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Cada vez menos “nosso”?: a concessão do Pacaembu se aproxima

Por Beatriz Gatti “O meu, o seu, o nosso Pacaembu”. Marcante para quem assiste ao futebol das arquibancadas, a frase tem se tornado uma incógnita para aqueles que temem pelo caráter público e pelo desmonte do estádio. Tantas vezes casa dos grandes clubes paulistas, o Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho passa por um processo de …

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Por Beatriz Gatti

“O meu, o seu, o nosso Pacaembu”. Marcante para quem assiste ao futebol das arquibancadas, a frase tem se tornado uma incógnita para aqueles que temem pelo caráter público e pelo desmonte do estádio. Tantas vezes casa dos grandes clubes paulistas, o Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho passa por um processo de concessão administrativa à iniciativa privada, após a redução do número de jogos oficiais disputados.

Palco da tradicional Copa SP de Futebol Júnior, o estádio guarda momentos memoráveis das inúmeras conquistas realizadas em seu gramado. Mas, muito além do futebol, o Complexo do Pacaembu também tem uma rica história e um enorme valor social para a população da cidade.

Fachada do estádio do Pacaembu (Imagem: Paula Marina Castro/Flickr)

Estádio Histórico

Foi em 27 de abril de 1940 que o então presidente Getúlio Vargas e o prefeito da capital paulista Prestes Maia inauguraram o Estádio Municipal do Pacaembu. O primeiro jogo foi disputado no dia seguinte pelo Palestra Itália e o Coritiba, terminando com o placar de 6 a 2 para o alviverde paulista. O estádio, a partir de então, tornou-se a principal casa dos clubes de São Paulo. No ano de 1942, recebeu seu maior público. A partida foi entre Corinthians e São Paulo, na qual mais de 70 mil pessoas também puderam assistir à estreia de Leônidas da Silva pelo tricolor.

À época, o novo estádio foi considerado um dos mais modernos da América e teve um papel muito importante no desenvolvimento do esporte nacional, para além do futebol paulista. Tendo sediado seis jogos da Copa do Mundo de 1950, o Pacaembu também recebeu ídolos brasileiros de outros esportes. O ginásio do complexo foi palco da estreia do Galo de Ouro, o grande pugilista Éder Jofre, em 1957. Já nas quadras de tênis foi possível assistir à vitória da ilustre Bailarina do Tênis, Maria Esther Bueno, nos Jogos Pan-Americanos de 1963.

Além de eventos esportivos, atrações musicais como Tina Turner e o tenor Luciano Pavarotti já se apresentaram no estádio, tendo também recebido o primeiro show dos Rolling Stones no Brasil, no ano de 1995. Em 2005, no entanto, os residentes da região conseguiram uma liminar que limitava o uso dos gramados para eventos não esportivos, o que é considerado uma conquista até hoje para preservar a principal função do Pacaembu. “Não só para os moradores do bairro, não só pelo barulho, mas para que mantenhamos o estádio desportivo, com uma característica da qual a população de São Paulo necessita”, afirma o presidente da associação de moradores Viva Pacaembu, Rodrigo Mauro.

Também marcado na história do futebol paulista por ter sido o campo que consagrou a conquista da Libertadores de Santos e Corinthians, em 2011 e 2012, respectivamente, o estádio foi, centenas de vezes, a casa do alvinegro paulistano, antes da inauguração da Arena Corinthians, em 2014. Também teve como mandante o Peixe em diversos jogos, além de receber Palmeiras e São Paulo principalmente em ocasiões em que seus estádios estiveram indisponíveis. Contudo, após as reformas do Allianz Parque e a abertura da nova casa do Corinthians, o número de jogos disputados no Paulo Machado de Carvalho se reduziu drasticamente. E é nesse contexto que a concessão ganha força.

Estádio do Pacaembu recebe semifinal da Libertadores de 2012 (Imagem: Getty Images/AFP)

O projeto da concessão

A ideia de conceder à iniciativa privada a gestão do Pacaembu não é recente. A prefeitura do petista Fernando Haddad também propôs o plano, bem como seus antecessores Gilberto Kassab (DEM) e José Serra (PSDB). Agora, é o atual prefeito João Doria (PSDB) quem apresenta a proposta, já aprovada em duas votações na Câmara dos Vereadores.

Considerando o conjunto esportivo como patrimônio histórico, o processo da concessão conta com a discussão dos projetos nos órgãos de tombamento de nível municipal (Conpresp) e estadual (CONDEPHAAT), que sugerem diretrizes para um modelo ideal de licitação. No entanto, esse seguimento foi contestado por vereadores contrários à proposta, já que projetos de cinco empresas foram apresentados nos conselhos antes que a aprovação do projeto ocorresse.

A prefeitura, que conta com a Secretaria Municipal de Desestatização, veicula um discurso focado em educação e saúde – áreas consideradas prioritárias –, além de apresentar como motivação para a concessão os excedentes gastos com o Pacaembu, que teve sua arrecadação reduzida com a queda do número de partidas. Segundo a Secretaria, é insustentável que o déficit gerado para as contas municipais seja de R$7 milhões. Silvio Oksman, arquiteto representante no Conselho Municipal do Patrimônio Histórico (Conpresp), considera a fala perigosa. “O uso pela população de um equipamento esportivo não pode ser considerado déficit, ou alto custo, mas um investimento: trata-se de uma política pública de educação, aliada ao esporte”, afirma.

Muitas vezes definido somente pelos gramados, o Complexo apresenta também uma estrutura que garante a prática de diversos outros esportes. Além do campo de futebol, o Pacaembu conta com ginásio e quadra poliesportivos, piscina olímpica, quadras de tênis, pistas de cooper e salas de ginástica. Nesses espaços, o acesso é gratuito e são oferecidas aulas e atividades nas várias modalidades. O estádio também é sede do Museu do Futebol, inaugurado em 2008, mas que não faz parte do projeto de concessão.

O Complexo do Pacaembu conta com uma estrutura diversificada (Imagem: Beatriz Gatti/Comunicação Visual – Jornalismo Júnior)

Os receios quanto à administração privada do Pacaembu giram em torno da limitação do acesso gratuito pela população e do desvio da função esportiva que o Complexo desempenha. “Não sabemos o que vai acontecer pós-concessão. Acreditamos que o estádio deve continuar desportivo, público, tem que continuar paulistano”, complementa Rodrigo. De acordo com os vereadores que votaram contra a concessão, não há uma determinação clara sobre as exigências que a empresa deverá cumprir, o que pode deixar o conjunto à mercê dos interesses das corporações. A assessoria do secretário de Desestatização, Wilson Poit, entretanto, respondeu que a gratuidade está clara no PMI (Procedimento de Manifestação de Interesse), lançado para o Chamamento Público das empresas.

Quanto à desvirtuação das características esportivas do estádio, o projeto passou por uma reviravolta. Em junho, o prefeito Doria prometeu que o Pacaembu continuaria sediando apenas eventos esportivos. Mas no texto da última votação na Câmara Municipal, foi incluída a permissão para realização de eventos de entretenimento seguindo as normas preestabelecidas. A Secretaria de Desestatização reafirma: “Os eventos não estão proibidos de ocorrer no Pacaembu. Eles podem acontecer obedecendo a uma ordem judicial que determina que ocorram dentro das normas da ABNT [que estabelecem níveis de ruído aceitáveis para conforto acústico]. Nosso objetivo é que o estádio permaneça com a vocação esportiva”.

Ainda de acordo com a Prefeitura, além da desoneração, dentre as possíveis vantagens trazidas pela concessão, estariam melhorias na qualificação do espaço, com uma atualização das estruturas quanto à segurança e conforto do público. Rodrigo Mauro acredita que pode-se começar a pensar nos benefícios da concessão somente se as características de tombamento forem mantidas integralmente. “Troca de fiação, iluminação, azulejos. Construir mais banheiros. Se fosse feita uma atualização de acordo com as leis de acessibilidade e houvesse comprometimento em manter, fielmente, o estádio com acesso público, só com esporte, a concessão poderia ser boa”, conclui.

Conforme as Diretrizes para o Complexo Esportivo do Pacaembu publicadas no dia 4 de setembro pelo Conpresp, o Conselho deliberou por autorizar que a empresa vencedora da licitação possa demolir o tobogã – parte onde antigamente se localizava a concha acústica. O texto estabelece como condição que o ato esteja “justificado no novo programa de uso, qualificando a conexão entre estádio e complexo esportivo” ao considerar a integração interna. A decisão foi refutada por torcedores e tida por alguns como uma tentativa de atrair empresas para a licitação, submetendo o estádio aos interesses privados. O conselheiro Silvio Oksman afirma que o parecer não rompe com o tombamento e ressalta ainda que a demolição não é dada como certa, já que sua efetivação fica a critério da empresa.

Após as observações dos órgãos de tombamento, os próximos passos são o lançamento de um edital de concessão e montagem de um modelo ideal pela Prefeitura, considerando modelagem econômica e aspectos arquitetônicos. Em seguida, a licitação poderá ser aberta e a empresa, então, selecionada.

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