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Por que o terror é tão subestimado?

Mesmo com diversas inovações a cada produção e público crescente, gênero ainda encontra dificuldades para ser valorizado no campo da crítica
Por Ana Julia Oliveira (anajulia.oliveira@usp.br

As cinco indicações de A Substância (The Substance, 2024), como longa de terror, ao Oscar 2025 foram uma verdadeira surpresa para os fãs. O público que normalmente acompanha a premiação já tem notado a tendência da Academia de ignorar a categoria. O gênero dramático, no entanto, é o que mais se destaca entre os votantes.

Ao todo, apenas sete filmes de terror foram indicados à categoria de Melhor Filme na história da premiação, sendo eles O Exorcista (The Exorcist, 1973), Tubarão (Jaws, 1975), O Silêncio dos Inocentes (The Silence of The Lambs, 1991), O Sexto Sentido (The Sixth Sense, 1999), Cisne Negro (Black Swan, 2010), Corra! (Get Out, 2017) e o mais novo sucesso da diretora francesa Coralie Fargeat, A Substância

Dentre os indicados, somente O Silêncio dos Inocentes levou o prêmio, se destacando também nas categorias de Melhor Roteiro Adaptado (Ted Tally), Melhor Diretor (Jonathan Demme), Melhor Ator (Anthony Hopkins) e Melhor Atriz (Jodie Foster), mas com um detalhe: a obra foi classificada pelos críticos como suspense policial, e não como terror.

Os papéis de Clarice e Hannibal foram responsáveis pelo segundo Oscar de Jodie Foster e o primeiro de Anthony Hopkins [Imagem: Reprodução/IMDb]

De onde surgiu o terror?

O terror não é um gênero recente na história do entretenimento, tendo surgido antes mesmo do cinema. Através das tradições orais, o horror esteve presente nas lendas do folclore, na mitologia e religião, de maneira que sempre houve um interesse e até um certo fascínio de parte do público por histórias sombrias e assustadoras. 

Na literatura, o inglês Horace Walpole ousou com O Castelo de Otranto, um romance gótico (The Castle of Otranto, 1764), sendo, mais tarde, seguido por ícones do horror literário, como Mary Shelley, com Frankenstein (1818) que também introduziu a ficção científica, Bram Stoker, com Drácula (1897) e Edgar Allan Poe, pioneiro da ficção policial. No cinema, o precursor do gênero foi o ilusionista e cineasta francês George Méliès, com O Solar do Diabo (Le Manoir du Diable, 1896). O curta não tinha a intenção de ser um terror, porém contou com diversos elementos comuns ao estilo, como fantasmas, caldeirões, morcegos e esqueletos.

Com duração de apenas três minutos, essa foi a primeira experiência do terror em movimento [Imagem: Reprodução/ IMDb]

Na década de 1920, o terror começou a se consolidar nas telas, com destaque para O Gabinete do Dr. Caligari (Das Cabinet des Dr. Caligari, 1920) e Nosferatu (1922), que ganhou um remake em 1979, por Werner Herzog, e outro mais recentemente, em 2024, dirigido por Robert Eggers. O expressionismo alemão, presente em ambos os filmes, é responsável pelo tom sombrio e assustador das obras, que também pode ser compreendido como uma metáfora do período: Alemanha tentando se reerguer pós Primeira Guerra e a ascensão do nazismo.

Até a década de 1950, houve um grande investimento por parte da Universal em filmes de terror, muitos dos quais ainda marcam a cultura pop nos dias de hoje. São alguns deles O Corcunda de Notre Dame (The Hunchback of Notre Dame, 1923), O Fantasma da Ópera (Le Fantôme de l’Opéra, 1925), A Múmia (The Mummy, 1932), O Homem Invisível (The Invisible Man, 1933), O Lobisomem (The Wolf Man, 1941) e O Monstro da Lagoa Negra (Creature from the Black Lagoon, 1954). Vale lembrar que todos tinham como elemento principal um monstro ou criatura sobrenatural, elemento muito recorrente em filmes de terror.

No final da década de 1960 e início dos anos 1970, durante o movimento hippie, a desilusão de uma geração frente a conflitos políticos e religiosos trouxe à tona o terror folk,  um subgênero que ganhou força, explorando principalmente elementos da bruxaria, satanismo e outros cultos. Com filmes como O Caçador de Bruxas (Witchfinder General, 1968), O Homem de Palha (The Wicker Man, 1973) e mais recentemente, A Bruxa (The Witch, 2015) e Midsommar (2019), o subgênero explora o oculto e a sensação de desconforto, geralmente ambientado em áreas rurais ou florestas e sem a necessidade de jumpscares ou cenas de violência extrema. Nessa mesma época, a demanda por filmes de terror começou a aumentar significativamente, porém, com os altos custos que uma produção de qualidade exigiria, os longas passaram a ser feitos sob baixíssimos orçamentos.

Ainda na década de 1970, o fascínio por possessões e temas envolvendo a religião entregou filmes como O Exorcista (The Exorcist, 1974), que foi indicado a dez Oscars, e A Profecia (The Omen, 1976), que se aventuraram em uma nova face do terror que ainda não havia sido explorada. No mesmo período, um autor começou a se destacar com obras como Carrie (1974) e O Iluminado (The Shining, 1977). Stephen King se consolidou como um dos maiores escritores de terror, cujos livros já ganharam e ainda ganham inúmeras adaptações para o cinema.

Nas décadas seguintes, outro subgênero que se popularizou foi o slasher, no qual um assassino, possivelmente um psicopata, persegue um grupo de jovens, deixando um rastro de sangue por onde passa. Obras como O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chain Saw Massacre,1974) Halloween (1978), Sexta-feira 13 (Friday The 13th, 1980), A Hora do Pesadelo (A Nightmare on Elm Street, 1984) e Pânico (Scream, 1996), que chegou para ressuscitar a paixão pelo subgênero, foram capazes de conquistar o público e, mesmo com um baixo orçamento, ganharam diversas sequências, tornando-se verdadeiros clássicos do cinema. Não à toa, quando se pensa em terror, muitas vezes personagens como Jason, Freddy Krueger, Michael Myers e Ghostface são os primeiros a vir à mente.

Alguns personagens foram cristalizados no imaginário dos fãs e se tornaram fantasias clássicas de Halloween [Imagem: Reprodução/ IMDb]

Nos anos 2000, o terror não teve grande destaque, salvo alguns filmes que se basearam em produções orientais, como O Chamado (The Ring, 2002) e O Grito (The Grudge, 2004), além da franquia Jogos Mortais (Saw, 2004), que bebeu da fonte da violência extrema e explícita (o chamado gore). Entre diversos motivos, os que se destacam para a produção escassa da década são o declínio da qualidade dos filmes, a saturação do gênero, principalmente com slashers e sequências, e a imagem negativa passada ao público e aos críticos.

Finalmente, nos anos 2010, o gênero voltou a marcar presença, principalmente no sub gênero terror psicológico, que já havia dado seus primeiros passos com Psicose (Psycho, 1960) e O Iluminado (The Shining, 1980). Cisne Negro (The Black Swan, 2010), Corra! (Get Out!, 2017) e Hereditário (Hereditary, 2018) são alguns dos exemplos que foram não só bem recebidos pelo público, como também verdadeiros destaques no quesito produção, fugindo da regra anteriormente proposta.

Diferente de outros filmes do gênero, a adaptação da obra de Stephen King recebeu um alto investimento, e até hoje, é amada pelos fãs [Imagem: Reprodução/ IMDb]

Rejeição dos críticos

Ao analisar o processo de consolidação do terror, é inevitável perguntar: se o gênero deu tão certo com o público, por que esse sucesso não se refletiu em indicações e reconhecimento acadêmico?  

Para Roberto Moreira, doutor em Ciências da Comunicação e atual professor de roteiro e direção no Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da ECA-USP, o terror foge às normas sociais. “Um filme de terror tem que ter sangue, morte, demônio, monstro. Só que essas coisas saem do que a gente pode considerar a norma do que é aceitável ver no cinema, ou do que a maioria das pessoas aceita ver”, explica ele. 

A possibilidade de filmes de terror não serem valorizados pela crítica especializada pode estar diretamente ligada ao fato destes não serem consumidos pelos críticos ou por terem nascido de baixos orçamentos. Segundo o professor, que já dirigiu três longa-metragens, filmes mais baratos têm menos valor de produção, o que os leva a ocupar um lugar de menor destaque no circuito. O perigo de generalizar, no entanto, é ignorar obras que, fugindo do padrão, receberam grandes investimentos. Produções como, O Iluminado, de Stanley Kubrick, Invocação do Mal (The Conjuring, 2013), de James Wan e It: A Coisa (It, 2017), de Andy Muschietti, são ótimos exemplos de filmes que, além de terem sido sucessos de bilheteria, também contaram com altos orçamentos. Mesmo assim, não houve reconhecimento por parte dos críticos, pelo menos não em forma de indicações às premiações.

Outra questão frequentemente levantada é o isolamento do gênero no mundo do cinema. Devido aos temas mais pesados, não é todo espectador que gosta ou aguenta assistir aos filmes, diferente de dramas e comédias, por exemplo, que conseguem alcançar um público maior. Em resposta à pergunta de haver, diante desse cenário, alguma tendência de adequação ao aceitável nas produções de terror, Roberto acredita que exista, sim, uma tendência. “As pessoas querem que seus filmes sejam mais vistos. Eu acho que é uma questão que todo mundo que faz terror se coloca. Até que ponto eu vou?”. Para ele, a relação visceral entre o filme e o espectador é essencial no terror.

It: A Coisa foi um fenômeno a parte, que conseguiu furar a bolha do terror e trouxe milhões de pessoas aos cinemas, com um faturamento de US$700 milhões [Imagem: Reprodução/ IMDb]

Público vs. Academia

Ao analisar as divergências entre o gosto dos críticos e da audiência, surge uma reflexão a respeito de existir ou não uma opinião mais válida, e se as premiações refletem, de fato, a realidade do cinema. Segundo Roberto Moreira, “O Oscar representa o gosto médio do profissional da indústria cinematográfica americana. Ele conclui que, assim como o Oscar, nenhum festival é um parâmetro de valor, e exemplifica com o caso do cineasta Stanley Kubrick, que apesar de ter se destacado na ficção científica, na distopia e no terror, nunca ganhou um Oscar, mas, ainda assim, se tornou referência no universo da sétima arte.

Ainda que seja uma discussão complexa, ele comenta que todo processo cultural se baseia em diferenças. “A gente vive num mundo onde essas hierarquias estão achatando. Quem decidia o que entrava em qual sala [de cinema] tinha um poder de discriminação cultural muito grande. Aí vem a internet. Agora você tem acesso a tudo”, complementa Roberto. 

Não à toa, por exemplo, premiações como o Oscar têm sua audiência cada vez menor. O público não depende mais de indicações para saber quais produções merecem ser assistidas, ele tem o poder de escolha para definir por si só. Roberto confirma: “Definir o que é produção de qualidade é uma manifestação de poder cultural, de uma pessoa que tem um capital cultural acumulado e fala: ‘isso é arte, isso não é arte’. E é claro que a crítica prefere a singularidade àquilo que é de gênero”.

Mesmo que os críticos não percam seu valor na indústria, o público, cada vez mais, sente que é capaz de julgar por si mesmo o que o agrada ou não. O terror, nesse contexto, se encaixa como um gênero que se adaptou muito bem ao gosto popular, mas que ainda encontra barreiras para agradar uma elite tradicional, que apesar de minoria, se impõe de maneira decisiva na indústria.

O que o futuro aguarda para o gênero pode ser difícil de prever. Ainda assim, a respeito do preconceito dos críticos, Roberto comenta: “Acho que com o tempo, isso tende a mudar, porque começa a surgir uma geração de críticos que cresceu vendo terror, que cresceu vendo filme de super-herói. Daí eles tentam recuperar para dentro da norma o que estava fora.”

“Sou muito agradecida, não apenas pela minha interpretação, mas por vocês terem destacado este filme, este gênero. Normalmente, os filmes de terror são menosprezados e não são considerados pela profundidade que eles podem ter.”

Demi Moore em seu discurso no Critics Choice Awards 2025

Esse movimento, no entanto, não impede que fãs do terror façam jus a produções e atuações que, segundo eles, mereciam mais reconhecimento. Destaques como a de Shelley Duvall (O Iluminado), Toni Colette (Hereditário), Lupita Nyong’o (Nós), Florence Pugh (Midsommar) e Mia Goth (Pearl) são alguns exemplos de performances que nunca foram indicadas ao Oscar ou ao Globo de Ouro, mas são igualmente elogiadas pelos espectadores.

Essas premiações, por mais consagradas que sejam, não são as únicas. Existem outros eventos, como o Saturn Awards, que premia filmes de ficção científica, fantasia e horror, trazendo reconhecimento para obras que, muitas vezes, nunca recebem a atenção da Academia. Essa crescente atenção para premiações menores revela que o movimento está longe de acabar, e que enquanto houver público, o terror ainda fará parte do universo cinematográfico.

Toni Colette foi muito elogiada por sua performance em Hereditário, mesmo não sendo indicada ao Oscar [Imagem: Reprodução/ IMDb]

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