos jovens. Para outros, é o melhor caminho.

Beijo de Jasmine e Aladdin em "Aladdin" (1992)
Beijo de Jasmine e Aladdin em “Aladdin” (1992) [Imagem: Reprodução]
Falar sobre beijo é uma tarefa extremamente difícil. O sentimento de não fazer jus aos relatos ou de falhar em retratar algum aspecto é dominante, justamente por esse caráter particular e cheio de nuances. Mas a verdade é que cada um tem uma relação própria com o ato de beijar, que mistura situação social, idade, religião e crenças próprias. Enquanto para os casais entrevistados por Ariane o beijo tem um simbolismo e relevância extrema, para outros jovens representa apenas uma vontade física. “Em uma balada, por exemplo, dificilmente a gente fica com alguém por achar ela legal, é mais pela aparência da pessoa e às vezes é só algo bem rápido. Demonstração de carinho é quando você tem afeto com alguém, por exemplo, um beijo na testa de boa noite dos pais”, opina Laura*, 20.

Para Maria*, 21, a importância ou significado de um beijo está diretamente ligada com a relação que se estabelece com a pessoa. “Pode ser meramente físico, mas tendo a achar que se há uma relação estabelecida além do beijo, o beijo pode significar algo a mais. Não só no sentido romântico, mas no sentido de intimidade ou conexão”, diz. Felipe também comenta sobre isso: “O beijo, ou a demonstração física no geral, pra mim é um simples instrumento. Uma relação de intimidade engloba muito mais do que isso, e é essa intimidade, essa vulnerabilidade voluntária, que define o peso da ação”.

Maria também considera que isso está atrelado à geração: “Penso que a geração da minha mãe (que nasceu em 1960) tem uma visão um pouco mais romantizada do beijo. Claro que existem pessoas da geração dela que beijavam só por beijar, mas hoje em dia acho que essa ideia de beijar todo mundo é muito mais comum e aceita”.

Éverton da Paz Santos, mestre em Ensino de Ciências Naturais e Matemática pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e autor do artigo “A bioquímica por trás do beijo”, traz uma perpectiva sobre o assunto: “A nossa mente é estimulada pelo que vemos e alimentamos. Os nossos desejos são desenhados na mente. Os neurotransmissores que atuam na captação destas sensações e desencadeiam uma série de reações e estímulo”. Ele ressalta que as relações de cada pessoa com o beijo e os diferentes tipos de beijo, a partir de cada situação, estão sempre muito relacionadas com a vivência de cada indivíduo.

Qual a cor do amor? (Cazuza)

Acho incrível como o episódio de quando fui impedida de ver um beijo na televisão permanece na minha mente até hoje. Pensando sobre ele, sempre reflito sobre o quão marcante um beijo pode ser ou não, e como isso se reflete diretamente na ficção, especialmente na televisão.

Mesmo que, de forma particular, o beijo não tenha uma importância tão grande, quando assistimos à séries e à novelas, podemos esperar ansiosamente por um beijo daquele casal que queremos que fique junto. Quando enfim acontece é um marco, porque indica certeza de o casal se formar e ser retratado por alguns episódios. Mais uma vez, aqui, o beijo ganha um outro significado: vem revestido de expectativas e possibilidades, o que o torna, de alguma maneira, mais relevante no contexto da narrativa.

De toda forma, o retrato do beijo na ficção também é condicionado a inúmeras questões. “A concepção de beijo está atrelada às bases morais às quais estamos condicionados. Um beijo despretensioso pode ser uma afronta, assim como pode ser nada demais. A noção de um homem galanteador é comum a todos nós, mas um beijo homoafetivo levanta a ira da censura, assim como a sexualidade da mulher é guardada a sete chaves”, considera Felipe, não apenas sobre a ficção, mas também sobre a realidade.

Cena do filme "Moonlight: sob a luz do luar" (2016)
Cena do filme “Moonlight: sob a luz do luar” (2016) [Imagem: Reprodução]
Éverton também levanta questões semelhantes. “Biologicamente falando, beijar não é uma necessidade de sobrevivência humana”, comenta. “O ato de beijar está diretamente relacionado à formação do indivíduo, que é resultado, em parte, do ambiente e da época em que vive, assim como as suas experiências relacionadas a qualquer tipo de beijo. Logo, o convívio social da pessoa pode desencadear uma série de mudanças no comportamento.”

Nesse sentido, também é relevante pensar que o beijo não necessariamente está ligado a uma necessidade sexual ou romântica. “Há muitas situações que levam pessoas a beijarem alguém sem a intenção sexual. Penso que esse comportamento é cultural, e pode apresentar diferentes significados”, considera Éverton. Ele exemplifica: “Há diversos tipos de beijos em diversos tipos de relação e contextos diferentes, como por exemplo, uma mãe beijando seu bebê, uma amiga que beija sua amiga carinhosamente, um beijo entre um casal, ou de um neto para seu avô”.

Júlia*, 19, acha que, embora o beijo seja uma forma de demonstrar carinho, ela não necessariamente é mais importante que outras. “Eu mesma não sou uma pessoa apaixonada por beijos, acho que existem outras tantas formas de carinho, como toques e, principalmente, abraços. Afinal, você sente quando há algo diferente em um abraço, seja uma sensação de conforto, paz, amor, interesse ou qualquer outro sentido”, ela conta. “Quando ficamos muito tempo sem se ver e nos encontramos estamos com saudades e, dependendo da situação, corremos e a primeira coisa que fazemos é abraçar um ao outro e então nos beijarmos. O importante nesse momento é o toque de sentir a pessoa e perceber que ela está ali.”

Irmãos se reencontram em filme "O Impossível" (2012)
Irmãos se reencontram em filme “O Impossível” (2012) [Imagem: Reprodução]
Bruna*, 25, tem uma percepção semelhante: “Um abraço também é afeto, um sorriso também é afeto. Como essas duas pessoas se relacionam é que vai fazer diferença. Assim como eu não gosto de beijar pessoas que eu não conheço, eu também não gosto de abraçar, sem perceber pelo menos a energia daquela outra pessoa”. Ela ainda acrescenta que sente uma importância muito grande nessa troca de energia. “Nos últimos anos, tenho me dedicado à minha espiritualidade, e passei a entender o quanto misturar a nossa energia com a de outras pessoas, seja no mesmo ambiente, no contato físico, etc, pode mudar nossa frequência.”

É impossível mensurar em palavras o significado de um beijo, é o que penso. Para alguns, ele é uma porta de entrada; para outros, uma chave. Em alguns momentos, é uma representação concreta de amor, em outros de carinho. Em outros, é apenas um beijo. Um beijo pode durar vários minutos ou apenas um instante; pode significar um compromisso para a vida inteira ou ser algo corriqueiro. Mesmo sendo um mero encostar de lábios, ele é, de alguma maneira, infinito.

 

*Nomes fictícios

1 comentário em “Beijar, verbo transitivo”

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