Por Breno Macário (breno.macario@usp.br), Nina Nassar (niiina@usp.br) e Raí Carvalhal (raicarvalhal@usp.br)
“Ici c’est Paris!”, o Paris Saint-Germain é campeão da UEFA Champions League da temporada 2024/25! No último sábado de maio (31), em Munique, na Alemanha, os franceses comandados por Luis Enrique deram uma aula de futebol em jogo realizado na Allianz Arena, casa do Bayern de Munique. Os parisienses aplicaram uma goleada histórica na irreconhecível Inter de Milão e venceram o jogo por 5 a 0.
A nova Champions League
Os finalistas da Champions League de 2024/25 enfrentaram um novo modelo de campeonato para chegar até a final. Nesta edição, o torneio abandonou o antigo esquema de fase de grupos e passou a ter uma chamada “fase de liga”, que precede o mata-mata. Nesse formato, os times disputam oito jogos, quatro em casa e quatro como visitantes, e são elencados em uma tabela única como em uma competição de pontos corridos.
Após a conclusão de todos os jogos, os oito melhores colocados avançam direto para as oitavas de final. Os times entre a nona e a vigésima quarta posição vão para os playoffs, fase em que disputam uma vaga nas oitavas. Os confrontos são definidos pela posição na classificação geral. O nono joga contra o 24°, o décimo contra o 23°, e assim por diante. O duelo é travado com jogo de ida e de volta, o melhor colocado sempre decide em casa.
Esse modelo garante a participação de mais times. São 36 equipes, quatro a mais do que no antigo formato. O número de partidas antes do mata-mata também aumentou, já que agora os times disputam oito jogos e não seis como era na fase de grupos. Além disso, o esquema de playoffs oferece mais oportunidades para times que não tiveram boas campanhas no início de chegarem ao mata-mata.
Caminho até Munique
Inter de Milão
Com um desempenho regular tanto dentro quanto fora de casa, a Inter de Milão foi a quarta colocada na classificação geral da fase de liga com 19 pontos. O time italiano conseguiu seis vitórias, um empate e apenas uma derrota. O duelo perdido foi contra o Bayer Leverkusen por 1 a 0 e o único gol sofrido pela defesa italiana nessa fase.
O primeiro confronto do mata-mata não ofereceu grande risco aos italianos. O Feyenoord foi o adversário das oitavas. Com vitórias seguras dentro e fora de casa, o agregado foi 4 a 1 para a Inter, com o gol sofrido sendo de pênalti.
As quartas de final foram menos tranquilas para os italianos que enfrentaram o Bayern de Munique. O jogo da ida foi no próprio palco da final. A Inter foi para cima fora de casa e conseguiu ganhar o jogo por 2 a 1. A decisão na Itália foi mais complicada com um gol dos alemães deixando tudo igual no agregado. O time de Milão novamente abriu vantagem marcando dois gols e tomou mais um no final do jogo. Com o 2 a 2 na volta, a Inter avançou.
Se as quartas já preocuparam o torcedor da Inter, as semis reservavam algo bem pior. O desafio da Inter era eliminar o Barcelona de Hans-Dieter Flick. Sem se acuar na Catalunha, a Inter fez dois gols nos primeiros 20 minutos. O Barça empatou a partida com confiança. Com mais um gol para cada equipe, o jogo terminou 3 a 3.
Na volta, Lautaro fez a diferença. Apesar da lesão sofrida no jogo da ida, o craque participou dos dois primeiros gols. Mesmo com a atuação do goleiro Sommer, o Barça empatou a partida. Aos 87 minutos, quem desempatou foi a equipe visitante e Raphinha fez o gol da virada. Mas é nesse momento que a resiliência e a raça do futebol italiano fazem a diferença. Aos 93 minutos, a Inter marcou para incendiar o estádio Giuseppe Meazza. Na prorrogação, os mandantes aproveitaram a vantagem no jogo para marcar mais um e a Internazionale avançou para a final da Champions League.
Lautaro Martínez foi o artilheiro da Inter na competição com nove gols marcados [Imagem: reprodução/X: @ChampionsLeague]
Paris Saint-Germain
O time francês teve uma fase de liga um pouco mais conturbada. Foram quatro vitórias, três derrotas e um empate, somando 13 pontos. Com esses resultados, o PSG ficou em décimo quinto na classificação geral e teve que disputar os playoffs contra o Stade Brestois 29. A classificação não poderia ter sido garantida com mais facilidade: o time venceu o jogo de ida por 3 a 0 e completou a goleada na volta em um atropelo de 7 a 0.
As oitavas foram contra o Liverpool, um dos favoritos na competição. A partida foi uma pressão sem fim do Paris, que só não marcou graças a uma atuação milagrosa de Alisson Becker. No fim do jogo, os reds acharam um gol que garantiu a vitória de 1 a 0 fora de casa. A volta foi dominada novamente pelo clube francês com direito a uma torcida visitante que cantou durante os 90 minutos. O PSG igualou o placar com Ousmane Dembélé, a estrela francesa. Mas o herói da partida foi o goleiro Gianluigi Donnarumma, que garantiu a classificação com dois pênaltis defendidos.
O adversário seguinte foi o Aston Villa, oitavo colocado na fase de liga. Logo no primeiro jogo o PSG garantiu a vitória em casa com uma virada de 3 a 1. Na Inglaterra, o segundo jogo começou bem para o Paris, que abriu 2 a 0 antes dos 30 minutos de jogo. Porém, o rendimento do time foi caindo ao longo da partida. O adversário conseguiu três gols e preocupou o torcedor parisiense. Apesar do sufoco, a partida terminou 3 a 2 para o Aston Villa, resultado favorável para a classificação do Paris.
As semis foram contra o Arsenal, que já havia vencido o PSG na competição, anteriormente. A ida em Londres foi disputada, com apenas um gol, achado por Dembélé com quatro minutos de bola rolando: 1 a 0 fora de casa. Com a decisão na França e a vantagem no placar, o Paris entrou seguro na volta. A equipe francesa abriu o placar com Fabián Ruiz. Aos 70 minutos, Dembelé veio para o jogo e, pouco tempo após sua entrada, deu uma assistência para Hakimi ampliar o placar. O Arsenal chegou a diminuir com Saka, mas o time parisiense assegurou a vitória de 2 a 1 e a vaga na final da Champions League.
Ousmane Dembélé saiu do status de desacreditado no Barcelona para virar um dos protagonistas do PSG [Imagem: reprodução/X:ChampionsLeague]
O jogo
Era esperado que as equipes protagonizassem uma final equilibrada. Alguns consideravam o PSG um ligeiro favorito, por conta do seu estilo de jogo ofensivo e de posse de bola. Mas, ainda era difícil escolher alguma das equipes como favorita ao título. A Inter, por sua vez, se estabeleceu com uma defesa sólida e derrotou gigantes para chegar até Munique.
Era previsto que o Paris jogasse da mesma forma de sempre: pressionando o time adversário e, com a bola, mantendo a posse para construir jogadas objetivas e letais. Uma das chaves para o sucesso parisiense consiste na utilização estratégica de seus alas, que transformava defensores em verdadeiras armas ofensivas. O time de Luis Enrique joga em um suposto 4-3-3 mas, aos poucos, um 2-3-5 se forma pela infiltração dos laterais como pontas de apoio adicional.
Pelo lado da Inter, era esperado uma marcação mais recuada e, para as ações ofensivas, explorar os contra-ataques. Quase sempre montada em um 3-5-2, a Inter derrotou grandes adversários jogando dessa forma. O time de Inzaghi também utiliza alas, que são essenciais na organização ofensiva e defensiva da equipe.
Ambas equipes foram com força máxima para a final, todos os jogadores titulares estavam à disposição, o que reforçava mais ainda as expectativas de equilíbrio. O zagueiro Benjamin Pavard era dúvida para a Inter, mas logo foi confirmado como titular e foi para a partida.
Autoriza o árbitro!
Primeiro tempo
O PSG dominou o campo desde os primeiros minutos, teve o domínio da posse de bola, pressionava seu adversário e já criava grandes preocupações para a Inter. Já aos 11’, gol do Paris Saint-Germain: Hakimi, na frente do gol aberto, só tocou para o fundo da rede após uma bela jogada coletiva com quatro passes entre os defensores italianos. O lateral-direito, que já jogou na Inter, não comemorou contra o ex-clube.
Após oito minutos, placar é ampliado. Doué, que já havia dado a assistência do primeiro gol, acerta um voleio que desvia em Dimarco e tira a chance de defesa do goleiro Sommer. A jogada foi construída através de um rápido contra-ataque que começou no campo de defesa do Paris, quando o zagueiro Pacho evitou a saída da bola para o escanteio e logo a equipe armou o contragolpe.
Doué é uma das principais promessas do futebol europeu [Imagem: reprodução/X: @ChampionsLeague]
O time de Milão estava marcando de forma recuada e tentando fazer ligações diretas para chegar ao ataque. Mas sua postura dentro de campo estava irreconhecível comparada ao que foi a Inter nas fases anteriores da competição: a defesa era ineficiente e seu ataque inofensivo. As únicas chances da Internazionale no primeiro tempo foram com Acerbi aos 22’ e Thuram aos 36’, que acertaram cabeceios para fora após cobranças de escanteio.
Com muitas trocas de passes e movimentações dos seus jogadores, o Paris envolvia o seu adversário. Os franceses ainda terminaram o primeiro tempo oferecendo perigo com um chute de Doué que passou ao lado da trave aos 45’, e com um chute desviado de Kvaratskhelia, aos 45+2’. O georgiano ainda cabeceou para fora depois de escanteio originado pelo lance anterior.
O primeiro tempo acabou com 62% de posse para o PSG, que também terminou com 13 chutes, enquanto os italianos, apenas com duas tentativas a gol, mas nenhum na direção da meta. Os parisienses faziam festa na Allianz Arena, diversos sinalizadores foram acesos durante a partida e o barulho era grande, a torcida não ligava para possíveis punições, eles estavam vivendo um sonho e seu clube do coração já estava com uma mão na taça.
Segundo tempo
As equipes não mudaram, nem em substituições de jogadores e nem em comportamento, o jogo ainda era o mesmo e o PSG continuava dominando o jogo. Aos 45’, o Paris chegou com Kvaratskhelia acertando um chute que passou perto. Aos 51’, a pressão continuava, mais um chute perigoso, agora com Dembélé, de perna direita, chapando para fora.
A preocupação de Simone Inzaghi, técnico da Inter, só crescia. O seu time estava em apuros e sequer esboçava reação para ir atrás do empate. O comandante mudou o time aos 53’ colocando Bisseck no lugar de Pavard e Zalewski na vaga de Dimarco. Porém, as alterações não surtiram efeito e mostraram que não era o dia da Internazionale.
Simone Inzaghi deixou o comando da Inter. Apesar da humilhante derrota, o técnico acumulou boas temporadas liderando a equipe [Imagem: reprodução/X: @Inter_br]
Aos 62’, a equipe de Luis Enrique armou mais um contra ataque fulminante: Dembélé, com um passe espetacular, deixou a bola para Vitinha, que arrancou e serviu Doué para marcar o terceiro gol do Paris Saint-Germain. Aos 67’, Luis Enrique decidiu “desacelerar” e substituiu Doué por Barcola, a estrela da noite saiu aplaudido.
A aula de futebol se converteria em uma humilhante goleada aos 72’. Em mais um contra-ataque que parte de uma bola recuperada no campo de defesa do Paris, Dembélé realiza um passe no espaço vazio para encontrar Kvaratskhelia, que fica de frente para a meta e faz o quarto gol do Paris Saint-Germain.
Nas arquibancadas, um reflexo do campo. Os parisienses cantavam alto, acendiam mais sinalizadores e faziam festa. Já a essa altura do jogo, gritavam “olé” a cada passe do seu time e cantaram “campeones” antes da partida terminar. Do outro lado, o clima era fúnebre, muitos dos nerazzurri choravam e deixavam o estádio antes dos 80 minutos jogados.
Já não havia competição, mas o jogo tinha que continuar. Aos 74’, a Inter, enfim, chegou com perigo, Donnarumma fez sua primeira grande defesa no jogo após arremate de Thuram. Mas, o show parisiense não cessou, aos 80’, Barcola fez jogada individual, deixou a defesa italiana de joelhos e perdeu um gol inacreditável. O atacante apareceu de novo aos 85’, participando de uma tabela dentro da grande área com Mayulu, que, em chute fechado, no canto do goleiro, finalizou a conta e marcou o quinto gol do Paris Saint-Germain.
Fim de papo. O Paris Saint Germain finalmente é campeão da UEFA Champions League! O árbitro István Kovács poupou a Inter e encerrou a partida exatamente aos 90’, sem acréscimos.
Os bastidores do campeão
A final da Liga dos Campeões foi a prova de que o futebol é muito maior do que confrontos físicos e estratégias. O futebol encanta pelas histórias que conta que vão além da performance em campo. Com uma narrativa das mais impressionantes e um time com qualidades autênticas, O PSG vence sua primeira Liga dos Campeões, com a maior goleada em uma final na história do campeonato.
Luís Enrique, em 2023, chegava para treinar um PSG recém abandonado por suas próprias contratações astronômicas. A equipe era acostumada a tentar se sustentar por destaques individuais, sempre carregada do sentimento de que havia algo faltante: a identidade de coletivo. O ápice da individualidade foi durante o trabalho de Maurício Pochettino, com o fracasso de possuir Messi, Neymar e Mbappé em campo e não conseguir controlar os egos a ponto de vencer a Liga.
Para essa temporada, o treinador espanhol consolidou, com um título histórico, o projeto que iniciou em sua chegada: montou seu time com jogadores pouco reconhecidos, jovens, a partir da tática de deixar o trabalho em grupo sobressair a pedida por craques. A constância, a sintonia e o encaixe foram as características que levaram o Paris à final como uma equipe disposta a vencer, em conjunto.
Dembélé, que sempre foi um jogador colocado como secundário, foi transformado em um destaques da temporada. Foi também Luís Enrique que deu espaço ao jovem Doué, de apenas 19 anos, o artilheiro da final, com dois gols e uma assistência, eleito pela UEFA como melhor em campo. Hakimi é outro que consolidou seu nome: destaque pelo Marrocos na copa de 2022, marcou um dos gols da final e não comemorou, em respeito a sua trajetória na Internazionale. A identidade do time, apelidado nas redes sociais como “low profile” devido às suas contratações, supostamente, discretas, toma forma a partir da harmonia da equipe. Estes jogadores, apesar de ótimos jogadores, não são estrelas. O técnico, frequentemente referido como exigente, difícil de lidar e cabeça dura, colocou o time sob uma disciplina exemplar, o que comprovou a força de seu estilo de trabalho.
Luís Enrique na Eurocopa de 96, antes de fazer história como técnico. [Reprodução: acervo pessoal/Fábio Piperno]
‘Ela estará comigo e isso é muito importante‘
Há 10 anos, Luís Enrique vencia sua primeira Champions pelo Barcelona, no entanto, seu talento como treinador foi ofuscado pelo brilho do trio Messi, Neymar e Suárez, protagonistas do título dentro de campo. Na comemoração, uma garotinha ganhou os corações da Catalunha ao aparecer no campo içando a bandeira da equipe.
Era a filha do técnico, Xana, que veio a falecer aos nove anos, vítima de um osteossarcoma, em 2019. Dez anos depois do primeiro título, ele dedica outro à sua filha, agora pelo PSG, como um símbolo de seu legado. “Minha filha gostava muito de festas, e tenho certeza de que onde quer que esteja, ela continua festejando. […] Ela não estará aqui fisicamente, mas estará espiritualmente. Isso para mim é muito importante.” Disse o técnico em uma entrevista antes da final.
Ao fim do jogo, ele pôde comemorar pelo Paris Saint-Germain como prometeu que faria. Fincou a bandeira da equipe da forma que sua filha fizera com o Barcelona e recebeu uma homenagem da torcida em memória de Xana, um bandeirão com uma imagem carinhosa dos dois.
Homenagem da torcida à Luís Enrique [Imagem: Reprodução/ YouTube: SBT Sport]
Ele transformou seu luto pessoal e expressou o legado de sua filha na forma de intensidade e paixão dentro de campo. Ensinou seus jogadores a se adaptarem a diferentes situações como grupo, a darem tudo de si para consertar possíveis erros uns dos outros: a construção de uma verdadeira identidade coletiva.
Aos 55 anos, Luis Enrique se tornou bicampeão da principal competição de clubes do mundo [Imagem: Reprodução/X: @PSG_inside]
Ficha Técnica
Paris Saint-Germain 5×0 Internazionale de Milão
Data: 31/05/2025
Horário: 16:00 (horário de Brasília)
PSG (4-3-3): Donnarumma; Hakimi, Marquinhos, Pacho, Nuno Mendes (Lucas Hernández, 78’); João Neves (Zaire-Emery, 84’), Vitinha, Fabián Ruiz (Mayulu, 84’); Doué (Barcola, 66’); Dembélé, Kvaratskhelia (Gonçalo Ramos, 84’).
Inter de Milão (3-5-2): Sommer; Pavard (Bisseck, 54’) (Darmian, 62’), Acerbi, Bastoni; Dumfries, Barella, Calhanoglu (Asllani, 70’), Mkhitaryan (Carlos Augusto, 62’), Dimarco (Zalewski, 54’); Thuram, Lautaro Martínez.
Gols: 12’ – Hakimi; 20’ – Doué; 63’ – Doué; 73’ – Kvaratskhelia; 87’ – Mayulu.
Árbitro: Istvan Kovacs (Romênia)Amarelos: Zalewski (56’), Inzaghi (técnico, 58’), Doué (65’), Thuram (69’), Acerbi (71’) e Hakimi (90’)
Foto de capa: [Reprodução/X: @PSG_inside]