“A dança irlandesa chegou ao Brasil pela primeira vez não em sua forma tradicional, mas numa forma mais parecida com o estilo Riverdance e Lord of the Dance”, afirma Fernanda Faez, mestranda em Estudos de Dança Irlandesa na Universidade de Limerick, na Irlanda.
Em várias cidades brasileiras, é possível ver pessoas vestidas de verde, bebendo cerveja e celebrando o St. Patrick’s Day no dia 17 de março. Contudo, sabe-se pouco sobre a dança que é símbolo da cultura irlandesa e que atrai cada vez mais alunos no Brasil e no mundo.
![Grupo de dança irlandesa em apresentação de sapateado. [Imagem: Pascal Seger/Wikimedia Commons]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2021/03/Rojahn_Irish_Dance.jpg)
Embora suas origens não sejam muito claras, sabe-se que a dança é originária da Irlanda e seus primeiros passos surgiram por volta do século 5. Para protegerem-se do frio, camponeses usavam sapatos de solados de madeira (clog shoes), e acredita-se que foi então que eles começaram a “brincar com os pés” e criar ritmos que dariam origem ao sapateado irlandês.
A dança tem influência dos celtas, normandos, ingleses, entre outros, e se espalhou por toda a Irlanda nos séculos 18 e 19, quando já era acompanhada pelos sons das gaitas de fole e da harpa. Com a Revolução Industrial, o sapateado ganhou novos adeptos – os operários das fábricas, que também usavam sapatos de madeira, criavam sons com os pés durante os intervalos.
Nesse período, pequenos grupos se reuniam para dançar em pubs. Contudo, com o passar do tempo, os dançarinos passaram a frequentar estúdios de dança e a desenvolver seus próprios movimentos. Então, no início do século 19, foram criados os primeiros calçados específicos para sapateado.
Fernanda, que é titulada em um exame para professores de dança irlandesa e fundadora da escola Banana Broadway (Campinas, SP), explica que “a dança irlandesa mais conhecida como símbolo de identidade nacional é composta por duas técnicas: uma com uma sapatilha que lembra mais o balé; e uma que é com o sapato, que lembra mais um sapateado”.
![Sapatos usados na dança irlandesa: hard shoes à esquerda e soft shoes à direita. [Imagens: Sukubik/Wikimedia Commons]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2021/03/Sem-Titulo-1.png)
Os soft shoes (sapatos macios, que lembram sapatilhas) – ghillies para as mulheres e reel shoes para os homens – são usados para movimentos leves e saltos maiores, a exemplo de reels, slips e jigs. Já os hard shoes, cujas pontas e saltos são feitos de fibra de vidro para adicionar sons à performance, são usados para movimentos mais rápidos e rígidos, conhecidos como hornpipes, treble jigs e treble reels.
Os trajes usados pelos dançarinos não ficam de fora da questão cultural da tradição. As roupas usadas homenageiam as origens históricas da dança ao incorporar bordados, capas, broches e símbolos celtas. Outra característica marcante são as perucas usadas, a partir da década de 1980, em diversas apresentações e competições, como alternativa para ter os cabelos cacheados e seguir a tradição, mas logo se tornaram cada vez maiores e mais elaboradas.
![Dançarinas com trajes e perucas usados em competições. [Imagem: Brendan/Wikimedia Commons]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2021/03/796px-Irish_dance_4944374782.jpg)
A dança irlandesa no Brasil e na América Latina
Quando a Grande Fome atingiu a Irlanda em 1845, grandes quantidades de pessoas começaram a migrar para a América. Assim, no final do século 19, a dança irlandesa chegou à América Latina. Contudo, Fernando Marcos, presidente da South American Irish Dance Association, aponta que “a dança irlandesa tornou-se mais relevante nas últimas duas décadas graças aos espectáculos de dança irlandesa como Lord of the Dance e Riverdance. Antes era apenas a dança folclórica de um país e não o fenômeno cultural que se tornou desde o final da década de 1990. A TV e a Internet ajudaram a globalizar seu alcance, tornando mais pessoas interessadas em aprender essa forma de arte.”
Patraic Moyles sente que é de vital importância que a tradição não proíba a evolução, mas, ao invés disso, ela a acolha e encoraje; e é o que pretendem os espetáculos do Riverdance. “Se pudermos continuar a educar ao mesmo tempo em que evoluímos e abraçamos a cultura moderna, então acredito firmemente que teremos a oportunidade de inspirar a próxima geração”, afirma o diretor.
A imagem majestosa desses dois shows atrai pessoas leigas para a dança irlandesa, pela fantasia estética da música e da beleza dos dançarinos no palco, ou ainda pela visão romantizada da Irlanda e seus aspectos místicos. No Brasil, foi apenas a partir do começo dos anos 2000 que a professora Fernanda Faez introduziu um estudo da dança irlandesa mais ligada à tradição, dentro dos modelos formais praticados na Irlanda.
Já em outros países latinos, como a Argentina, que foi povoada principalmente por imigrantes europeus, a dança irlandesa era ensinada às crianças em escolas irlandesas – como a St. Brigid’s School em Buenos Aires, que mantém o ensino da dança até os dias atuais. O professor argentino aprovado no exame para jurado de dança irlandesa, Fernando, ressalta que o país dá grande importância à celebração da cultura de seus ancestrais e conta com feiras de comunidades por todo o país. Portanto, “com o tempo os alunos desenvolvem laços com suas origens na Irlanda e, com ela, desenvolvem um senso de orgulho e propriedade”, afirma.
![As apresentações também contam com saltos e “acrobacias”. [Imagem: Jackq/Dreamstime]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2021/03/dreamstime_s_15836652-660x439.jpg)
Fernanda ressalta que “nós brasileiros nunca vamos ser irlandeses. Não temos o corpo deles, não crescemos ouvindo a mesma rítmica e as mesmas músicas que eles, os nossos jeitos de ensinar são diferentes, os nossos motivos e os nossos estímulos para estar envolvidos com a dança irlandesa também são outros”. Dessa forma, é preciso lidar de forma especial com uma dança de tamanha relevância em seu país de origem.
St. Patrick’s Day
Atualmente, o Dia de São Patrício é comemorado por todo o mundo. Embora a América do Norte abrigue as maiores produções fora da Irlanda, também são vistas celebrações na Austrália, Rússia, Japão, Argentina e muitos outros países. No Brasil, as principais cidades que comemoram o St. Patrick’s Day são Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre.
St. Patrick’s Day é, na verdade, uma festa religiosa no período da Quaresma cristã, quando as famílias irlandesas costumam ir à igreja pela manhã e comemorar nas ruas e pubs à tarde. São Patrício, de origem britânica, teria sido o principal responsável por difundir a religião cristã na Irlanda. Há mais de mil anos atribui-se ao dia 17 de março a celebração do santo padroeiro irlandês, sua suposta data de morte.
![Comemorações do St. Patrick’s Day na Irlanda do Norte. [Imagem: Ardfern/Wikimedia Commons]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2021/03/St_Patricks_Day_Downpatrick_March_2011_045.jpg)
Fernanda Faez conta que essa é a época do ano em que mais trabalha, já que tem muitos pedidos para a dança estar em diferentes espaços, e vê um crescimento cada vez maior no interesse dos brasileiros pela cultura irlandesa. Contudo, ela acredita que “isso se deve muito mais a uma jogada comercial e de marketing, que amarra toda uma rede de interesses: escolas de intercâmbio, pubs, cervejarias. Então é uma data de bastante consumo e é um nicho que foi descoberto.”
Fernando confirma que “hoje em dia, o St. Patrick’s Day é mais um negócio do que qualquer outra coisa, assim como o Dia de São Valentim (14 de fevereiro, Dia dos Namorados nos Estados Unidos e na Europa)”. Mas acrescenta que a enorme exposição que vem com as apresentações em locais diferentes sempre atrai novos alunos, o que contribui para a manutenção e difusão da cultura e da dança irlandesa.