Jornalismo Júnior

logo da Jornalismo Júnior
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Netflix: Além da polêmica, ‘Lindinhas’ é crítica perturbadora mais atual do que nunca

Você já deve ter ouvido falar de Lindinhas (Mignonnes, 2020). Talvez menos pelo enredo e mais pela polêmica criada em torno da obra, que literalmente “cancelou” a Netflix. Empresas de análise dizem que a produção francesa elevou a taxa de cancelamento do streaming depois de seu lançamento aqui no Brasil, no início de setembro. A …

Netflix: Além da polêmica, ‘Lindinhas’ é crítica perturbadora mais atual do que nunca Leia mais »

Você já deve ter ouvido falar de Lindinhas (Mignonnes, 2020). Talvez menos pelo enredo e mais pela polêmica criada em torno da obra, que literalmente “cancelou” a Netflix. Empresas de análise dizem que a produção francesa elevou a taxa de cancelamento do streaming depois de seu lançamento aqui no Brasil, no início de setembro.

A própria ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, taxou o filme de “ridículo”. A pasta entrou com um processo no Ministério Público questionando se seria “saudável” manter a exibição da produção com a classificação indicativa de 16 anos. Essa reação toda partiu da interpretação de que Lindinhas estaria promovendo a erotização infantil e a pedofilia. Mas não é bem assim. Basta assisti-lo para entender.

O primeiro longa da diretora franco-senegalesa Maimouna Doucouré, vencedora do prêmio de Melhor Direção no festival de Sundance no início deste ano (categoria cinema dramático mundial), propõe uma crítica à hipersexualização das meninas em um mundo interconectado pelas redes sociais. E é perturbador.

Os espectadores acompanham a vida de Aminata, a Amy (Fathia Youssouf), uma garota senegalesa de 11 anos que acaba de se mudar com a família para a França. Ela e seu irmãozinho são criados pela mãe, Mariam (Maïmouna Gueye), mulher tradicionalista que segue os ideais muçulmanos. O choque dessa cultura com aquele novo mundo vivenciado pela menina é visível desde o começo. A partir deste embate, a história vai tomando corpo.

Em um dos encontros das mulheres muçulmanas, Amy está claramente mais interessada na brincadeira do irmão do que naquele cara do céu que olha e guarda por aqueles abaixo dele. No mantra silencioso da roda de oração, ela escuta que “devemos obediência aos nossos maridos” e que “é preciso lutar para não perder o pudor”.

Amy parece não se encaixar muito no tradicionalismo familiar. [Imagem: Reprodução/Netflix]
Com esses sussurros, a menina vai sendo aos poucos “ensinada” e apresentada a um certo modelo de feminilidade, no qual ser mulher significaria não ser criticada pelos outros e liberar, de maneira solitária, choros e lamentos proibidos. Nada disso parece fazer muito sentido para a personagem.

Imersa em um contexto da espera de seu pai, que se mudaria do Senegal para a França trazendo uma novidade inaceitável para a garota, Amy passa sozinha por um rebuliço psicológico e também físico, com seu corpo passando por transformações, como a primeira menstruação. Um mundo caótico para uma cabeça de apenas 11 anos, que logo teria suas lacunas preenchidas pelos likes e por um sentimento de aparente pertencimento.

No seu novo conjunto habitacional, em uma cena que se destaca como o momento de epifania, a pré-adolescente se depara com Angélica (Medina El Aidi), integrante do popular grupo de dança “Mignonnes” — que dá título ao longa — e vai se aproximando dela.


As Mignonnes. Angélica, à direita, de vermelho. [Imagem: Reprodução/Netflix]
Composto por quatro garotas de 11 anos que fazem o que querem e carregam um estilo à lá Kim Kardashian, o coletivo faz sucesso na escola e nas redes sociais com coreografias marcadas pelo twerk, um tipo de “funk americano” caracterizado por agachamentos e movimentação dos quadris. Amy fica fascinada e encontra ali seu refúgio, ou melhor, um outro modelo de feminilidade no qual pudesse se espelhar. Desta vez, um que faz mais sucesso e rende mais engajamento nas redes sociais.

Nesse ponto é consolidada a crítica da roteirista e diretora Doucouré. Com a apresentação dessas duas realidades, Lindinhas mostra o cruel processo de querer se encontrar e pertencer a um grupo. Uma atmosfera — influenciada por referências hipersexualizadas na internet — na qual insulto mesmo é ser chamada de criança. Para elas, posturas “maduras” a se seguir seriam falar sobre regimes ou o tamanho ideal de traseiros.

O filme vai mostrando como o corpo, antes só corpos de crianças, passa a significar mais a partir das coisas valorizadas pela sociedade. Ao mesclar cenas de passos sensuais sendo performados por personagens de tão pouca idade com takes de brincadeiras tenras e sutis, características da infância, o sentimento para o espectador é de um desconforto constante.

Principalmente quando a fotografia dá close nos passos de dança, muito difíceis de serem assistidos. Os olhares podem até se desviar. Nesses momentos, a produção acaba sendo uma experiência chocante e alarmista, atestando o fato de o filme não ser, nem de longe, fácil de se acompanhar.

Mais que uma simples ficção, Lindinhas escancara facilmente fatos da vida real. A diretora construiu a história a partir de relatos de centenas de pré-adolescentes imersas nessa realidade e partiu também de sua própria experiência enquanto uma imigrante senegalesa recém chegada na França.

Com as repercussões negativas da produção, causadas principalmente pelo uso inadequado de sinopse e pôsteres não oficiais pela Netflix, que impulsionaram interpretação antecipada por parte dos espectadores e fez a gigante do streaming se retratar publicamente, as discussões propostas pelo filme parecem ter sido desviadas.

Uma pena. Pensar sobre a objetificação dos corpos das mulheres ou sobre  acesso de crianças a conteúdos adultos na internet acabou rendendo menos. Surgiram mais ameaças (de morte) direcionadas à premiada diretora e também tentativas de barrar a visualização do filme.


À esquerda, pôster polêmico feito pela Netflix para divulgação de Lindinhas na internet. À direita, pôster oficial da produção. [Imagem: Reprodução/Netflix]
O longa já está disponível para todos os assinantes da Netflix. Confira o trailer:

*Capa: [Imagem: Reprodução/Netflix]

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima