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Transição de carreiras: o recomeço dos atletas após aposentadoria

A curta duração da carreira esportiva leva muitos atletas a reconstruírem sua identidade e propósito fora das competições

Por Carolina Ziemer (carolziemer@usp.br)

A carreira de um atleta de alto rendimento é, em sua maioria, uma corrida contra o tempo. A intensidade dos treinos, os limites do corpo e a baixa remuneração fazem com que a aposentadoria chegue cedo e, com ela, a necessidade de recomeçar. Porém, quando não há preparo para essa transição, os impactos físicos, emocionais e financeiros são mais intensos.

A judoca Sarah Menezes foi palco para debate sobre o tema. A campeã olímpica e treinadora da seleção feminina de judô deixou de ser Secretária Municipal de Esporte e Lazer de Teresina em março deste ano. Em nota divulgada pelo g1, ela irá se dedicar exclusivamente à função de técnica. A decisão da judoca reacendeu a discussão sobre o dilema que muitos atletas enfrentam ao realizar a transição de carreira.

Dos tatames olímpicos à medicina

Em entrevista ao Arquibancada, Wagner Castropil relatou sua trajetória profissional incomum. “Eu pisou em uma aula de judô pela primeira vez aos 8 anos no Tatuapé, onde eu morava, por ser uma atividade comum entre meus amigos. Com o tempo, evolui treinando todos os dias até conquistar a faixa preta”, relatou o judoca.

Durante seus anos de adolescência, mesmo tendo em mente seus objetivos como atleta profissional, ele sabia da duração de sua carreira. “Eu tinha plena consciência que essa trajetória teria começo, meio e fim”, declarou Wagner. Por isso, estudou muito para entrar em Medicina na Universidade de São Paulo (USP) a fim de virar médico do esporte. Ele conseguiu conciliar a faculdade com a prática esportiva no Clube Pinheiros, fazendo parte da Seleção Brasileira e ganhando campeonatos relevantes.

Em um dos últimos semestres antes de concluir sua graduação, Wagner recebeu o convite para participar da equipe patrocinada pelo BANERJ. Porém, essa experiência o levou a morar no Rio de Janeiro e, por isso, teve que trancar a faculdade para se dedicar ao judô. Após sua temporada em solo carioca, ele se formou em medicina, mas adiou a residência devido ao seu sonho olímpico.

Wagner foi o representante brasileiro em sua categoria no judô nas Olimpíadas de Barcelona em 1992. Apesar de não ter ido ao pódio, essa experiência marcou seu auge como atleta e o início de seu processo de desaceleração no esporte. O judoca acredita que a transição de carreiras deve ser gradual e, portanto, ele guardou dinheiro e continuou competindo em menor ritmo até decidir focar totalmente na medicina.

“A transição deve ser suave e horizontal, nada abrupta ou radicalizada. Para isso, tem que ter uma conexão do que você sabe aprendeu a fazer até aquele momento e o que você está se propondo a fazer no futuro”

Wagner Castropil.

Para ele, o segredo de uma transição gradual está no planejamento e na conexão entre as duas carreiras. “No meu caso, o vínculo com a medicina esportiva foi o que me proporcionou uma ponte entre meus interesses: como as áreas estavam relacionadas, o impacto da mudança foi menos brusco”, compartilhou o ex-atleta olímpico.

Wagner ressaltou que os atletas desenvolvem habilidades valiosas para o mercado de trabalho, como organização, disciplina, superação e visão de longo prazo, competências que compõem o que chamou de “modelo do sucesso”. “Mas é preciso ter uma saúde mental bem trabalhada para entender que, fora do esporte, você volta a ser iniciante”, afirma o médico sobre o processo de transição, dado que é comum esportistas que sofrem com depressão, obesidade ou alcoolismo durante esse período.

Wagner atuou na medicina por muitos anos e fundou sua própria empresa chamada Vita [Imagem: Divulgação/Vita Ortopedia e Fisioterapia]

Atualmente, a empresa Vita, a qual ajudou a fundar e hoje é parte do grupo Fleury, é muito reconhecida. Para os próximos anos, o judoca planeja uma nova transição de carreira para uma área de governança. “Assim como na primeira transição de carreira, me planejei cuidadosamente para essa nova etapa: estou realizando meu doutorado em Milão e ainda mantenho vínculos com minha profissão anterior na medicina, já que minha futura atuação na gestão será ligada à área médica”, completou Wagner.

Sonho interrompido antes do previsto

No futebol, a história de André Luiz mostra outro lado da transição: o fim precoce da carreira por lesões. Nascido em uma cidade do interior do Paraná, Santo Antônio da Platina, ele começou sua carreira cedo. Antes dos 20 anos de idade já havia sido convocado para compor a Seleção Brasileira e disputar competições internacionais.

André foi bem sucedido como lateral direito, passou temporadas na Espanha e no Irã. Porém, a decisão pessoal de deixar os gramados ainda jovem veio por problemas físicos com inúmeras dores e contusões. Como a transição ocorreu de modo repentino, ele enfrentou um recomeço desafiador. Após 15 anos de carreira no futebol, o mercado de trabalho como um todo tinha se transformado e o ex-jogador temia que sua graduação em Educação Física não fosse suficiente.

André teve uma passagem pelo time Esteghlal FC, do Irã [Imagem: Reprodução/Instagram/@andreregatieri]

“O atleta deixa tudo de lado para seguir um sonho, inclusive os estudos, e de repente se depara com a necessidade de recomeçar e precisa se reinventar”

André Luiz

O ex-lateral direito enfrentou obstáculos devido à mudança repentina. Apesar disso, ele reflete que por ser jovem e ter diversas opções para seguir, o processo foi um grande aprendizado e gerou a oportunidade de crescimento pessoal.

Hoje, ele considera a experiência esportiva um diferencial nas novas áreas de atuação. “A disciplina, o trabalho em equipe e a resiliência me ajudaram muito na adaptação de uma nova rotina”, relata André. Além de ajudar na administração da Chocolateria Kez, de sua esposa, Karla Kusma, recentemente concluiu o curso de consultor de imóveis e está mais focado em sua atuação na área imobiliária.

De volta à faixa branca

A trajetória de Maria Portela no judô de alto rendimento foi marcada por conquistas, desafios e recomeços. Sua jornada no esporte iniciou ainda adolescente, quando recebeu um convite para treinar em Santa Catarina, aos 16 anos, com uma bolsa de estudos. Anos depois, em 2019, mudou-se para São Paulo em busca de seu maior objetivo: uma medalha olímpica.

Durante sua carreira, ela representou o Brasil em três Jogos Olímpicos e teria se classificado para a edição de Paris 2024 se não fosse pela maternidade. Ao engravidar, a carreira de atleta profissional foi interrompida e ela teve que acelerar o processo de transição. Por já ser formada em Educação Física e ter realizado uma pós-graduação em Administração e Marketing, Maria estava academicamente preparada para o novo ciclo e decidiu atuar como treinadora.

A saúde mental foi uma questão muito trabalhada na preparação de Portela tanto para competições quanto para transição de carreira [Imagem: Roberto Castro/rededoesporte.gov.br]

“Recomeçar do zero no pós-carreira é como colocar a faixa branca de novo”

Maria Portela

Do ponto de vista pessoal, o desafio foi maior. A mudança exigiu um reposicionamento profissional e emocional: “É preciso se desprender da identidade de atleta para descobrir quem se é fora do esporte”, afirmou a judoca.

Além de perder a estabilidade financeira com o fim de patrocínios e da Bolsa Atleta, ela enfrentou o obstáculo de se ver em uma nova função e de conquistar respeito em um ambiente dominado por homens.

“Como treinadora, tive que provar minha competência o tempo inteiro. Mesmo com uma longa trajetória no alto rendimento, fui tratada como alguém que sabia pouco” 

Maria Portela

Segundo Maria, o apoio de mentores foi essencial para manter a lucidez durante a transição de carreira [Imagem: Abelardo Mendes Jr./rededoesporte.gov.br]

O judô foi ferramenta de transformação de vida de Maria Portela pelas oportunidades. Com o esporte, ela se desenvolveu pessoalmente, pois pôde viajar e conhecer culturas diferentes, e também evoluiu como profissional, dado que as bolsas de estudo possibilitaram que ela se formasse na faculdade.

Nos dias de hoje, ela segue conectada ao judô em várias frentes. Maria treina a equipe de base da seleção brasileira e trabalha na análise técnica em competições, contribuindo no mapeamento de critérios e rankings para futuras convocações. Além disso, é gestora da Federação Gaúcha de Judô, com atuação nas áreas administrativa, financeira e organizacional.

Projetos de apoio e políticas públicas

Os atletas aposentados destacam que o esporte colaborou para o desenvolvimento de habilidades como liderança, disciplina e tomada de decisões sob pressão, que são úteis em outras áreas do mercado de trabalho. No entanto, a falta de preparo, apoio governamental e formação acadêmica dificultam a adaptação a novos contextos.

Desse modo, a preparação para a transição de carreira de atletas tem sido cada vez mais debatida. Em 2022, o Comitê Olímpico do Brasil (COB) lançou um programa de desenvolvimento de carreira, chamado Programa de Carreira do Atleta (PCA), inspirado em iniciativa do Comitê Olímpico Internacional (COI). O objetivo é orientar sobre preparação psicológica e financeira desde os primeiros anos no esporte até a aposentadoria, envolvendo famílias, clubes e confederações.

Apesar disso, ainda faltam políticas estruturadas, dado que esportistas não contam com previdência e são regidos pelas mesmas regras dos demais trabalhadores. A Câmara dos Deputados, todavia, debate o Projeto de Lei Complementar 139/2021, que trata da aposentadoria especial para atletas de alto rendimento, mas segue sem previsão de aprovação.

Imagem de capa: Reprodução parcial do Freepik

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