Mesmo com importantes funções e uma rica história, a construção ainda é desconhecida por muitos
Por André Netto (andrenetto82005@gmail.com) e João Pedro Malar (joaopedromalar@gmail.com)
Desde a proclamação da República em 1889, o presidente sempre teve um local, normalmente suntuoso, destinado ao seu trabalho. A primeira sede do poder executivo republicano brasileiro foi o Palácio do Itamaraty, seguido pelo Palácio do Catete, ambos no Rio de Janeiro, até que se iniciou a construção de Brasília e do Palácio do Planalto, atual local de trabalho do presidente (ou da presidenta) da República.
Mas, afinal, qual a história por trás da edificação do Palácio e qual é a sua função atual?
Primeiras sedes do Poder Executivo
Assim como nossos vizinhos argentinos, também possuímos nossa própria Casa Rosada. Construído em meados do século XIX, o Palácio do Itamaraty tem arquitetura neoclássica, recuperando o estilo greco-romano, e possui um jardim interno, um espelho d’água orlado por duas alas de palmeiras imperiais centenárias, além de rica decoração interna. Em 1930, foi inaugurado um novo prédio, construído com as tecnologias mais avançadas da época (vindas de EUA, Inglaterra e Alemanha), que abriga uma biblioteca
Em 1889, a casa foi vendida ao governo republicano e ocupada pela Presidência, mas por apenas dez anos. A partir de então, o Itamaraty tornou-se sede do Ministro das Relações Exteriores (MRE), até 1970, quando se construiu outro palácio com o mesmo nome em Brasília. Tamanha foi a identificação do palácio com o ministério que o termo “Itamaraty” passou a ser codenome oficial da diplomacia brasileira.
Atualmente, o prédio sedia o Escritório de Representação do MRE, o Museu Histórico e Diplomático, o Arquivo Histórico, a Biblioteca Histórica e a Mapoteca Histórica do Itamaraty, além do Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD). Nesse último estão os principais registros da história diplomática brasileira.
A próxima casa do Poder executivo foi o Palácio do Catete. Residência do barão de Nova Friburgo, Antônio Clemente Pinto, até que, em 1889, este faleceu e o imóvel foi vendido para um grupo de investidores. O Palácio foi transformado em um hotel de luxo, mas o empreendimento não deu certo e faliu em pouco tempo. O conselheiro Francisco de Paula Mayrink adquiriu o prédio e depois usou-o para quitar suas dívidas junto ao Banco do Brasil.
Quando Manuel Vitorino assumiu a presidência da república, em 1896, após Prudente de Morais ficar doente, transferiu a sede do governo para o Palácio do Catete. Até a mudança para o Palácio do Planalto em Brasília, o local foi palco de inúmeros eventos históricos: a morte do presidente Afonso Pena em 1909, a declaração de guerra contra o Eixo em 1942 e o suicídio de Getúlio Vargas, com um tiro no coração, em 1954. Hoje, sedia o Museu da República.
A última transferência de sede do Poder Executivo Republicano brasileiro se iniciou com a posse de Juscelino Kubitschek, em 1956. Ele traçou um plano de governo ousado, que consistiria em 50 anos de progresso em 5 anos de governo. Tal ideal desenvolvimentista foi consolidado no Plano de Metas, um conjunto de 30 objetivos a serem alcançados em diversas esferas. Por fim, foi adicionada uma 31ª meta, que nortearia seu governo: a construção de Brasília e a transferência da capital.
Essa ideia surgiu ainda no Brasil colônia, mas apenas com JK foi executada. A partir de vários estudos geográficos realizados nos anos anteriores, o local no qual a cidade seria levantada foi demarcado, no meio do Planalto Central.
Construção da cidade e do Palácio do Planalto
Em 19 de setembro de 1956, foi criada a empresa estatal Novacap, com o intuito de viabilizar a construção da nova capital. O engenheiro Israel Pinheiro foi nomeado seu presidente. O edital para a escolha do projeto urbanístico foi marcado para o ano seguinte. Concorreram 26 projetos, dos quais 16 foram eliminados na fase prévia. No final, o grande vencedor foi o de Lúcio Costa.
O resultado foi bem polêmico, já que para uns a ideia de Lúcio não passava de um rabisco, enquanto que para outros era algo simplesmente brilhante. Um exemplo da grande discussão gerada foi o fato de o representante do Instituto de Arquitetos do Brasil ter abandonado o júri por conta da decisão final.
As construções começaram naquele mesmo ano, e a grande maioria dos prédios foi construída em apenas três anos. Enquanto o Palácio do Planalto não ficava pronto, a sede do Poder Executivo Federal funcionou no Palácio do Catetinho, um sobrado de madeira, inaugurado em 1956 nos arredores de Brasília. No dia 21 de abril de 1960, o Palácio do Planalto foi inaugurado, o centro das comemorações da construção de Brasília. Marcou, assim, a transferência da capital.
Funções do Palácio atualmente
O Palácio do Planalto possui, desde a sua construção, a função de servir como local oficial de trabalho do Presidente da República: o Gabinete Presidencial. É nesse espaço que o chefe do poder executivo faz suas ações diárias – ratificações ou vetos dos projetos de lei aprovados pelo Congresso Nacional e determinação de anúncios, nomeação de cargos e outras decisões de vital importância para o funcionamento do país.
É nesse edifício que se localizam três ministérios interligados com o funcionamento interno da presidência da República: Casa Civil, Secretaria-Geral da Presidência da República e Gabinete de Segurança Institucional.
O primeiro ministério possui a função de ajudar o governo a gerenciar e integrar todas as suas funções. O ministro possui ligação direta com o presidente e é considerado um aliado próximo e influente. O ministério é responsável por analisar a legalidade de propostas que chegam à mesa do presidente, além de garantir que elas sigam as diretrizes orçamentárias e políticas do governo. É ele também o responsável pela publicação dos atos oficiais do governo.
A Secretaria-Geral possui a função de realizar uma articulação do governo com os membros da sociedade civil, como sindicatos, empresas, organizações não governamentais, entre outros. Além disso, é ela a responsável por moldar a agenda do governo, determinando horários de visitas e pronunciamentos, também ajudando na elaboração desses ótimos. Por fim, a lei 10.683/03, que determina as funções do ministério, estabelece que o presidente pode dar a esse órgão “outras atribuições que lhe forem designadas pelo presidente da República”, por isso, acaba sendo considerado como uma espécie de faz-tudo do presidente.
Por último, o Gabinete de Segurança Institucional é responsável por assessorar e informar o presidente em assuntos militares e ligados à segurança nacional. Em 2015, o Gabinete de Segurança Institucional, a Secretaria-Geral e a Secretaria de Relações Institucionais, Micro e Pequena Empresa foram unidos para formar a Secretaria de Governo. No ano seguinte, porém, o Governo Temer revogou a medida e as duas primeiras secretarias foram recriadas, com status de ministério.
Arquitetura do Palácio
Quando se fala do Palácio do Planalto e da cidade de Brasília como um todo, um dos grandes destaques dessas construções é a sua arquitetura. O planejamento da construção da cidade foi feito pelo urbanista Lúcio Costa, que desenhou a cidade, por Oscar Niemeyer, que fez todo o planejamento arquitetônico das construções, e pelo engenheiro Joaquim Cardoso, responsável pelos cálculos estruturais das construções.
Segundo o arquiteto Marco Dudeque, é muito provável que as cidades de Brasília e Chandigard — na Índia — sejam as únicas cidades modernas construídas a partir de um “pensamento de matriz claramente utópica”. A base do desenho de Lúcio Costa seria um eixo para os edifícios públicos administrativos, entre eles o Palácio do Planalto, e uma grande asa para abrigar as chamadas superquadras, que seriam os quarteirões da cidade.
Essas superquadras apresentam, segundo o arquiteto, “uma generosa proporção entre áreas verdes e áreas construídas”, criando um contraste de “cheios e vazios.” Dudeque ressalta que essa é a principal característica arquitetônica de Brasília, e só pode ser obtida em uma cidade com pouco adensamento populacional, caso do local escolhido para a construção da capital.
O Palácio do Planalto, nesse contexto, serve à função dada por Niemeyer a todos os seus projetos: representar um marco referencial arquitetônico. O arquiteto ressalta a grande beleza e elegância do edifício. Nesse sentido, a frase do crítico de arte francês André Malraux é muito oportuna: “as colunas do Palácio da Alvorada representam o evento arquitetônico mais importante desde as colunas gregas.”
Em relação às inovações do Palácio, Dudeque destaca “uma estrutura em planta livre sobre pilotis [colunas de sustentação que ficam no térreo da construção] com vãos bastante generosos”. Entretanto, o que mais lhe chama atenção é a junção da laje do pavimento térreo com pilares curvos, criando o que chama “poético ritmo”.
Vale ressaltar que a construção de Brasília como um todo — e, é claro, do Palácio do Planalto — é criticada por alguns arquitetos. As críticas giram em torno dos gastos com a construção, extremamente elevados e que oneraram o Estado, da validade da construção de uma nova capital, e do modelo urbano de Brasília, cuja divisão entre setores (bancário, hospitalar, diversões, embaixadas, habitacionais) praticamente obriga seus habitantes a fazer uso de automóveis.
Dudeque ressalta que a própria ideia de cheios e vazios, com amplas áreas verdes, aumenta a necessidade do uso de automóveis. Para ele, a cidade “é linda, sem dúvida, mas um tanto estéril ao mesmo tempo”.
O arquiteto também narra a vez em que encontrou Niemeyer e perguntou ao arquiteto o que ele achava das críticas à construção da cidade. Niemeyer respondeu que “você pode ir a Brasília, amá-la ou odiá-la, mas nunca vai ver nada igual no mundo.”
De qualquer maneira, as inovações arquitetônicas de Niemeyer não são o foco das críticas, e, na verdade, são exaltadas por praticamente todos que conhecem a capital do país. Dudeque resume a questão das críticas com uma única frase, levando em consideração todas as inovações de Niemeyer: “Brasília precisou acontecer.”
Como as pessoas veem o Palácio
É comum que políticos e jornalistas, ao se referirem a um presidente e seu governo, façam isso com o uso da expressão “O Palácio do Planalto”. A ideia é bastante simples: associar o local de trabalho do presidente ao próprio. Nos tempos atuais, em que a cobertura política brasileira ganha cada vez mais atenção da população, o uso dessa expressão pelos grandes meios de comunicação é quase que diário. Mas será que as pessoas sabem o que é o Palácio, sua função e o associam imediatamente ao presidente?.
Foi buscando essa comprovação que a J.Press foi para as ruas da cidade de São Paulo e entrevistou transeuntes pela famosa Avenida Paulista. No geral, as respostas foram surpreendentes. De todos os entrevistados, apenas um associou o Palácio do Planalto à figura do presidente. Ele, que não quis se identificar, disse que a primeira coisa que vem a sua mente quando se fala do Palácio do Planalto é a figura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Também existiram respostas mais genéricas, que associaram o edíficio aos políticos e à política no geral, compondo a maioria das respostas das entrevistas. Para Sara, por exemplo, o Palácio é “um prédio cheio de políticos que nem sempre fazem as coisas para a população, mas sim para o bem próprio”. Lucas diz que é “lá que se tomam as decisões mais importantes do país”.
Nota-se, a partir dessas respostas, que existem pessoas que sabem da importância do Palácio, mas que não conseguem precisar exatamente o que ocorre lá e quem o ocupa.
Já João disse associar o Palácio “às duas câmaras”. A associação foi feita pensando no Congresso Nacional, e não no Palácio do Planalto. Também houve respostas que associaram o edifício à sua destacada arquitetura, uma de suas principais e mais reconhecidas características.
Júlia, estudante de arquitetura, diz que o Palácio é “inovador, fixo, memorável”. Para outras pessoas, a associação com arquitetura ocorre quase que de forma inconsciente, como foi o caso de outra entrevistada que não quis se identificar. Perguntada sobre qual é a primeira coisa que vem a sua mente quando se fala do Palácio do Planalto, sua resposta foi: “Penso em arquitetura, não sei porquê”.
Considerando a ampla cobertura política, seria lógico pensar que as pessoas saberiam caracterizar o Palácio do Planalto com certa precisão. Afinal, como dito anteriormente, o edifício é constantemente utilizado para se referir à figura do presidente. Sem saber o que é o Planalto, é lógico imaginar que também não se entenderá por completo qualquer matéria que faça esse jogo de associações.
Também fica clara uma falha dos jornalistas. É importante conhecer o público para o qual se fala. Antes de constantemente usar o termo “Palácio do Planalto”, deve-se garantir que o público irá reconhecer essa associação.
Acima de tudo, é importante notar que a população, no geral, ainda não associa de imediato o Palácio do Planalto com o local de trabalho do presidente, ou a sede do poder executivo federal do Brasil, mesmo depois de 58 anos da inauguração do mesmo. Esse fato gera uma série de outros possíveis pensamentos preocupantes, mas, acima de tudo, demonstra como a política ainda é algo distante da maioria da população, e que são poucos aqueles que realmente a conhecem e entendem os elementos a ela associados.