O diretor turco Nuri Ceylan possui como forte característica cinematográfica a ideia de retratar em seus filmes personagens comuns – pessoas que não se destacam por serem extravagantes, ou inesquecíveis: o motivo de elas serem especiais, aos olhos de Ceylan, é o fato de serem indivíduos da vida cotidiana. Com poucos diálogos e menos ação ainda, visa a especulação das emoções e pensamentos dos protagonistas pelo próprio espectador, fazendo quem assiste se sentir também parte do filme. Em Era uma vez em Anatólia (Once Upon a Time in Anatolia, 2011) premiado pelo Grande Prêmio de Júri no Festival de Cannes (2011), não é diferente.
O filme, misturado às particularidades do diretor, utiliza um pouco de suspense policial e do cenário típico do cinema western (conhecidos como “filmes de cowboys” ou “filmes de faroeste”). Seu lado policial, nada similar com o andamento acelerado de crime, investigações turbulentas e punição, de séries como “C.S.I”; se constrói na ideia central do filme: a busca pela localização de um corpo sepulcrado dentre as colinas da região. Enquanto seu aspecto “faroeste” fica por conta do conceito de desbravamento e busca, da relação de companheirismo entre homens com confrontos pessoais e histórias de vida diferentes. Dessa forma, conta com a belíssima fotografia e com a curiosidade do espectador para prendê-lo durante as suas duas horas e meia de duração, sem cenas de ação e com um ritmo bastante lento, sem a pressa típica de filmes hollywoodianos.
Caminhando pelo cenário monótono da região de Anatólia (parte asiática da Turquia), uma caravana, formada por policiais, coveiros, advogados e um médico legista, além de dois suspeitos de homicídio, viaja pelas estepes da região. Passam por dentre estradas sinuosas, tendo sempre a impressão de que algo novo e diferente vai surgir por trás de cada nova colina, mas vemos sempre o mesmo horizonte, os mesmo caminhos estreitos, que desaparecem para depois continuarem.
O motivo da viagem, que atravessa a madrugada, é a procura do local onde Kenan, um dos suspeitos do assassinato, enterrou a vítima. Justificando-se dizendo estar alcoolizado quando cometeu o crime, o homem não consegue se lembrar onde exatamente deixou o corpo, confuso também pela similaridade do cenário. Exaustos da procura vã, os homens se abrigam improvisadamente numa casa próxima à região onde estavam. Enquanto os policias discutem sobre o curso da investigação, o espectador ainda desconhece a causa do crime, e até mesmo qual a relação do criminoso com a vítima parece confusa.
Quando a projeção já acontece a mais de uma hora, o primeiro rosto feminino aparece na trama. Sobre a luz de um lampião, com uma bandeja de bebidas, o bonito rosto da jovem aparece de forma quase fantasiosa, despertando os homens atordoados e cansados da longa viagem. Kenan, o suspeito, quando vê a jovem passa por um momento de alucinação, repleto de culpa pelo ocorrido.
Em paralelo com o enredo central, uma outra história se é contada entre as conversas dos homens durante a diligência: a de uma jovem morta, segundo o promotor que narra o caso, porque “disse que era hora de morrer”. Não tendo sido averiguada a causa física da morte, o médico diz suspeitar de suicídio por parte da protagonista, levantando assim questões perturbadoras para o narrador da trama, quem diz tal ideia ser absurda – porém permanecendo inquieto por conta desse novo ponto de vista.
Apesar de ter um assassinato como principal acontecimento, derivando a partir dele todas as cenas e história do filme, essa é a parte mais irrelevante. A morte é retratada visando suas consequências e seu impacto na vida daqueles próximos à vítima. As cenas emocionantes do longa ficam por conta da aparição da esposa e do filho do falecido, em dois momentos em especial: quando encontram Kenan, culpado pela morte, e quando a mulher vai até o hospital fazer o reconhecimento do corpo.
Era um vez em Anatólia ganha pontos por sua fotografia. Seu cenário quase sempre noturno são autênticos quadros vivos. Porém exige uma concentração muito grande por sua lentidão, fazendo com que você mude de posição na cadeira por diversas vezes. Se conseguir superar toda essa calmaria, vai descobrir um filme que representa em suas entrelinhas, o retrato de uma sociedade estratificada e conservadora.
Por Ana Luísa Abdalla
anita.abdalla.usp@gmail.com