A peça Lazarus faz uma releitura do filme de 1976, O Homem que Caiu na Terra, à época estrelado por David Bowie. Em 2016, antes de morrer em decorrência de um câncer de fígado, o músico pôde assistir à estreia dessa adaptação criada por ele e por Enda Walsh. Neste ano, a peça chega ao Brasil sob direção de Felipe Hirsch abrindo o espaço cultural do Teatro Unimed.
De maneira incomum e criativa, é oferecido um programa contendo “instruções de uso” antes do começo do espetáculo. São elas:
- “Estar vivo. Não vivo, respirando, porque a maioria das pessoas que respiram não estão realmente vivas. Não estão interessadas em aprofundar-se em nada. Interessadas apenas no que pode vir até elas. No que não as dê trabalho de ir até elas. A maioria das pessoas que respiram neste admirável novo mundo do on demand não estão vivas. Estão apenas existindo.
- Tentar lembrar-se da última vez em que foi calculado o seu peso.
- Caso você use óculos de grau, os retire. Caso você não use, peça para quem use um emprestado.
- Reflita sobre qualquer coisa.
- Entenda que você está prestes a ter um encontro com atores, atrizes e músicos que irão morrer. Entender que todo o elenco de Lazarus, por mais jovem que seja, irá morrer. Não hoje. Mas certamente algum dia. É preciso que você entenda que a brevidade deste encontro o torna especial. Em cinema, você pode comprar um DVD e para sempre ver e rever os atores que quiser. Em Teatro, não.”
Essas instruções são a primeira coisa que impressiona o espectador. A história da peça trata de um alienígena perdido na Terra que não consegue voltar para seu planeta natal. O personagem Thomas Jerome Newton, cuja vida lhe foi dada de maneira brilhante pela voz e corpo de Jesuíta Barbosa, tem diversos conflitos envolvendo solidão, isolamento, dificuldade de se relacionar com o outro e abuso do uso de drogas. Tudo isso permeado por belos rearranjos de 18 músicas de David Bowie.
O enredo em si é bastante confuso. A peça parece um exemplo de “Estratégias Oblíquas”, método utilizado para compor a “Trilogia de Berlim” de Bowie (discos Low, Heroes e Lodges). O método prevê soluções disruptivas: as coisas acontecem do nada, sem origem ou lógica, e montam um mosaico de acontecimentos e diálogos com uma conexão borrada, completamente diferente da lógica linear tradicional.
Isso não necessariamente é uma falha da peça. O convite que é feito pelas instruções de uso para refletir sobre qualquer coisa é incentivado pela linguagem hermética do espetáculo. Em algumas situações, o que os atores expressam por meio de seus corpos (cabe destacar que todos eles são muito bons nisso) é mais importante para transmitir sentido do que suas falas. O que talvez seja determinante para dizer como a peça afeta os espectadores depende do quanto cada um decide se entregar para a “viagem” que Lazarus que pode proporcionar.

A peça tem, ainda, um caráter elitista devido aos altos preços cobrados pelos ingressos, sua linguagem confusa e pelo fato de todas as letras, essenciais para a imersão, estarem em inglês. Entretanto, para aqueles que possuem a oportunidade de ir ao espaço intimista de 240 lugares do Teatro Unimed, a viagem vale a pena. O espetáculo estará esperando por essas pessoas até o dia 27 de outubro, onde elas poderão se sentir como “heroes just for one day”.