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Taiwan: O impasse estratégico das grandes potências

Território é ponto chave nas disputas geopolíticas mundiais entre China e Estados Unidos, dominando a produção global de chips
Foto paisagem taiwan
Por Amanda Nascimento (amanda_nascimento@usp.br

A ilha de Taiwan, localizada na costa sudeste da China, é um dos territórios de maior interesse geopolítico no cenário mundial. Com uma área equivalente ao Rio de Janeiro, é um ponto geográfico de relevância para líderes globais e é referência de produção tecnológica, responsável por 90% dos semicondutores avançados — essenciais para a fabricação de eletrônicos. 

Embora funcione como um Estado Independente, com seu próprio governo, sistema econômico e forças armadas, a região é considerada pela República Popular da China uma província rebelde e a reivindica como parte de seu país. Em contraponto, o governo taiwanês diz ser um estado independente. 

À proporção que essa discussão torna-se crescente, as relações comerciais entre o Tigre Asiático e os Estados Unidos estão à espreita com o fornecimento de chips, que mantém a indústria eletrônica americana ativa. O interesse das maiores economias do mundo em Taiwan o posiciona como centro da tensão entre esses governos, sendo impasse na política global.   

Para se diferenciar da República Popular da China (China Continental), o Taiwan se autodenomina República da China, desde 1912. Além da ilha principal, existem outras 77 menores. [Imagem: Wikimedia Commons]

Da colonização ao contemporâneo

Estudos arqueológicos apontam que o território taiwanês é ocupado há milhares de anos. Povos indígenas viviam nessas terras quando, durante as Grandes Navegações, no século XVI, portugueses avistaram a ilha e a nomearam “Formosa” — em alusão à sua beleza. A designação ficou conhecida entre anglófonos e, em 1624, colonos neerlandeses se estabeleceram no arquipélago.  

Ao passo em que os Países Baixos assentaram sua posse da Zeelândia, no sul, franceses e espanhóis tentaram colonizar o norte, nomeado Taipé, mas sem sucesso. A presença europeia foi extinta em 1662 por Koxinga, líder militar da Dinastia Ming — império que reinou a China (1368-1644). 

O comandante sino-japonês governou o território até sua morte, meses depois. O sucessor, seu filho Zheng Jing, travou uma guerra contra os Manchus, da nova dinastia chinesa, a Grande Qing (1644–1912). No fim do século XVII, o último saiu vitorioso e assim se iniciou a era Qing em Taiwan. 

Os Manchus expandiram as estruturas administrativas de Taiwan, e milhões de chineses da etnia Han migraram para a ilha durante o século XVIII. O arquipélago, que subordinava-se à província Fujian desde 1684, ganhou o título de província da China somente em 1885, o qual manteve até 1895, quando o Japão anexou o território.  

A ocupação japonesa em Formosa fez com que a ilha tivesse os maiores níveis de educação básica na Ásia, atrás somente do próprio Japão. [Imagem: Wikimedia Commons]

O Império japonês conquistou a região após ganhar a Primeira Guerra Sino-Japonesa, que, além de reconhecer a independência da Coreia, cedia o território chinês. A incorporação fez parte da Doutrina de Expansão para o Sul, política nipônica de difusão para o Sudeste Asiático e as ilhas do Pacífico. 

Uma vez que a intenção era transformar Taiwan em uma “colônia modelo”, houve um esforço para melhorar sua economia e, para isso, torná-la um importante exportador de arroz e açúcar. Em contrapartida, o período foi infame pela repressão militar e por usar a ilha como base estratégica para invasões durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa e Mundial. 

A derrota do eixo, em 1945, resultou na volta da terra insular às mãos da República da China (ROC), liderada pelo Partido Nacionalista Chinês, o Kuomintang (KMT). Desde a Revolução de 1911, que destituiu os Qing do poder, o país enfrentava uma guerra civil entre os nacionalistas e comunistas.

O conflito, que começou na década de 20, teve suas raízes em embates ideológicos entre o Partido Comunista Chinês (PCC), criado em 1921, e o KMT de Chiang Kai-shek. É o que explica Celiane Costa, coordenadora da especialização em História Contemporânea e Relações Internacionais da PUC-PR, em entrevista à Jornalismo Júnior

A fim de derrotar os japoneses no Pacífico, os Estados Unidos formou alianças com o Partido Nacionalista Chinês, que comadava a China durante a Segunda Guerra. [Imagem: Wikimedia Commons]

De acordo com ela, após uma breve aliança para lutar contra os japoneses, o exército vermelho de Mao Tsé-Tung (PCC) e os nacionalistas chineses (KMT) entraram em guerra pelo controle do país. Em 1949, os comunistas emergiram vitoriosos, e Mao declarou a fundação da República Popular da China (RPC). Como resposta, o KMT fugiu para Taiwan, onde estabeleceu governo e levou consigo quase 2 milhões de refugiados.

Os 38 anos seguintes adotaram um estado de exceção na ilha, a Lei Marcial, que passou a substituir os civis por militares, comandados por Chiang Kai-shek. Costa esclarece que, embora o período tenha sido de crescimento econômico, o regime era autoritário: sem partidos políticos, sem direitos civis e sem liberdade de expressão. 

Segundo ela, as mudanças econômicas acentuadas impulsionaram a classe média e movimentos estudantis, como Wild Lily, que começaram a pressionar por reformas democráticas. Além disso, a pressão internacional vinda do Ocidente se tornou massiva. O processo culminou no fim da Lei Marcial, assinada pelo filho de Chiang Kai-Shek, Chiang Ching-kuo. 

As primeiras eleições diretas para presidente aconteceram somente em 1996, e Lee Teng-hui, que já estava no poder desde 1988, foi eleito por vias democráticas. Representante do KMT, os futuros governos de Taiwan se alternaram entre os nacionalistas e o Partido Democrático Progressista (PDP). 

O Tigre Asiático 

Em 1949, a economia de Formosa era centrada na agricultura — herança direta da colonização japonesa. A chegada do KMT no  Taiwan, junto a milhões de chineses, fez dessa produção insuficiente para lidar com o boom demográfico. O cenário foi propício para que o regime de Chiang Kai-shek promovesse uma reforma agrária radical, tomando terras privadas que ultrapassassem  três hectares e as concedendo a pequenos produtores. 

A política incentivou proprietários a investirem na modernização da agricultura e, na década de 60, surgiram os resultados: a produção duplicou e a ilha obteve maior espaço no mercado exportador. Gilmar Masiero, coordenador do Programa de Estudos Asiáticos da USP, relata que a atitude do governo se tratava de um plano de substituição de importações.

Em outras palavras, Taiwan focou na produção interna de bens que antes eram importados, como produtos manufaturados, a fim de reduzir sua dependência por importações. Masiero adiciona que “[também] houve proteção às indústrias emergentes por meio de tarifas e subsídios, que possibilitaram criar as bases para a futura industrialização”. 

A tributação sobre importações e incentivos fiscais atraiu empresas estrangeiras, o que resultou na primeira zona de processamento de exportações de Taiwan em 1966. O professor enfatiza que investimentos pesados em infraestrutura, como estradas, portos e eletricidade, facilitaram a industrialização, além de uma política monetária e fiscal estável para planejar investimentos.

“[Taiwan] criou Zonas Econômicas Especiais para atrair capital e tecnologia estrangeira e focar na melhoria da produtividade de seu ‘parque’ industrial”

Gilmar Masiero

Paralela à modernização, a região precisava de mão de obra qualificada. O regime fixou um compromisso em expandir e melhorar o sistema de educação a todos os níveis, com ênfase nas áreas científicas e técnicas. A nova geração de trabalhadores qualificados foi responsável por facilitar o salto industrial que viria nos próximos anos. 

Com a Crise do Petróleo em 1973, a instabilidade diminuiu a competitividade no mercado da ilha, que, para escapar do colapso, decidiu apostar na tecnologia. O governo investiu nos mercados eletrônicos, semicondutores e tecnologia da informação, à medida que criou instituições de pesquisa e desenvolvimento, como o Instituto de Pesquisa de Tecnologia Industrial (ITRI). 

O uso de chips não se restringe apenas ao celular. Ele pode ser encontrado  no cartão do banco, nas geladeiras, nas máquinas de lavar, em lâmpadas de LED, nos aviões e em automóveis. [Imagem: Briáxis F. Mendes (孟必思) /Wikimedia Commons]

Masiero adiciona que a fundação do Hsinchu Science Park, em 1980, ofereceu infraestrutura de ponta para empresas e atraiu talentos nacionais para startups de tecnologia. Inspirado no Vale do Silício, a instituição, unida à Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC), consolidou a Formosa como um centro global de produção de semicondutores.

Graças a seu crescimento econômico entre os anos 60 e 90, o arquipélago integrou o bloco dos Tigres Asiáticos. Ao lado de Hong Kong, Cingapura e Coreia do Sul, a união é composta por economias do leste asiático que apresentam o mesmo padrão de industrialização acelerada. 

Em 2024, as empresas taiwanesas dominam dois terços do mercado global de semicondutores. Hoje, a TSMC controla 84% da produção mundial de chips avançados para clientes como a Apple, criadora do iPhone, e a Nvidia, pioneira na inteligência artificial. Para mais, dois dos maiores portos do mundo, Kao-hsiung e Taipei, estão sob gestão de Taiwan. 

“As relações comerciais de Taiwan com a China e os EUA são vitais para sua economia, dada sua integração nas cadeias globais de produção”

Gilmar Masiero

A maior parceira comercial de Taiwan é a China, com mais de 26% do comércio total, seguidos dos Estados Unidos, com 13%. Em vista disso, quando há crises de produção na ilha, como em 2020, toda a cadeia de produção global é afetada, desde celulares até automóveis.

Taiwan no meio das relações sino-americanas 

A ilha Formosa é motivo de inquietação entre os Estados Unidos e Pequim desde a Revolução Chinesa. A decisão dos americanos (que já haviam se aliado ao KMT durante a Segunda Guerra) de apoiarem o exílio dos nacionalistas em Taiwan, ainda em 1949, foi o pontapé para anos de relação distanciada.

Quando a Guerra da Coreia eclodiu, em 1950, e a União Soviética endossou o lado comunista, enquanto os EUA interveio a favor do sul capitalista, a China Continental retaliou as tropas sul-coreanas em suporte à URSS. Como resposta, o presidente Eisenhower enviou sua Marinha para defender Taiwan de um possível ataque do Exército Vermelho. 

A recusa do ocidente em reconhecer o governo de Mao Tsé-tung fez com que o KMT continuasse a representar a China no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Giorgio Romano, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, explica que a cadeira foi concedida ao país devido à ajuda do exército chinês, principalmente os nacionalistas, aos aliados. 

A situação permaneceu assim até os anos 70, quando o término das relações sino-soviéticas instigaram uma aproximação com Washington. Diferenças sobre segurança, ideologia e modelos de desenvolvimento fizeram de Moscou a nova maior ameaça da China, o que levou o regime a convidar autoridades americanas para Pequim, em abril de 1971. 

Pouco tempo depois, as Nações Unidas reconheceram a República Popular da China, que tomou o lugar do KMT no Conselho de Segurança. Em 1979, foi a vez do Presidente Jimmy Carter de constatar a existência da China Popular e, mais importante, concordar com a Política de uma China Única. 

O professor da Federal do ABC esclarece que o conceito parte do princípio de que a China Continental, o Tibete, Hong Kong, Macau e Taiwan fazem parte do mesmo país, a China. Todos que mantêm relações diplomáticas com ela devem aceitar essa doutrina, o que justifica somente 12 países reconhecerem Taiwan como estado soberano: fazê-lo significa comprar briga com o governo chinês.

Alguns países que reconhecem Taiwan como soberano são Paraguai, Guatemala, Haiti, Belize, Santa Lúcia e o Vaticano.
[Imagem: ynes95/Flickr]

Para reafirmar o compromisso com Pequim, em alinhamento com a administração anterior, Ronald Reagan, em julho de 1982, fez a promessa de não intervir nas relações China-Taiwan. Para mais, o Taiwan Relations Act, aprovado pelo Congresso dos Estados Unidos, define a relação dos americanos com o arquipélago como “amigável, mas não-diplomática”. 

O poder estratégico

Em março de 2005, o governo chinês aprovou a Lei Anti-secessão que contempla a intervenção armada em caso de declaração formal de independência de Taiwan. A ação suavizou a retórica de independência vinda da ilha, mas ao mesmo tempo mostrou o poder estratégico da região para a geopolítica. 

Giorgio Romano comenta que, embora a Formosa seja responsável por grande parte da produção global de semicondutores, não é só na economia que mora seu poder estratégico. Afinal de contas, o maior parceiro comercial de Taiwan continua sendo a China Continental, o que faz a ilha depender mais do país do que o contrário. 

É sua posição geográfica na Ásia, ao lado do estreito de Taiwan, que solidifica sua importância. Segundo dados do Australian Strategic Policy Institute, o estreito transita cerca de um terço do transporte marítimo global e um quarto de todo o comércio mundial em volume.

“Não é tão à toa que os holandeses foram parar lá, não é à toa que Koxinga chegou lá e não é à toa os acordos dos Estados Unidos com a China: é um ponto geográfico importante”, expressa Romano. Para ele, é interesse global manter essa área marítima como transitável, principalmente das maiores potências econômicas.

Por isso, o que à primeira vista pode parecer apenas uma visita comum de Nancy Pelosi, líder da Câmara dos Representantes dos EUA, a Taiwan em 2022, na verdade carrega um peso mais profundo. A viagem, que aconteceu após meses de alertas chineses contra, impeliu temores quanto às possíveis represálias de Pequim. 

Em meio às novas declarações do presidente eleito, Donald Trump, que planeja impor tarifas sobre chips taiwaneses, o Ministério da Economia da ilha se pronunciou nesta segunda-feira (28). Ele categorizou a relação Taiwan-Estados Unidos no setor de semicondutores como sendo “altamente complementares entre si”.

Em adição, o Ministério “continuará a prestar atenção à política dos EUA no futuro, e haverá um contato próximo e cooperação entre os dois lados para garantir que as indústrias e os interesses nacionais de Taiwan e dos EUA possam se desenvolver de forma mutuamente benéfica em face dos desafios globais”, em comunicado à imprensa

A aproximação dos governos preocupa o cenário de estabilidade global quanto às possibilidades de um conflito armado entre Formosa e Pequim, que promete a reunificação da China seja por meio da força militar ou por pressão econômica e diplomática. Enquanto isso, no início do ano passado, o presidente taiwanês, Lai Ching-te, do partido PDP, apelou à China “para cessar a sua intimidação política e militar contra Taiwan”. 

*Foto de capa: Wikimedia Commons

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