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Observatório | Escândalo na CBF: Ednaldo Rodrigues é afastado do cargo da presidência

Decisão do TJ-RJ expõe crise na CBF, põe em xeque a autonomia esportiva e reacende temor de sanções ao futebol brasileiro

Por Amanda Yoshizaki (amanda.yoshizaki@usp.br ), Beatriz Sandoval (beatrizsandoval@usp.br) e Matheus Andriani (andrianimatheus@usp.br )

Ednaldo Rodrigues foi reeleito para a presidência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) em março de 2025.  Apoiado com unanimidade pelas federações estaduais e clubes votantes, e sem enfrentar oposição, o executivo baiano conquistou mais um mandato de cinco anos na direção máxima do futebol nacional. Essa eleição, adiantada em doze meses por iniciativa interna, foi saudada publicamente como “um voto de confiança” na administração de Ednaldo. Contudo, nos corredores da CBF, o processo foi marcado por acusações de manobras políticas, pressão sobre opositores e um clima de enfraquecimento democrático.

Nascido em Vitória da Conquista (BA), Ednaldo iniciou seu caminho no esporte como árbitro e líder da Federação Bahiana de Futebol, onde se destacou no cenário nacional. Em 2021, assumiu a presidência da CBF de forma provisória após o afastamento de Rogério Caboclo, acusado de assédio moral e sexual. No ano seguinte, foi eleito presidente da CBF, com promessas de modernização e erradicação dos vícios antigos da instituição.

Sua eleição foi histórica: Ednaldo foi o primeiro negro e nordestino a liderar a maior entidade do futebol do Brasil. Entretanto, o simbolismo logo foi ofuscado com velhas práticas políticas, como falta de transparência e manobras para influenciar o estatuto da CBF em benefício próprio, e a ideia de renovação começou a ser colocada em dúvida por jornalistas, presidentes das confederações estaduais e jogadores.

Primeiro afastamento

A saída de Ednaldo Rodrigues da presidência da CBF não foi um episódio isolado, mas outro caso  de disputas internas, judicialização e interferências políticas que marcam a história da entidade que comanda o futebol brasileiro. Desde sua fundação, a CBF acumula problemas acumula episódios em que interesses extracampo se sobrepõem à gestão esportiva, frequentemente envolvendo embates judiciais, afastamentos e penalizações.

Em dezembro de 2023, ocorreu o primeiro abalo à legitimidade da presidência de Ednaldo. Por unanimidade (3 votos a 0), os desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) anularam um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado em 2022 entre o Ministério Público do Rio e a CBF. Esse acordo modificou  as regras para as eleições na entidade, que eram alvo de questionamentos na Justiça desde 2017, em função de mudanças feitas no estatuto da entidade que, na prática, desequilibraram o peso dos votos em favor das federações estaduais.

Com a anulação do TAC, os desembargadores também invalidaram a eleição que, naquele ano, levou Ednaldo ao comando definitivo da CBF. Na decisão, o tribunal determinou o afastamento imediato de Rodrigues e de todos os vice-presidentes eleitos junto com ele da confederação, além de nomear um interventor para ocupar o cargo e convocar novas eleições — que nunca chegaram a ser realizadas.

A intervenção na CBF durou menos de um mês — de 7 de dezembro de 2023 a 4 de janeiro de 2024 —, quando o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu uma liminar que derrubou a decisão do TJRJ e recolocou Ednaldo no cargo.A decisão do ministro foi fundamentada na alegação de que havia risco de instabilidade institucional e esportiva, além de possíveis violações à autonomia das entidades esportivas.

No mesmo dia de seu afastamento, Ednaldo Rodrigues recorreu ao STF pedindo a anulação do decreto [Imagem: Divulgação/CBF]

A construção de uma candidatura única

Em 2024,  o antigo craque Ronaldo Fenômeno cogitava concorrer à presidência da CBF. A possibilidade de um ícone popular, com experiência no futebol de elite e prestígio internacional, empolgou grupos insatisfeitos com a administração vigente. Porém, a iniciativa fracassou antes mesmo de se concretizar.

Ronaldo mencionou obstáculos em conversar com as federações regionais: 23 das 27 se negaram a encontrá-lo. Apenas a Federação Paulista de Futebol o acolheu, mas reafirmou seu suporte a Ednaldo. Com a eleição adiantada por uma alteração no estatuto conduzida pelo próprio presidente, Ronaldo não teve como se articular. Sem amparo e com pouco tempo, desistiu de concorrer. A recondução de Ednaldo foi garantida por aprovação unânime.

Após a oficialização de uma única candidatura, a eleição ocorreu sob um clima de unanimidade forçada. Ednaldo foi novamente nomeado ao posto, durante uma reunião breve e formal, ausente de discussões abertas. Não houve campanha, nem debate sobre os rumos da entidade.

O resultado gerou contestações. Na visão de dirigentes de clubes das Séries A e B, presidentes de federações estaduais e repórteres esportivos, a maneira como a candidatura foi organizada aponta para um problema sério no padrão de gestão da CBF: um sistema corrompido e contrário a mudanças.

“Faltou diálogo. O processo foi fechado, sem espaço para alternativas”, disse Ronaldo, em entrevista à TNT Sports [Imagem: Reprodução/Instagram/@ronaldo]

Reeleição e saída

Após um processo eleitoral corrido e com suspeitas,  a deputada federal Daniela do Waguinho (União-RJ), ex-ministra do Turismo, solicitou ao STF o afastamento imediato de Ednaldo da presidência da CBF em abril de 2025. Daniela questionou a validade de um acordo que pôs fim à disputa judicial pelo comando da entidade, alegando que a assinatura de Antonio Carlos Nunes de Lima, conhecido como Coronel Nunes — ex-presidente da CBF e vice de Ednaldo no último mandato — não teria sido feita de forma livre e consciente.

A decisão judicial tem origem na invalidação de um acordo firmado entre a CBF e o Ministério Público, que havia dado sustentação jurídica à eleição de Ednaldo, em 2022.  Mestre em Direito Desportivo e vice-presidente do Tribunal de Justiça Desportiva de Minas Gerais  (TJD/MG), Fernanda Soares conta: “uma vez que a assinatura está falsificada, o acordo que dava a sustentação para ele estar na presidência quebra, ele não é mais válido”. A assinatura em questão é a do ex-presidente da CBF, Coronel Nunes, que, segundo laudos médicos, já estava acometido por uma doença que comprometia sua capacidade cognitiva desde 2023.

Seu afastamento foi realmente determinado no dia 15 de maio de 2025. O responsável foi o desembargador Gabriel de Oliveira Zéfiro, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), tendo como base a suspeita de falsificação da assinatura.

“Quem faz as coisas corretas não tem o que temer. É acreditar na Justiça.”

Fala de Ednaldo antes de seu afastamento 

Limites da autonomia esportiva

“Apesar de não ser irrestrita, as entidades esportivas têm a sua autonomia assegurada pela Constituição Federal. Fernanda explica que, embora  seja uma associação privada, a CBF está sujeita às normas legais como qualquer outra entidade. Segundo ela, sempre que há indícios de que uma associação não está cumprindo a lei, é legítima a atuação do poder público para intervir. Mas a advogada ressalta que esse tipo de intervenção costuma gerar tensões no ambiente esportivo, pois pode ser interpretado como interferência externa, o que traz riscos de sanções por parte de entidades como a Federação Internacional de Futebol e Confederação Sul-Americana de Futebol (FIFA e Conmebol respectivamente).

O episódio reacende um temor já conhecido do futebol brasileiro: punições por interferência externa. “Quando o presidente foi afastado em 2023, nós recebemos cartas da FIFA e da Conmebol questionando essa decisão, entendendo que isso poderia ter sido considerado uma interferência externa. E qual é a punição? Afastamento da entidade, ou seja, não participar das competições que são organizadas dentro da família FIFA”, alerta Fernanda.

“A autonomia esportiva não é carta branca: quando a lei é desrespeitada, o Estado pode e deve intervir.”

Fernanda Soares

Envolvimento do STF e da PGR

O caso foi parar no STF porque envolve diretamente a interpretação da Constituição, especialmente no equilíbrio entre a autonomia desportiva e a obrigação de que entidades cumpram a legislação civil. “Toda vez que um caso está no STF é porque a Constituição está sendo de alguma forma invocada no caso concreto”, explica Fernanda. Segundo ela, a atuação da Procuradoria-Geral da República (PGR) também é esperada nesse tipo de processo, uma vez que há um interesse público envolvido no que acontece na CBF. Ela argumenta que não se trata apenas de uma questão de lazer, mas de uma atividade que movimenta grandes quantias de dinheiro e gera impactos tanto culturais quanto econômicos para o país.

Para a advogada, o caso revela uma fragilidade estrutural na legislação esportiva brasileira e na governança das entidades. “A gente sempre está buscando mais transparência. Temos uma lei nova, a Lei Geral do Esporte (2023), que tentou organizar tudo, mas episódios como esse mostram que ainda há muito a ser aperfeiçoado, especialmente na forma como essas instituições organizam suas eleições e fazem suas mudanças estatutárias”, conclui.

únior Souza (esquerda) e Fernanda Sousa (direita) trazem visões do mundo do futebol e do mundo da advocacia sobre a questão de Ednaldo Rodrigues [Imagens: Reprodução/Instagram/@juniorpentaoficial e @fernandasousa21]

Novas eleições para a CBF

Após o afastamento de Ednaldo Rodrigues por decisão judicial, Fernando Sarney assumiu interinamente a presidência da CBF e convocou eleições para 25 de maio de 2025. Samir Xaud, presidente da Federação Roraimense de Futebol, foi o único a registrar candidatura dentro do prazo estabelecido. Sua chapa é intitulada “Futebol para Todos: Transparência, Inclusão e Modernização” e recebeu o apoio de 25 das 27 federações estaduais e de 10 clubes, atendendo aos requisitos mínimos para inscrição.

Samir Xaud, candidato único, neste domingo (25), na sede da entidade no Rio de Janeiro, foi eleito presidente da CBF com 103 pontos de 143 possíveis no pleito. O mandato de quatro anos foi assumido de forma imediata e o dirigente, em seu primeiro discurso, afirma ter o propósito de construir uma CBF moderna, participativa e comprometida com o desenvolvimento da indústria do futebol.

Samir Xaud é médico infectologista, empresário e dirigente esportivo brasileiro [Imagem: Reprodução/Instagram/@samir.xaud]

Apesar do apoio majoritário das federações, 20 clubes – incluindo Flamengo, Corinthians, São Paulo e Internacional – anunciaram em nota que não participarão da votação. Os clubes criticam a falta de representatividade no processo eleitoral e exigem reformas estruturais na CBF, como a revisão do colégio eleitoral e a criação de um conselho de integridade. Todas as federações nacionais compareceram à eleição de Samir, com exceção da Federação Paulista de Futebol, que não esteve presente na ocasião.

Impactos sobre o novo técnico da seleção

A saída de Ednaldo Rodrigues gerou incertezas sobre a contratação de Carlo Ancelotti como técnico da Seleção Brasileira. O treinador foi informado sobre o afastamento do ex-presidente da CBF, mas manteve sua decisão de assumir a equipe, destacando que seu contrato é com a entidade, não com o dirigente afastado. O presidente interino da CBF, Fernando Sarney, reforçou  que o contrato com Ancelotti não teria mudanças e que dariam continuidade aos planejamentos estabelecidos.

Ancelotti estava ciente do risco de mudanças no comando da CBF e transparece tranquilidade ao saber da notícia de afastamento de Ednaldo [Imagem: Divulgação/CBF]

Samir Xaud garantiu apoio e autonomia a Carlo Ancelotti no comando da Seleção Brasileira. Tal ação demonstra continuidade ao projeto com o italiano que chegou ao Brasil em 26 de maio, após encerrar sua temporada com o Real Madrid, para anunciar sua primeira convocação como técnico da Seleção.

O presidente da CBF, Samir Xaud, recebeu o técnico Carlo Ancelotti no Rio de Janeiro nesta segunda-feira (26)  [Imagem: Divulgação/CBF]

Reação dos jogadores e ex-jogadores

A crise institucional na Confederação Brasileira de Futebol (CBF) provocou reações de jogadores e ex-jogadores da Seleção Brasileira. Um grupo de 25 ex-atletas –entre eles Cafu, Gilberto Silva, Rivaldo, Bebeto, Raí, Zetti e Muller –enviou uma carta ao presidente da FIFA, Gianni Infantino, manifestando “preocupação e indignação” com a crise na CBF e a imagem do futebol brasileiro.

Os atletas buscam impedir as disputas de poder e interesses que ignoram o bem maior do esporte [Imagem: Reprodução/Instagram/@gilbertosilva]

Os atletas pedem que a entidade máxima do futebol mundial acompanhe de perto o processo eleitoral e garanta transparência e democracia na escolha do novo presidente. Em entrevista à Jornalismo Júnior, o ex-jogador e pentacampeão mundial, Júnior Souza  destacou a importância da paz e da serenidade no ambiente de trabalho para o bom desempenho de qualquer funcionário.

Na visão do ex-futebolista, há uma grande desestruturação momentânea na CBF que pode ser resolvida com bons profissionais. Para Souza, juntar forças é essencial para uma boa equipe de trabalho: “acredito que opiniões são sempre bem-vindas, principalmente vindo de uma equipe vencedora”.

As próximas partidas da Seleção Brasileira estão agendadas para junho de 2025, contra Equador e Paraguai  [Imagem: Divulgação/CBF]

Foto de capa: [Imagem: Rafael Ribeiro/Divulgação/CBF]

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