Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Resenha | ‘Sex and the City’: Um retrato de relacionamentos, sexualidade feminina, drinks, grife e amizades

Sex and the City (1998-2004) é o epítome da moda e da cena cultural nova iorquina no início dos anos 2000, em forma de série
Personagens de Sex and the city
Por Clara Hanek (clarahanek@usp.br)

Baseado no livro semi-autobiográfico de mesmo nome de Candace Bushnell, o início de Sex and the City acompanha quatro amigas solteiras: Carrie Bradshaw (Sarah Jessica Parker), Samantha Jones (Kim Cattrall), Charlotte York (Kristin Davis) e Miranda Hobbes (Cynthia Nixon). O quarteto leva uma vida social agitada nas ruas de Manhattan e, entre os altos e baixos da vida amorosa cosmopolita e da busca por identidade, o que prevalece é o laço entre elas, mesmo com todas as suas diferenças. Os episódios, sempre cheios de dilemas, combinam drama e humor e resultam em uma das séries mais influentes e bem sucedidas dos anos 2000. 

Particularidades de cada uma

Carrie, a narradora protagonista, é jornalista e escreve a coluna periódica que dá nome à série, Sex and the city, em tradução livre: “Sexo e a cidade”. Os acontecimentos retratados nos episódios tornam-se os assuntos das matérias que ela escreve para a revista. Carrie se inspira não só na sua própria vida amorosa e sexual, como também nas de suas amigas e outras mulheres solteiras de Manhattan — além dos seus amigos gays. Ela é obcecada por saltos de designers, em especial os da Manolo Blahnik, que são mencionados muitas vezes. Seu guarda-roupa sempre transborda com as mais diferenciadas peças e ela cria looks estilosos — alguns até um pouco exóticos — durante todas as temporadas. Na mesma medida que há espectadores que a consideram a personagem mais irritante da série, existem os que se identificam com ela. A personagem não é idealizada ao extremo e comete os mesmos erros várias vezes, o que facilita a identificação de mulheres reais com o que aparece na ficção.

Samantha é executiva de relações públicas e, posteriormente, dona da própria empresa no ramo. Ela é caracterizada pela sua personalidade exibicionista e nada envergonhada quando se trata de tabus. Como a maior defensora da vida solteira e autossuficiente, ela muitas vezes desincentiva suas amigas a perseguirem relacionamentos, apesar de, em certos momentos, passar por eles — mesmo que não convencionais — também. Caracterizada pelo seu humor ácido, ela é uma grande protetora daqueles que ama. Samantha consegue para as amigas, por causa da sua profissão, ingressos para as melhores festas e reservas nos restaurantes mais badalados da cidade. 

Charlotte é marchand de arte e a romântica incurável entre as quatro. Ela é sonhadora, principalmente quando se trata de homens e relacionamentos. Contrária à Samantha, Charlotte tem vergonha de conversar sobre muitos assuntos com suas amigas e, na maior parte da série, assume essa postura mais conservadora, apesar de também se divertir com elas — e com homens. Suas características extremamente opostas à Samantha são utilizadas para um efeito cômico, além de embates constantes entre as duas amigas. Ela passa por uma jornada notável de desenvolvimento pessoal no que diz respeito a como se comporta em relacionamentos e a valorização de si. 

Miranda começa no episódio piloto com o objetivo de trabalhar até conseguir se tornar sócia da firma em que advoga. Ela passa pelos desafios de ser mulher em um campo corporativo dominado por homens, entrega muitos looks de escritório e é uma típica workaholic. Sendo a amiga mais antiga da Carrie entre as meninas, ela é a sua confidente e normalmente a primeira a ser contatada quando a protagonista precisa de ajuda. Por ser sua melhor amiga, as duas vivem uma amizade intensa e, apesar de sempre se apoiarem, constantemente brigam. 

Personagem experimentando saltos.
Na quarta temporada, Carrie estima que gastou, até então, 40 mil dólares em sapatos de designer [Imagem: Divulgação/Youtube/Rotten Tomatoes TV]

Quatro cosmopolitans, por favor!

Os looks icônicos do quarteto moldaram a moda do final dos anos 90 e início dos 2000. Do office siren de Miranda ao clássico da Charlotte, cosmopolita da Carrie e ousado da Samantha: todas elas foram ícones fashion e criaram tendências em suas próprias medidas.

“Todo ano as mulheres de Nova Iorque deixam o passado para trás e olham para o futuro. Isso é conhecido como a Semana da Moda.”

— Carrie Bradshaw

Tudo que a Carrie Bradshaw tocava, vestia, calçava e até bebia tornava-se ouro. A personagem influenciou o consumo das mulheres na época: quem não gostaria de ser legal e descolada como ela?

O product placement é bem utilizado pela produção: a série era a chance perfeita para marcas grandes firmarem sua influência e marcas menores serem inseridas no mapa da relevância. Um exemplo desse poder é um episódio da terceira temporada, em que a Magnolia Bakery aparece por 30 segundos. Depois disso, a doceria passou a vender 40 mil dólares em cupcakes por semana. Os bolinhos continuaram suas aparições durante a série e, em 2007, o estabelecimento batizou um sabor como Carrie.

Na época de lançamento, a construção da série e das personagens foi revolucionária ao representar a liberdade sexual feminina
[Imagem: Divulgação/Youtube/HBO]

Mais que isso, Sex and the City apresentou às massas marcas de grife que antes eram exclusivas ao conhecimento das elites, como a Hermés, Versace, Dolce & Gabbana, Fendi. Por outro lado, ao entrar na linha de influências negativas da série, destacam-se a glamourização do cigarro e o consumismo exacerbado. O último era constantemente incentivado, uma vez que a solução das meninas (principalmente da Carrie) para todos os problemas e chateações da vida era a retail therapy — ato de comprar com a intenção de melhorar o humor.

A influência começa no consumo e se estende até o comportamental. As refeições são o centro dos encontros na série. As mulheres conversam de forma desinibida  (para a angústia de Charlotte) sobre sexo enquanto almoçam no restaurante mais badalado da cidade, contam histórias do trabalho enquanto tomam café da tarde em um lugar charmoso e reclamam sobre homens com um drink na mão em uma festa exclusiva (que elas provavelmente conseguiram entrar pelas carteiradas da Samantha).

“Quando me mudei para Nova Iorque e estava sem dinheiro, às vezes eu comprava uma Vogue ao invés de jantar. Eu sentia que me alimentava mais.” 

— Carrie Bradshaw

Apesar de algumas falas duvidosas, como priorizar a compra de uma revista de moda em detrimento de comer, a série normalmente tem uma perspectiva positiva em relação a comida e mostra como essa é importante socialmente. As refeições das mulheres serem centradas em conversas sobre tudo que é de interesse feminino, mas pouco mencionarem calorias ou dietas, é essencial. Essas questões apareciam, no entanto, em momentos pontuais que, dado a raridade, se destacam.

Há uma cena, em um restaurante conhecido pelas suas sobremesas, em que Carrie pede um pedaço de bolo de chocolate e Charlotte pede uma salada de frutas. Em tentativa de se explicar, a última diz “Eu odeio minhas coxas” ao que a amiga responde “O problema não são as suas coxas, meu amor, o problema é a sua cabeça”. Carrie não incentiva a conversa tóxica e desvia o assunto para os seus sapatos novos.

Na época em que a magreza era mais endeusada na mídia e o padrão de beleza era o heroin-chic, foi refrescante uma série em que as mulheres se alimentavam sem a discussão central sobre engordar. É nítido que tal omissão foi proposital por parte da produção.

Personagens bebendo drinks no bar
A série incitou no público o desejo por drinks diferentes, com fundo doce frutífero: as muitas pedidas de cosmopolitan na ficção influenciaram o comércio e a forma como bebidas alcoólicas eram comercializadas para mulheres no geral
[Imagem: Divulgação/Youtube/ HBO]

Manhattan: o “quinto personagem” da série

O apelido “quinto personagem” dado pelos espectadores ao bairro é autoexplicativo. Manhattan, cenário de inúmeros filmes e séries, é muito mais do que um plano de fundo para os episódios. Elas não eram apenas mulheres que sofriam com seus relacionamentos e vidas profissionais, eram mulheres que sofriam com seus relacionamentos e vidas profissionais em Manhattan. A localização permeia todas as questões da série: a cena social tão importante de Nova Iorque é vista a partir da perspectiva de mulheres solteiras em busca do amor (ou de diversão).

O amor delas pelo bairro produz até um certo efeito de comicidade. Elas tratavam o Brooklyn — que é, literalmente, ao lado de Manhattan — como se fosse o fim do mundo. Com todas as suas peculiaridades e questões urbanas, é inegável a relevância de Manhattan no meio cultural, gastronômico e artístico. Para o quarteto, não há lugar mais legal que “a cidade” — apelido que elas usavam para Manhattan, apesar de ser um bairro de Nova Iorque.

“Lá estava ele, vestindo Armani em um domingo, Mr. Big”

Talvez ele seja o homem e interesse romântico mais importante (e enigmático) da série: Mr. Big. Além de ser esse o apelido que Carrie deu ao John para não falar seu nome real na coluna, o mistério cômico do nome dele na série representa a distância emocional do casal, mesmo quando estavam juntos. Na mesma linha, a sua ocupação profissional nunca é bem explicada. 

A brincadeira surge após o diálogo da série o descrever como um grande magnata, muito atraente e muito fora de alcance para a Carrie. “Big” traduz-se para “grande”. É similar a dar o apelido “Sr. Grande” à um homem porque ele parece “muito” em todos os aspectos — muito rico, muito bonito, muito longe da sua alça.

O real nome do Mr. Big, John, só é revelado no último episódio da série, em um momento incrível para quem acompanhou a trama por anos especulando como ele se chamava. Ele divide opiniões entre os espectadores, porque apesar da sua natureza controladora (e os vacilos amorosos), é muito charmoso e tem um sex appeal muito forte — que é o que chama atenção da Carrie inicialmente.

Importância da amizade entre mulheres

Carrie diz que a regra mais importante de um término de relacionamento é: não importa quem quebrou o seu coração ou quanto tempo demorará para curá-lo, você nunca vai passar por isso sem as suas amigas. O quarteto enfrenta milhares de questões da vida durante a série. De doenças complicadas e morte de pessoas amadas a términos e alguns dramas frívolos, o fator em comum de todas as situações é o apoio das amizades. 

A conexão firme entre mulheres forma uma rede de apoio para qualquer momento e deve ser cultivada para o bem estar feminino. Experiências compartilhadas, identificação sem julgamentos e suporte emocional compõem os aspectos de amizades femininas. 

Uma década depois: a vida não acaba aos 30 anos

A ideia de fazer filmes que mostrassem a vida das mulheres após o fim da série até fazia sentido, mas foi mal executada. Das avaliações negativas da crítica à rejeição dos próprios fãs, é seguro dizer que foi um pequeno fracasso. Dois filmes questionáveis foram lançados e as gravações do terceiro foram interrompidas no meio e nunca retornaram. A recente série derivada também não tem feito muito sucesso.

And Just Like That (2021 – presente), acompanha a vida de Carrie, Charlotte e Miranda mais de 10 anos após o fim de Sex and the City, ou seja, cronologicamente depois da dupla de filmes. Kim Cattrall escolheu não voltar para a série, o que faz o público especular os motivos da sua ausência e sentir falta de Samantha. A atriz passou por muitos desentendimentos com Sarah Jessica Parker, e essa parece ser a sua motivação para não voltar à continuação integralmente, apesar de ter feito uma participação especial.

O spin-off quer compensar as piadas antigas das temporadas originais que talvez não sejam bem encaradas nos parâmetros da atualidade. A série tem várias problemáticas que são percebidas hoje, mas no lançamento não chamavam atenção. No início dos anos 2000, era comum as séries de TV de comédia utilizarem as minorias para fazer piada. Não só isso, mas não havia inclusão de atores negros ou gordos, por exemplo. 

Ao dar destaque à corpos mid-size, personagens negros em posição de poder e pessoas não binárias, a continuação é uma forma de reparar o que foi feito antes. Apesar de haver uma certa representação homossexual anteriormente, até porque a série representa o que de fato estava acontecendo nas ruas de Manhattan no início do milênio, o que era esteriotipado e retratado como gays, lésbicas e bissexuais (os últimos, alvo das críticas bifóbicas da Carrie), tornou-se um panorama muito mais aberto.

Com muitas personagens novas e interessantes, a trama, com três temporadas, apresenta problemas que todas elas enfrentam em comum: como lidar com a perda da juventude, pressões estéticas relacionadas ao envelhecimento e mudanças de carreira aos 50 e poucos anos.

A volta de Sex and the City: a Gen Z virou o público principal

Desde a estreia, Sex and the City nunca saiu de moda e da TV dos espectadores. No entanto, com a facilidade criada pelos streamings (HBO Max e agora Netflix), a série continua a quebrar recordes de audiência nas plataformas. Um ponto importante é o lançamento de And Just Like That, que com certeza influenciou uma camada nova de jovens a assistirem a série antiga, mas, além disso, o Tiktok cumpriu importante papel na sua promoção. Com muitos áudios que se tornaram trends e várias cenas que viralizaram na rede social de vídeos, criou-se esse incentivo natural e Sex and the City ganhou uma espécie de propaganda gratuita entre os jovens.

A Geração Z chama atenção para o fato de tantas falas e situações da série permanecerem pertinentes. Não só as conversas, mas os problemas que as meninas enfrentam nos âmbitos sexual e amoroso também são atemporais. As mulheres que estão, hoje, entre os seus vinte e trinta e poucos anos, conseguem se identificar com as vivências do quarteto.


[Imagem de capa: Divulgação: Youtube/HBO Max]

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima