O maior encanto possível na ficção científica é, com a ciência que nós conhecemos, imaginar até o inimaginável. Arthur C. Clarke é um mestre absoluto nisso, como prova seu livro mais ilustre, 2001: Uma Odisseia no Espaço, imortalizado em imagens por outro mestre, Stanley Kubrick.
Encontro com Rama, publicado pela Editora Aleph, é outra obra célebre de Clarke, embora ainda não tenha sido transportada para as telas (apesar da luta de Morgan Freeman para fazê-lo). Há nela muita coisa em comum com 2001: estamos no espaço, somos capazes de povoá-lo com tecnologias não muito difíceis de conceber – mesmo em 1972, quando o livro foi lançado –, e há algo indicando que não estamos sozinhos no universo.
Acontece que, em Encontro com Rama, essa última questão, que talvez seja a que mais nos intriga quando pensamos no espaço, é a principal. Clarke diz, em sua frase mais conhecida: “Existem duas possibilidades… Ou estamos sozinhos no universo ou não estamos. Ambas são igualmente aterrorizantes.” Nesse livro, somos colocados pouco a pouco diante dessa questão quando Rama, uma espécie de asteroide que depois se revela como um gigantesco terrário alienígena, adentra nosso Sistema Solar. Se, por um lado, parece reconfortante descobrir que existe mais alguém povoando o espaço, paira no ar uma dúvida enorme quanto ao que isso significa. Somos capazes de conter um ataque alienígena? Seria possível tentar diplomacia com um povo “ramano”?
“Existem duas possibilidades… Ou estamos sozinhos no universo ou não estamos. Ambas são igualmente aterrorizantes.”
Arthur C. Clarke
Clarke conduz a questão de maneira magistral, não pela presença de grandes imagens líricas ou por uma construção complexa de personagens humanos (embora os dilemas do comandante Norton sejam muito cativantes), mas pela maneira como utiliza a ciência para desenvolver o personagem principal da história: Rama.
Aqui, a ciência que nós conhecemos – como observação astronômica, força centrífuga ou análise de massa de um corpo por meio de seu campo gravitacional – nos dá pistas para montar, junto com os exploradores de Rama, o quebra-cabeça científico do inimaginável.
Em muitos momentos, somos alertados de que não há como se orientar facilmente em Rama: não há porque esperar que qualquer coisa de lá adeque-se ao que entendemos como normal na Terra. E, diante dos objetos “ramanos”, mal conseguimos concebê-los, apesar das descrições detalhadas de Clarke, justamente porque eles também não parecem com o que conhecemos (nem há motivos para que pareçam).
Mesmo a gravidade de Rama, simulada pela força centrífuga de sua rotação, é difícil de compreender: partindo da gravidade zero do eixo, você pode escolher se estará subindo ou descendo uma escada; não há referencial. A única coisa que temos à nossa disposição é a ciência, que, mesmo em um mundo que mal conseguimos imaginar, é válida: com ela vamos resolvendo os enigmas de Rama como se fossemos os exploradores.
Naturalmente, a importância da ciência para a narrativa é também um ponto problemático: o livro é bom mesmo se você não entender bulhufas de física ou astronomia? Bom, ainda que Clarke não se detenha em explicações, e com isso o livro perca didatismo e ganhe fluidez, é sempre possível entender como a ciência está criando novas descobertas na narrativa, mesmo sem conhecimento prévio algum. No entanto, saber ao menos a física do Ensino Médio faz tudo ficar mais interessante, e, mesmo que você abomine essa área do conhecimento, essa obra pode ser uma ótima chance de descobrir o quanto a ciência pode ser divertida.
Encontro com Rama é, assim, um exemplo do que a ficção científica tem de melhor: não se imagina uma nova ciência, mas, por meio dela, imagina-se muito mais do que podemos conceber. Mesmo lançado há quase 50 anos, o livro tem o dom Shakespeariano de falar sobre um problema universal – o encontro com o desconhecido – e a capacidade de mostrar a magia de princípios científicos elementares. Assim, o livro permanece, seja como metáfora, problema astronômico ou filosófico, aterradoramente atual.
*Imagem de capa: Reprodução/Editora Aleph.
Perfeito