De Mauricio Eça (Carrossel 1 e 2), o filme A Menina que Matou os Pais (2021) é sustentado pelo depoimento de Daniel (Leonardo Bittencourt) no julgamento do caso Richthofen, na segunda-feira, dia 17 de junho de 2006. Por isso, logo de cara, temos uma visão parcial dos assassinatos de Manfred e Marísia.
Para essa temática, o diretor optou por desdobrar a narrativa dos crimes em dois filmes, a fim de se apresentar duas versões sobre o que teria acontecido na noite do dia 31 de outubro de 2002. A Menina que Matou os Pais é o segundo filme desses dois, que explicita a versão do ex-namorado de Suzane. Eça recomenda assistir aos filmes na ordem inversa, começando por O Menino que Matou meus Pais (2021), para conferir A Menina em seguida.
Esse último baseia-se na versão de Daniel e passa por pontos cruciais do relacionamento entre ele e Suzane, explicitando como o casal se comportava, quais eram os maiores obstáculos existentes no namoro e a relação com os ex-sogros. A versão dele deixa transparecer que a companheira, não só induziu ele e o irmão a cometerem os assassinatos, como foi a cabeça e mandante dos crimes.
O filme peca por possuir pouca profundidade ao relatar um dos casos mais marcantes do país, sem muitas análises psicológicas, e funciona quase como um documentário expositivo, só que na versão contada pelo réu. Em termos de roteiro, Ilana Casoy e Raphael Montes (Bom Dia, Verônica) conseguiram tocar em pontos importantes do caso e fizeram um trabalho fundamental para o “espelhamento” proposto pelo diretor, fazendo com que A Menina que Matou os Pais não funcione sem O Menino que Matou meus Pais.
Isso não seria um problema se houvesse a explicitação do caso por inteiro e não apenas de alguma das versões. Porém, a escolha é compreensível pela forma como a trama é exposta ao público, com a premissa de um ponto de vista particular e até revelador de tópicos necessários para a investigação. Além disso, o diretor conseguiu utilizar de boas atuações para dramatizar o caso com relativo detalhamento, sem perder aspectos importantes do depoimento de Daniel.

Os veteranos Leonardo Medeiros e Vera Zimmerman, Manfred e Marísia von Richthofen respectivamente, também foram chaves para o desenrolar do filme e tiveram aparições significativas.
A fotografia do filme acompanha o período em que a história se passa — início dos anos 2000 — e com pouco tempo de rolagem do filme ficamos a par dos acontecimentos. Alguns pontos de destaque na abordagem de temas sociais também se verificam, como a vida da família classe média alta e os relacionamentos abusivos existentes na família e entre o casal.
O filme conta os acontecimentos, basicamente. Não há muita profundidade nele, e alguns temas poderiam ser abordados com maior visão crítica, como a parcialidade existente em se narrar um filme com a visão dos réus, as inverdades ditas sobre o relacionamento de Suzane com os pais e o próprio namoro entre Daniel e ela. O confronto de versões entre os depoimentos ocorre de modo indireto, já que só é possível observar as diferentes nuances do caso ao recorrermos à obra completa.
De modo geral, há um zelo pela estrutura do filme e um comprometimento notável com o que pode ser a gênese dos filmes de crimes reais no Brasil. Por isso, ele já se coloca à frente de outras produções, mas poderia melhorar em alguns aspectos, como na maneira que a memória das vítimas ocorre, em alguns pontos mais profundos na discussão sobre o que é fato ou versão e, por fim, pela própria relevância do caso que chocou o país.
A Menina que Matou os Pais está disponível para os assinantes do Prime Video. Confira o trailer:
*Imagem de capa: Reprodução/IMDb