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Observatório | Novo Licenciamento Ambiental: o progresso e a devastação da Legislação Ambiental brasileira

Entenda o projeto aprovado pelo Senado e suas implicações socioambientais

Por Ana Carolina Mattos (a.carolinamattosn@usp.br), Gabriella dos Santos (gabriella.santos12@usp.br) e Victor Gama (victorgamasilva@usp.br)

O Senado aprovou o Projeto de Lei 2159/2021 que legisla sobre novo licenciamento ambiental, no último dia 21. A proposta tramita no Congresso Nacional há mais de 20 anos. Conhecido como “PL da Devastação”, o projeto é amplamente criticado por ambientalistas e especialistas do setor climático. Após a aprovação pelo Senado, o projeto retorna para a Câmara dos Deputados para votação final e, depois, segue para sanção ou veto do presidente da República.

Projeto de Lei e os seus impactos

O licenciamento ambiental é o processo pelo qual um empreendimento — como a construção de pequenas centrais hidrelétricas, de barragens de rios e de viadutos — passa antes do início das obras. Nesse andamento, são feitos estudos das populações que moram na região de instalação e avaliações de riscos e impactos ambientais. Estudos esses que envolvem profissionais como biólogos, geógrafos, geólogos, antropólogos e engenheiros. A nova legislação promove a retirada de órgãos como o Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) da análise e liberação de obras.

O Projeto 2.159/2021 propõe diversas alterações nas normas, que visam afrouxar as exigências e facilitar o licenciamento. Para tal, a legislação cria mecanismos para empreiteiros pularem etapas de estudo e avaliação. Na prática, o texto do PL faz com que sejam observados apenas os impactos diretos, enquanto os impactos indiretos serão ignorados. O aumento do desmatamento, da poluição do ar e rios e do uso de agrotóxicos são exemplos desses impactos, além da invasão de áreas protegidas e danos à preservação de comunidades indígenas.

A proposta transfere quase todas as atribuições que deveriam ser compartilhadas entre governo federal e empreiteira para as mãos da União. Por exemplo: uma obra de grande porte movimenta uma quantidade alta de mão de obra para as proximidades do empreendimento, o que faz com que seja necessária a construção de infraestrutura — como escolas e postos de saúde. Com o projeto aprovado, esses gastos, e a responsabilidade por eventuais acidentes seriam repassados apenas para o governo. 

A Legislação Ambiental vigente

O regulamento faz parte da legislação ambiental. Segundo o artigo terceiro do PL 2.159/2021, elaborado na Câmara de Deputados, aponta licenciamento ambiental como um “processo administrativo destinado a licenciar atividade ou empreendimento utilizador de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidor ou capaz, sob qualquer forma, de causar degradação do meio ambiente”.

O licenciamento pode ser concedido após três fases de análise: uma Licença Prévia (LP), que aprova sua localização e atesta a viabilidade ambiental do empreendimento; uma Licença de Instalação (LI), que autoriza a instalação do projeto mediante as especificidades impostas pelos recursos utilizados e o local de atuação, e uma Licença de Operação (LO), que autoriza o funcionamento do projeto. 

Existe ainda a Licença Ambiental de Regularização (LAR), que engloba todas as fases do licenciamento e tem prazo de validade de 2 a 4 anos, e a Licença Ambiental Única (LAU), que engloba todas as outras licenças. Há também a Autorização Ambiental (AA), emitida para projetos, pesquisas e serviços de caráter temporário ou emergencial, concedida por 12 meses.

As mudanças nas licenças

O projeto atual tem como base o PL 2.159/2021, a versão mais recente de uma proposta que já tramita desde 2004 e passou por diversas alterações, questionamentos e arquivamentos. O licenciamento aprovado cria novas licenças para além das já operantes na legislação, como a Licença Ambiental Especial (LAE). Além de afrouxar a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) e a LAU, e alterar outras licenças já existentes. 

A Licença Ambiental Única cobre a licença prévia e de instalação , que em casos específicos, pode chegar a cobrir a de operação. Em suma, a LAU cobre a instalação, ampliação e operação de uma única vez. Pensada com foco em projetos de pequeno impacto, a ideia é flexibilizar a legislação e acelerar empreendimentos.

A Licença Ambiental Especial também é uma ferramenta para agilizar o processo de licenciamento. O proposto no PL é que a LAE permita ao governo federal acelerar a aprovação de projetos importantes ou cruciais para o desenvolvimento do Brasil. 

Um exemplo de empreendimento que poderia se beneficiar da nova licença é o plano de exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas. O projeto está envolto em controvérsias, em especial devido ao risco ambiental que a sua dimensão implica. 

A expansão da Licença por Adesão e Compromisso , que gerou indignação da oposição ao PL, tem uma abordagem ainda mais flexibilizadora. A LAC funciona como autodeclaração, em que os responsáveis pelo projeto assinam os termos e se propõem a seguir as exigências ambientais — prática conhecida como autolicenciamento. Ela não inclui estudos aprofundados sobre o impacto do projeto na região e nem um desenvolvimento minucioso de medidas para prevenção de desastres. 

A principal mudança é que, a partir do novo licenciamento, a LAC deixaria de cobrir os empreendimentos de pequeno potencial poluidor. Agora englobaria também aqueles de médio potencial que não apresentam fragilidade ou risco ambiental. Outro ponto de destaque é que a entidade licenciadora deixa de ser o governo federal, em escala nacional, e passa para os estados e municípios, sob a pretensão de agilizar o processo. 

Aprovações e críticas: o que dizem as partes

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) publicou uma nota de repúdio ao texto aprovado no Senado. De acordo com a pasta governamental, a decisão dos senadores “representa sério risco à segurança socioambiental do país”, além de ir contra o artigo 225 da Constituição, que garante o direito de um meio ambiente equilibrado, e exige estudo prévio do impacto ambiental para aprovar atividades que possam ser danosas à natureza.

No documento publicado, o MMA demonstrou preocupação quanto aos empreendimentos que, sob a nova LAC, passarão a ser monitorados apenas por amostragem. Isenta da necessidade de fiscalização de órgãos ambientais colegiados pelo Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e o ICMBio.

O Ministério explicou que, ao transferir a capacidade de decisão para empresas de forma desordenada, existe o risco de convergências entre estados e flexibilização das leis ambientais vigentes, o que compromete a eficácia da fiscalização. “[A decisão] pode estimular uma ‘concorrência antiambiental’, que no intento de atrair mais investimentos, poderão oferecer flexibilizações e padrões menos rigorosos que os municípios ou estados vizinhos”.

No dia 27 de maio, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, sofreu ataques de parlamentares durante sessão da Comissão de Infraestrutura do Senado enquanto argumentava contra o projeto de lei [Imagem: Geraldo Magela/Agência Senado]

Para Marcelo Marini, professor e especialista em Gestão Ambiental pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), o enfraquecimento dos órgãos colegiados de proteção ambiental, proposto pelo PL, ameaça as comunidades tradicionais e unidades de conservação, enquanto impossibilita a participação popular no debate.

“[Os parlamentares] colocam em risco os povos originários, quilombolas e ribeirinhos tradicionais — que chamamos de ‘povos do rio’. “Eles colocam em risco tudo. Colocam em risco a integridade da vegetação nativa e também as unidades de conservação”, pontua o professor.

Segundo Marini, se aprovado, o projeto trará uma série de impunidades que garantirão o direito a empresários licenciados, grileiros e mineradoras de desmatarem e não prestarem contas das suas ações, tanto à sociedade civil quanto às autoridades ambientais competentes.

“Portanto, quem vai pagar a conta? Os que sempre pagaram, a sociedade. Quem vai ganhar? O agronegócio, o especulador, o grande negócio brasileiro.”
Marcelo Marini

Senadores que votaram a favor da proposta discordam das afirmações na nota do MMA. Os parlamentares acreditam que, ao simplificar a emissão de licenças ambientais aos empreendimentos menores, ocorre um avanço necessário para a legislação e, consequentemente, o desenvolvimento nacional. 

“É natural surgirem divergências em um tema como esse. Mas me senti convencido de que era uma evolução necessária na legislação a fim de simplificar procedimentos administrativos e possibilitar a devida convergência da proteção ambiental com empreendimentos que tragam desenvolvimento ao país.” afirma o senador Ângelo Coronel (PSD-BA).

O senador Alan Rick (União-AC) declara que a lei vigente precisa de atualizações e que o novo licenciamento foi discutido com especialistas comprometidos com os atuais desafios do país, sem deixar de lado o papel do Congresso em garantir o alinhamento com os compromissos climáticos. “É fundamental acompanhar sua implementação, garantir que os órgãos ambientais recebam os recursos e a estrutura necessários para cumprir suas funções, e fiscalizar de forma eficaz. Também é papel do Parlamento continuar a debater temas ambientais, e inclusive, atualizar outros marcos legais, como a Política Nacional de Mudanças Climáticas e os incentivos à economia verde”, atesta.

O processo de aprovação 

Apesar de ter sido aprovado no Senado Federal, o texto ainda pode sofrer alterações. Após a passagem pela Câmara Alta, o projeto volta para a Câmara dos Deputados, onde foi aprovado em 2021, para uma nova votação a partir das emendas sugeridas pelos senadores. 

Depois desse processo, o Executivo tem 19 dias úteis para sancionar  ou vetar o projeto, além de justificar a decisão. Mesmo assim, a decisão ainda pode ser revertida,  caso a maioria absoluta dos deputados vote contra.

[Imagem de capa: Leopoldo Silva/Agência Senado]

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