Por Thaislane Xavier (thaislanexavier@usp.br)
Alguns anos atrás, estava com meus pais e uma tia na casa de amigos da família quando minha tia falou:
- Notei que hoje você não parou de comer.
Aquela frase me incomodou, e sei que a intenção dela não foi me repreender ou falar que eu estava comendo mais do que deveria, mas apenas expor algo que ela tinha notado. E, mesmo sem perceber, essa frase me acompanhou até alguns dias atrás.
Em uma reunião, estava em frente a uma mesa cheia de guloseimas, sem um pingo de fome, mas quando notei já tinha comido um pacote de salgadinhos quase sozinha. Aquilo me deixou em choque e me fez lembrar daquele episódio com minha tia e a pergunta: Será que tenho compulsão alimentar?, me cutucou novamente.
Foi aí que pensei: por que não escrever uma matéria sobre isso e ao mesmo tempo descobrir se tenho ou não compulsão alimentar? É juntar o útil ao agradável. Foi assim que esse texto começou, com um salgadinho.
E foi assim também que descobri que não tenho compulsão alimentar. A nutricionista Clarissa Hiwatashi não imaginava o peso que estava tirando das minhas costas ao responder o porquê de não conseguirmos parar de comer quando estamos em frente à comida.
Tudo se deve ao meu circuito cerebral hedônico. Quando o alimento é rico em açúcar e/ou gorduras, ele possui mais sabor e gera uma grande sensação de prazer. Então, depois de comer salgadinhos meu cérebro ativou áreas de recompensa que estimulam o consumo desse alimento novamente quando o vejo ou sinto o cheiro.
E apesar de ser o mesmo mecanismo que faz com que indivíduos tenham tendência a vício em álcool e drogas, isso ocorre em menor escala e não tem nada de errado comigo ou com minha alimentação.
Além disso, os publicitários têm culpa nessa mania de comer sem a “fome fisiológica”, como é chamada pelos nutricionistas. A campanha de certos alimentos faz com que, ao consumi-los, tenhamos a sensação de bem-estar e a vontade de comê-los surja de novo e de novo. Talvez ficar longe de divulgações de alimentos faça bem.
Claro que o afeto por alguma lembrança que o alimento me traz não poderia ficar fora da lista de vilões, né vovó?! “Há memórias afetivas relacionadas à ingestão de determinados alimentos que são associadas a lembranças de momentos alegres ‒ a esses alimentos, em geral, é atribuído o termo ‘comfort food’”, disse a nutricionista. Essa frase me lembrou de quando passava as férias escolares na casa dos meus avós e eles assavam milho no fogão a lenha. Não consigo resistir ao cheiro do milho assado até hoje, preciso comer mesmo sem fome. “Em algumas circunstâncias como situações de ansiedade e stress, passa-se a inconscientemente buscar esses alimentos como forma de ‘recompensa/prêmio’ e acolhimento”, continuou.
Sabe aquela vontade de comer meio inexplicável e sem fome? Ela pode ser sede. “Com a rotina atribulada ou mesmo por falta de hábito, frequentemente, o consumo de água é comprometido e muitas vezes a percepção de fome e a sede podem se confundir.” Fiquei abismada quando a Clarissa disse isso, além de tudo posso estar com sede e achar que é fome.
O Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica
O Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica (TCAP) na verdade é bem mais complexo do que uma simples mania de comer quando se está a frente de alimentos que são apetitosos. Ele é definido pela ingestão de quantidades muito superiores ao que a maioria das pessoas consumiria em um determinado período de tempo (no máximo duas horas). Costuma acompanhar a sensação de falta de controle, culpa, angústia e vergonha da quantidade de alimentos ingeridos. Seu diagnóstico é feito quando o caso se repete por pelo menos uma vez semanal durante um espaço de três meses.
Um caso eventual de ingestão excessiva de alimentos ocasionalmente não causa nenhum dano a saúde. Mas se os casos forem frequentes, o comportamento, saúde e qualidade de vida do indivíduo pode ser comprometida. Diagnóstico e tratamento envolvem diversos especialistas como psicólogo, nutricionista, médico psiquiatra e educador físico. “Os cuidados, portanto, são direcionados à esfera comportamental, reeducação alimentar, prática de exercícios físicos e pode envolver a administração de medicações”, explica a nutricionista.
Para fugir os casos de TCAP, deve-se identificar quais são os alimentos associados aos episódios e evitar deixá-los expostos ou com fácil acesso. “O estímulo visual ou apenas o fato de saber que está facilmente disponível e ao alcance pode gerar a vontade de comê-los e exige um grande esforço na tentativa de evitá-los”, pontua Clarisse.