Há dez anos, o “Clube dos 27”, lenda de famosos artistas que faleceram nessa idade, recebia mais uma estrela: era a vez de Amy Winehouse, que deixava para trás uma carreira pequena quando comparada ao talento da cantora britânica.
Em seu segundo e último álbum de estúdio, Winehouse deixa claro o momento que estava vivendo, de retorno à escuridão. A referência está explícita desde o título do álbum, Back to Black em inglês. As onze melodias, que começaram a ser lançadas em 2006, mas com acréscimos em versões posteriores até 2008, apresentam a cantora em sua forma mais crua e abordam o vício em álcool e em drogas, além de um relacionamento amoroso conturbado.
O tom autodepreciativo e provocador é perceptível na maioria das músicas, mas, por baixo de toda a afirmativa de que não precisa de nada, é possível sentir a sensibilidade e a emoção de Amy, uma mulher bem sucedida que precisava de ajuda.

Com misturas de R&B, jazz e de ritmos jamaicanos, como o reggae — observado principalmente na faixa Just Friends — o álbum encantou a crítica especializada e rapidamente tomou conta das paradas de sucesso. Considerado o álbum do ano em 2007, acumulou cinco Grammys para a cantora e emplacou na sétima posição da Billboard 200.
Back to Black é iniciado com Rehab, single que, além de atrair a atenção de quem ouve, é uma carta aberta da cantora para a família, amigos e público — ela não irá para a reabilitação. A mensagem transmitida nitidamente pela música expressa a luta contra a dependência alcoólica de Amy, reforçada pelo término com o ex-namorado. O próprio término culmina em outras melodias, principalmente a que carrega o nome do disco.
O refrão conhecido mundialmente e popular até os dias de hoje é difícil de esquecer: “Estão tentando me levar para a reabilitação, mas digo que não”. Em consonância à força de Winehouse em se posicionar e ao ritmo envolvente do jazz, é possível sentir quase uma provocação da cantora, que desafia as ordens dadas mas também reconhece que precisa de apoio.
I don’t ever want to drink again
I just, ooh I just need a friend
(Eu não quero nunca mais beber de novo
Eu só, ooh, eu só preciso de um amigo
— trecho de Rehab, de Amy Winehouse)
Por outro lado, em You Know I’m No Good, segundo single do álbum, Amy passa à autodepreciação e demonstra como se coloca em segundo plano por alguém.
I cheated myself
Like I knew I would
I told you I was trouble
You know that I’m no good
(Eu traí a mim mesma
Assim como eu sabia que iria
Eu te disse que eu era problema
Você sabe que eu não sou boa
— trecho de You Know I’m No Good)
Mas é só em Me and Mrs. Jones que as temáticas amorosas são trazidas explicitamente ao centro da música e a postura da cantora, antes de renegação, transforma-se em defesa contra qualquer um que tente separá-la do amado. A linha já tênue entre o ódio e o amor, o ídolo e aquele “que deve se afastar”, torna-se difusa e é quase impossível separá-los.
Já em Tears Dry On Their Own, há uma nova versão da britânica, que mesmo expondo o relacionamento difícil, se permite admitir que deveria seguir em frente e se esquecer dele.
I cannot play myself again
I should just be my own best friend
Not fuck myself in the head with stupid men
(Eu não posso cair nessa de novo
Eu deveria ser minha melhor amiga
E não acabar com minha cabeça com homens idiotas
— Trecho de Tears Dry On Their Own)
Back to Black traz nitidamente diversos pontos difíceis e delicados para Amy Winehouse e, em Wake up Alone, canção não tão comentada pela mídia, é possível notar uma forte dependência emocional em relação a um romace, assim como em Some Unholy War. Em ambas, a guerra interna entre o amor e ódio tem um vencedor.

Durante todo o álbum, a sensação é ambígua: ao mesmo tempo que as melodias são extremamente envolventes e os instrumentais com o jazz e com o reggae fazem uma mágica hipnotizante, a dor e a emoção na voz da cantora são claras, o que dá um toque mórbido, triste e até mesmo um pouco sádico. É uma obra-prima das mais trágicas, que deixaria Sófocles com inveja.
O sentimento final é de admiração, mas também de revolta. Não existem meios possíveis de ouvir esse álbum sem perceber que ele é também um pedido de ajuda. A arte e a dor quase sempre andam juntas e dói comemorar os dez anos de morte de uma grande cantora que infelizmente só deixou dois álbuns, mesmo que eles consigam representar muito bem o talento extraordinário da britânica que convivia com mais demônios do que se pode imaginar.
*Imagem de capa: Maria Vitória Faria/Jornalismo Júnior