Jornalismo Júnior

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O triunfo da modernização: 15 anos do fechamento do Parque Antártica

Após 1570 partidas e 3693 gols marcados no antigo estádio em mais de um século de história, o Palmeiras aderiu à modernidade das arenas
Por Nina Nassar (niiina@usp.br) e Hellen Indrigo Perez (hellenindrigoperez@usp.br)

Em 2010, o Palmeiras se despediu de sua antiga casa – o estádio Palestra Itália – para iniciar uma reforma que resultou na construção do Allianz Parque, arena multiuso que agora abriga o clube alviverde. Porém, muitas décadas antes de se tornar uma luxuosa arena, o local – também conhecido como Parque Antarctica – já era palco de inúmeros momentos importantes para o clube, que ficaram marcados no coração dos torcedores.

A primeira casa

Apesar de seu último capítulo ter sido escrito recentemente – em 2014 -, a história do espaço que hoje abriga o Allianz Parque já vem sendo construída há mais de um século, e atravessou diversas mudanças ao longo dos anos. Tudo começou em 1902, quando a Companhia Antarctica Paulista – até então uma produtora exclusivamente de cervejas – transformou o local onde funcionava a sua cervejaria em uma grande área pública de lazer. 

Em 1920, a Companhia transferiu sua sede para o bairro do Mooca e investiu em produções diversificadas, como a Soda Limonada e o Guaraná Antarctica [Reprodução/Youtube: Drone na Trilha]

Com 300 mil m², o chamado Parque da Antarctica Paulista reunia uma grande extensão de área verde, restaurantes, parques infantis, locais para piquenique, áreas destinadas à prática de esportes, entre diversos outros atrativos. Além de pistas de atletismo e quadras de tênis, o espaço esportivo do parque também contava com um dos primeiros campos de futebol da cidade de São Paulo, com capacidade para dez mil pessoas. 

Em pouco tempo, o local se consolidou como palco para a prática de uma paixão que começava a atingir o Brasil. A primeira partida oficial de futebol no país se passou ali, no dia 3 de maio de 1902, quando o Mackenzie College derrotou o Germânia (atual Esporte Clube Pinheiros) por 2 a 1 na abertura do primeiro Campeonato Paulista. A expansão desse esporte fez com que a empresa passasse a alugar o campo para clubes locais.

O Germânia – equipe de origem alemã – foi o primeiro a se tornar locatário do espaço, mas repassou o contrato ao América FC (clube já extinto) no decorrer da Primeira Guerra Mundial, período em que diminuiu suas atividades. Por sua vez, o América FC precisou sublocar o campo em 1917 devido a problemas financeiros, e firmou um acordo com o Palestra Itália, time formado por imigrantes italianos – que até então realizava seus treinos na Vila Mariana. Segundo o contrato, o América usaria o espaço às terças, quintas, sábados e domingos na parte da manhã, enquanto o co-locatário poderia utilizar a estrutura nos mesmos dias, porém na parte da tarde. 

A “Loucura do Século”

No dia 27 de abril de 1920, o Palestra Itália formalizou a compra do campo e de parte do terreno do Parque Antarctica por 500 contos de réis. A negociação ficou conhecida como “A Loucura do Século”, por conta do alto valor a ser desembolsado e das condições desfavoráveis de pagamento. Metade do valor foi pago à vista – com o apoio das Indústrias Matarazzo e de doações -, enquanto o restante foi quitado em duas parcelas anuais de 125 mil contos de réis. Além disso, o contrato também exigia a venda perpétua de produtos da Companhia Antarctica dentro do espaço.

Durante entrevista ao Arquibancada, o jornalista e historiador Fernando Galuppo afirmou que a relação entre a torcida palestrina e o Parque Antarctica foi “umbilical”. “Desde a formação do Palestra Itália, na primeira reunião, já se discutia a ideia de ter uma casa. Havia um conceito bem italiano marcado nas discussões, que dizia que um grande clube é como uma família, e só teria longevidade a partir de um grande lar”, afirma. Sob essa perspectiva, o campo adquirido era visto como um local de acolhimento aos palestrinos e ao futebol de modo geral.

Em sua primeira partida como mandante após se tornar o proprietário legítimo do espaço, o Palestra Itália goleou o Mackenzie por 7 a 0. Essa vitória iniciou uma nova trajetória que cresceu ainda mais com o primeiro título de campeão paulista, conquistado pelo clube naquele mesmo ano. O sucesso sobre o gramado incendiou o sonho do Palestra de transformar o campo do Parque Antarctica em um verdadeiro estádio.

Localização do Parque Antártica, ao lado da Avenida Francisco Matarazzo
A avenida ao lado do estádio foi renomeada em homenagem ao conde Francisco Matarazzo, que ajudou na compra do local e adquiriu uma fração do Parque quando o Palestra Itália enfrentou dificuldades na quitação da última parcela [Reprodução/Youtube: TV Palmeiras Sportingbet]

Em março de 1929, o clube iniciou as reformas no espaço. O Stadium Palestra Itália foi inaugurado em 1933, com arquibancadas estruturadas com concreto armado e capacidade para 30 mil pessoas. Na época, foi considerado o maior e mais moderno estádio do país. No jogo de estreia, o time goleou o Bangu por 6 a 0, em uma partida válida pelo Torneio Rio-São Paulo.

Arrancada Heroica: Palestra morre líder, Palmeiras nasce campeão

No contexto da Segunda Guerra Mundial, o Estado Novo de Vargas, de forma contraditória à sua essência ditatorial, posicionou-se do lado dos Aliados. Em 11 de março de 1942, foi homologada sob decreto de número 4.166 a determinação de que todos os bens pertencentes a italianos, alemães e japoneses, tanto pessoas físicas quanto jurídicas, poderiam ser confiscados e empregados pelo governo brasileiro. 

Fernando Galuppo, jornalista e historiador, afirmou em entrevista para o Arquibancada: “Você tem um Brasil sendo conduzido a partir de premissas do Estado Novo, com Getúlio Vargas imprimindo uma ideia de nacionalismo ao modelo fascista e nazista, obviamente sem tanta beligerância, mas com as mesmas premissas. Muitos modelos de conduta dele na política, nas leis, na forma de agir, são inspirados nesse tipo de totalitarismo. E isso vai se reverter, e vai se refletir em absolutamente tudo aqui em São Paulo. Naquele período sempre havia a simbologia do inimigo. O Brasil vai tomar uma posição mais afirmativa em 1942, quando ele estabelece que mesmo pessoas que não tinham absolutamente nenhuma conexão com o conflito tivessem que pagar o preço por uma guerra odiosa, que mal eles entendiam o que estava acontecendo.” A partir de então, instituições e até mesmo cidadãos tiveram que mudar de nome para apagar qualquer semelhança com países ligados ao Eixo.

Os italianos eram os maiores alvos de repressão da elite brasileira, que via como inadmissível o sucesso e prosperidade destes imigrantes (que fugiram de um clima de tensão em seu país de origem), pessoas desprovidas de qualquer tipo de qualificação empreendedora. Vieram para o Brasil para serem operários, como a mão de obra barata massiva para as lavouras de café e fábricas. O Palestra Itália, clube esportivo que simbolizava a resistência do legado cultural e união italiana em São Paulo, precisou mudar o seu nome para não ter o Parque Antárctica confiscado – estádio que tanto lutaram para adquirir em 1920.

O Palestra Itália, até então líder do Campeonato Paulista, cumpriu as exigências governamentais trocando seu nome para “Palestra de São Paulo”; precisou, também, tirar a cor vermelha do escudo institucional e substituí-la pelas cores verde e amarela (não coincidentemente, as da bandeira nacional). No entanto, alguns meses depois, a repressão ficou clara quando o governo Vargas intimou a equipe a excluir a palavra “Palestra”, com a justificativa de que fazia referência à Itália, apesar da etimologia da palavra ser grega. 

Segundo Galuppo, havia um elemento de xenofobia muito forte naquele período. O Estado emanava uma mensagem clara à população de que o elemento estrangeiro era nocivo à pátria, com uma exacerbação do nacionalismo. O imigrante era visto como um inimigo da nação,  uma quinta coluna e um traidor. Por conta disso, ele receberia o peso da lei. O jornalista conta também que em uma  reunião em 1942, por conta de todos esses movimentos, os policiais do Serviço de Segurança Internacional, entram e param a conferência do Palestra Itália. 

Na ocasião, havia 250 conselheiros e diretores, em uma reunião ordinária do clube. Na listagem dos presentes, separou-se quem eram os brasileiros, quem eram os italianos e quem eram os ítalo-descendentes. Esses brasileiros são convidados a se retirar da reunião, enquanto todos os outros, ítalo-descendentes e italianos, são registrados como inimigos da pátria; eles são obrigados a assinar uma ficha de exceção e  automaticamente destituídos do clube. Toda uma comunidade, por conta da sua origem étnica, paga um preço ideológico. O nome Palmeiras, assim, apareceu devido à enorme quantidade de Palmeiras nos arredores do Parque Antártica e como homenagem à extinta Associação Atlética Palmeiras.

Jogadores do Palmeiras entram em campo com a bandeira do Brasil
 Os jogadores esmeraldinos, apreensivos com a torcida antipalmeirense que se preparava para vaiá-los e ofendê-los, acataram a ideia do Capitão Adalberto Mendes (vice-presidente militar escolhido para passar ao governo e à população uma imagem patriota da equipe) de entrar em campo carregando a bandeira do Brasil [Reprodução: Wikimedia Commons]

No dia 20 de setembro de 1942, o Palmeiras entra em campo pela primeira vez, em um jogo decisivo do título paulista, contra o São Paulo no Pacaembu. A torcida rival calou-se já no primeiro minuto de jogo e permaneceu assim até o final, quando o São Paulo abandonou a partida após um pênalti marcado para o clube alviverde, que já tinha vantagem com um placar de 3 a 1. Consagrando o Palmeiras como campeão paulista, os gols da partida foram feitos por Cláudio, Del Nero e Echevarrieta. Galuppo destaca que a Arrancada Heróica tem um simbolismo muito além daquela partida de 20 de setembro, representando a força e o idealismo daqueles que tanto lutaram para que hoje a alcunha de maior campeão do Brasil possa ser celebrada com orgulho. “Isso só se provou com muito trabalho e com muito amor, de geração para geração”.

Era Parmalat: “Nem celebrar o palmeirense celebra, ele desabafa”

A década de 90 começou pessimista para o Palmeiras. Desde o Paulistão de 1976, conquistado no Parque Antártica, o time não conseguia ganhar um único título. O clube parecia praticamente morto aos olhos da mídia – um torcedor com menos de dezessete anos não sabia o que era ver o time campeão. Em 1992, com a parceria com a Parmalat, empresa grande no mercado de laticínios, a sorte do clube começou a virar: venceu títulos paulistas em 1993, 1994, 1996 e a Copa Mercosul, em 1998, sendo os dois últimos conquistados dentro do Parque Antártica. 

Jogadores no vestiário, rezando e se abraçando antes de entrar em campo na final da Libertadores. “Estamos juntos, mais do que nunca, e para toda e qualquer situação”, disse Felipão em seu discurso pré-jogo [Reprodução: Youtube/Canal Palmeiras]

Em 16 de Junho de 1999, pela primeira vez, a América foi pintada de verde e branco. O Palmeiras levantava a taça da Libertadores, no Parque Antártica, no que, até então, era provavelmente o momento mais glorioso de sua história. Como em outros momentos de seu passado, o Palmeiras havia perdido o jogo de ida da final para o Deportivo Cali, da Colômbia, por 1 a 0. No jogo de volta, em casa, as coisas foram diferentes: o ídolo Evair empatou o jogo com um pênalti mas, em sequência, tomou outro gol. Óseas, com um chute do meio da área, causou o empate e levou o jogo para os pênaltis. Essa disputa demonstrou toda a garra do time que hoje é conhecido por “time da virada” (sina que parece persegui-lo desde muito antes da era Abel Ferreira). Esse título significaria para o palmeirense o fim definitivo dos anos de azar,  um respiro necessário após ter batido na trave duas vezes, em 61 e 68, na tentativa de vencer o campeonato.

No primeiro pênalti, Zinho chuta no travessão e o Parque Antártica ficava calado. O Palmeiras se compromete a não errar mais e não erra. São Marcos pula para o lado esquerdo enquanto a bola bate na trave. “Se você olhar o vídeo do jogo, vai reparar que, enquanto me preparo para a quarta penalidade, fico repetindo uma frase em voz baixa. Na verdade, eu estava rezando. Já se passaram 20 anos, mas ainda me lembro direitinho como aquela oração terminava: ‘Oh, meu Deus, me ajuda a acertar o canto’”, disse Marcos. Ele foi o primeiro goleiro da história a ser eleito o melhor jogador da Libertadores. 

“Pelo silêncio, dava para ouvir a angústia do torcedor. Quando Zapata se aproximava para o último pênalti, em uma espécie de premonição, a torcida gritava ‘fora’, ‘fora’, ‘fora’. Só dava para ouvir isso no estádio”

Fernando Galuppo

Com um gol do Euller e um chute para fora de Zapata, o Palmeiras se consagrava Campeão da Libertadores da América, e o Parque Antártica se iluminava. Esse título, de repente, se tornou tudo que aquela torcida já precisou; foi um grito de alívio e de liberdade, depois de anos de luta.

Time titular do Palmeiras durante a disputa de pênaltis [Reprodução: Youtube/Canal Palmeiras]

O fim de uma era

Há 15 anos, após muitas décadas de história, o Palmeiras disse adeus ao Palestra Itália. Uma festa de despedida foi realizada no dia 9 de julho de 2010, e contou com homenagens a ídolos do clube. Uma arquibancada lotada teve a oportunidade de assistir a dois jogos, um deles realizado entre jogadores que ficaram marcados na história do Palmeiras, divididos em dois times. Um amistoso contra o Boca Juniors também ocorreu no estádio, e marcou a última vez que o clube alviverde jogou sobre o gramado de sua antiga casa.

Após o evento, o Palestra Itália foi fechado para o início das obras que resultaram na construção do Allianz Parque. A demolição do antigo estádio foi concluída em 2011, mas três anos ainda se passaram até a inauguração da arena multiuso que tomou o espaço. No dia 19 de novembro de 2014, a nova casa do Palmeiras recebeu o público nas arquibancadas pela primeira vez, em um jogo contra o Sport Club do Recife pela trigésima quinta rodada do Campeonato Brasileiro. A partida entrou para a história com um recorde de arrecadação entre os jogos dos grandes times paulistas realizados no estado. Desde então, o clube já ergueu oito taças sobre o novo gramado.

Construção do atual Allianz Parque
O Allianz Parque foi nomeado dessa forma após a venda de naming rights para a seguradora alemã Allianz, por um período de 20 anos [Reprodução/Youtube: TV Palmeiras Sportingbet]

A transformação da área que um dia abrigou o Parque Antártica em uma luxuosa arena – com capacidade para 43.713 pessoas – derivou de um acordo entre o Palmeiras e a Real Arenas, empresa pertencente ao grupo WTorre. A empresa será responsável pela administração do espaço por um período de 30 anos, e o clube terá participação nas receitas geradas por eventos realizados no local. Porém, diversas disputas judiciais marcaram a relação entre a Real Arenas e o clube, que afirma não ter recebido repasses monetários previstos no contrato. Em 2024, um acordo firmado entre as partes pôs fim ao conflito, além de possibilitar uma maior autonomia no uso do espaço pelo Palmeiras.

Segundo Fernando Galuppo, os percalços são pequenos se comparados ao desempenho oferecido pelo equipamento disponível e pela força esportiva e financeira do estádio como um todo. “O que foi feito pela coletividade nada mais é do que uma evocação histórica do Palestra Itália, que vem se provando, 15 anos depois, como algo assertivo. A retomada do protagonismo do clube está interligada à era Allianz Parque”, aponta. 

*Imagem de capa: Flickr

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