“Assim desejo-lhe antes de tudo
Sentido teatral; apenas aqueles
Que amam e conhecem a ilusão
Podem chegar a ir longe…”
Estes são versos do poeta e dramaturgo W. H. Auden, os quais a escritora Joan Didion cita em seu livro Noites Azuis (Nova Fronteira, 2012). No livro, o diretor Tony Richardson recita-os no aniversário de 21 anos de sua filha, Natasha. Ao longo de sua carreira, Natasha Richardson estreou em algumas produções de teatro musical, sendo uma delas o revival de Cabaret, da Broadway, em 1998, pelo qual recebeu um prêmio Tony. Partindo das palavras de Auden, a ilusão e o sentido teatral, ou a expressão artística dos musicais, comovem multidões ao redor do mundo. Ao combinarem música, dança e interpretação a fim de contar uma história, os espetáculos apresentam uma produção multifacetada, com diversos elementos a serem desenvolvidos e aperfeiçoados antes de suas estreias.
De acordo com o diretor musical Sergio Módena, para que seja criada uma narrativa e os elementos do espetáculo entrem em harmonia, é preciso passear por essas linhas diversas de expressão, de forma que haja uma congregação entre elas. E uma das características fundamentais em uma peça musical é justamente a musicalidade. Sergio diz que a música está inserida no espetáculo para ajudar a contar a história, então ela faz parte da narrativa. Quando o texto dramático se une à música, temos o teatro musical, juntamente com a dança. “A coreografia criada para o teatro musical é como se fosse uma continuação da marcação da cena, exacerbada com novos aspectos de movimentação”, explica o diretor.
O caminho até o espetáculo
O caminho a ser percorrido desde um roteiro ou texto dramático até a realização de um espetáculo é longo e envolve vários processos criativos e técnicos, como a idealização artística da performance, a seleção do elenco de atores ou a contratação de uma equipe técnico-administrativa. Sobre a tradução de um texto para um espetáculo musical, Sergio diz que é necessário construir um universo criativo que ajudará a desenvolver a narrativa. Assim, é preciso imergir no processo de criação, o que envolve intuição, mas principalmente um longo mergulho nos estudos sobre a temática — fundamental na sala de ensaio, posteriormente. Sergio ainda chama atenção para o lado prático da produção de um espetáculo: se um projeto parte dele, o próximo passo é contratar um escritório de produção para lidar com orçamentos e questões administrativas, por exemplo.
Após todos esses processos e a seleção de elenco, que normalmente se dá por meio de audições, os ensaios são iniciados. O tempo de duração dos ensaios para um espetáculo pode variar, mas Sergio diz que, geralmente em uma produção musical, são dois meses intensos. As frentes — música, coreografia e interpretação — são divididas e abordadas separadamente. Existe um momento em que os atores começam a aprender as músicas, abrir as vozes e as decisões musicais começam a ser tomadas, sendo que o mesmo acontece com a interpretação e a coreografia. “É um processo que vai convergindo, essas frentes vão se juntando até o momento em que chega a banda, que é uma novidade”, afirma Sergio.
É por meio do aprendizado com cada uma dessas etapas que os ensaios e os estudos sobre a temática se complementam: “Tudo aquilo que você aprendeu vai estar no seu inconsciente, e é a sala de ensaio que vai nos dar as respostas. Muitas vezes eu fico projetando como eu vou fazer isso ou aquilo, e é importante que se faça isso, mas a sala de ensaio vai me trazer possibilidades por meio da maneira como o ator falou determinado texto, ou a maneira como a cena está se configurando… então é uma mistura daquilo que foi programado e daquilo que é inesperado”, explica o produtor.
Fora dos holofotes de uma produção musical está a equipe técnica, que nem sempre fica à vista, mas exerce um papel essencial para o sucesso de um espetáculo e contribui de maneira indispensável para a experiência completa do espectador. Afinal, são eles os responsáveis pela integridade do cenário, do som e da iluminação. “É uma importância enorme, fundamental. Na verdade, o público assimila sim a importância, ele só não o faz conscientemente”, Sergio diz.
O teatro musical no Brasil
Clara Tozi, de 18 anos, gosta de teatro musical desde criança. Ela conta que os espetáculos sempre a atraíram justamente pela forma de contar histórias através da música e pelo tom fantasioso: “As músicas do teatro musical me chamam muito a atenção, por serem extremamente narrativas e específicas. Amo ouvir a trilha sonora dos meus musicais favoritos, como Wicked e Hamilton, porque acho um dos jeitos mais bonitos na arte de se passar uma mensagem”.
Nacionalmente, observa-se uma grande importação de musicais estrangeiros de sucesso, como Wicked, Chicago, O Fantasma da Ópera e Os Miseráveis, que estrearam no Brasil e se tornaram alvos de notoriedade por parte do público. No entanto, o potencial do país na cena do teatro musical autoral é grande. De acordo com pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o setor do teatro musical movimentou mais de R$1 bilhão em 2018, gerou empregos e mostrou um retorno de 192% em tributos. O Brasil é musicalmente rico e, para Sergio, poucos países têm essa variedade rítmica e sonora de gêneros.
Mesmo com a predominância das importações estrangeiras, foram produzidos musicais baseados em diversas personalidades nacionais, como Ayrton Senna, Hebe Camargo e Renato Russo. Sergio completa reforçando a importância da valorização da expressão nacional: “As pessoas têm o prazer de se reconhecerem em cena. Reconhecer também o seu país, os seus dilemas. Algo que é criado por nós”.