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O que é que o mineiro tem?

A ascensão da música belo-horizontina nos últimos tempos revela a originalidade e a independência dos artistas locais

Algo diferente tem tocado nos fones dos amantes de música. Marina Sena, FBC, Lagum, Djonga, Sidoka, por exemplo. Todos eles se tornaram figuras frequentes nas playlists da galera, mas o que esses artistas têm em comum? Belo Horizonte! Essa cidade é o que une toda essa gama de músicos com estilos e origens diferentes para entregar sons que fogem do comum em uma experiência musical inédita. Vem com a gente conhecer uma das cenas musicais mais efervescentes e em destaque atualmente no Brasil. 

Belo Horizonte tem uma história antiga com a música. Em 1970, a cena musical da cidade já se destacava com o Clube da Esquina, estrelando Milton Nascimento, Toninho Horta, Lô Borges e Beto Guedes. O grupo era inovador para sua época, pois trazia para a Bossa Nova elementos do Jazz e do Rock. 

Já na década de 1990, Skank e Jota Quest surgem na cidade e rapidamente conquistam a cena nacional, trazendo mais uma onda de renovação para o que existia dentro do Rock. Na mesma época, também, surgiram bandas como Pato Fu, Tianastácia e Sepultura — essa um pouco mais antiga do que as outras, tendo nascido em 1984. Esses grupos, apesar de não terem tido uma presença tão estrondosa ao longo do tempo, situaram ainda mais o momento marcado pelo Rock na cidade.

Após esse período, a cena belo-horizontina passou por uma fase menos agitada até retornar mais forte do que nunca a partir de 2016. Desse momento em diante, os artistas se reinventaram e trouxeram características independentes para o processo de criação, ao mesmo tempo em que mativeram a originalidade de suas composições. Vários nomes explodiram em escala nacional, como Djonga, Lagum, Hot & Oreia, Rosa Neon, Marina Sena, MC Rick, Sidoka, Fenda, entre outros. 


As montanhas que cercam Belo Horizonte   

 A música mineira, embora muito respeitada pela estética alternativa e por se diferenciar no mercado, perdeu espaço por muito tempo quando colocada ao lado de hits que saíam do eixo Rio de Janeiro – São Paulo, muito por falta de investimentos do estado e da lentidão dos acontecimentos em comparação a esses polos.   

Linguini, artista independente de Belo Horizonte, conta que, quando começou como rapper, assistiu a um show do Djonga e ficou deslumbrado com a qualidade dos artistas belo-horizontinos. Mas, hoje em dia, apesar de achar que existem várias pessoas talentosas na cidade, ele considera que muitas delas não conseguem viver de música pelo fato de BH não ser um polo cultural do mesmo porte de Rio de Janeiro e São Paulo: “O que eu via antigamente, apenas como uma cena em ascendência, uma cena que estava começando e que tinha muita gente com bom potencial, hoje eu vejo que o povo desse potencial ainda não conseguiu ‘virar’ por várias questões. Falta de estrutura, por exemplo”.  

E o que há de tão destoante? De acordo com dados de 2018 da Folha de S. Paulo sobre os estados brasileiros que mais investem em cultura, São Paulo e Rio de Janeiro se destacavam em 2018 por serem as duas cidades que mais alocavam dinheiro no setor, com despesas de 588,4 e 158,4 milhões de reais, respectivamente. Belo Horizonte aparece em quarto lugar, atrás ainda de Recife, com 63,8 milhões de reais nove vezes menos que São Paulo. Barral Lima, produtor musical e SEO do Grupo Music, considera que, enquanto São Paulo possui dinheiro, o Rio possui a comunicação e dá o exemplo da Rede Globo, que é a maior rede de comunicação do país e atinge lugares do Brasil onde o acesso à internet é escasso.

 


Linguini
ainda nota casos de artistas que só conseguem estourar quando se deslocam para um desses pólos e cita os exemplos de Marina Sena e Djonga. “Todas essas situações nos fazem acreditar que uma das formas que existem de fazer o corre ‘virar’ é ter que ir para lá, chegar em SP ‘cabuloso’ para o ‘corre virar’. Inclusive, muita gente fala que para o artista ser validado aqui em BH ele tem que fazer sucesso lá fora, no eixo. São Paulo e Rio é outra cena. O dinheiro lá gira de uma forma muito diferente”, ressalta o rapper.   

Para Barral, apesar de a cena musical de Belo Horizonte estar sendo mais notada no momento, ainda é necessário manter contato com pessoas do eixo e até mesmo se deslocar para essas cidades em determinados momentos: “A gente cria em Belo Horizonte e leva pra desenvolver nessas outras cidades. O acesso melhorou muito e mudou de certa forma, mas ainda é importante você criar esses relacionamentos [com profissionais do eixo] e manter, porque isso pode facilitar e agilizar o processo. Se você quiser ter uma expressão nacional, aparecer no país inteiro, é importante você estar em contato com o Rio e São Paulo”.  

Tanto FBC, rapper da capital mineira também conhecido como “Padrim”, quanto Linguini acreditam que o artista belo-horizontino que faz sucesso no país deve retornar esse sucesso para a própria cidade, seja em apoio individual aos músicos independentes ou em incentivo à cultura local: “Eu acho que o artista que estoura tem nas mãos dele uma responsabilidade e um poder de contribuir com essa cena de volta”, opina Linguini. “O Djonga tem muito a mentalidade de trazer quem esteve com ele no início e fundou o selo ‘A Quadrilha’, inclusive, para dar suporte a essa galera. Já outros artistas não têm muito disso. Estouram, mas não voltam esse fomento para a cena.”

 


No fim, o sentimento é o mesmo: o amor por BH e o desejo de que a cidade cresça e as pessoas
artistas e público — se unam. “O Rio tem a mídia, São Paulo tem o dinheiro e o que sobra para nós são as pessoas”, diz Padrim. 

 

A luz no fim do eixo 

Belo Horizonte tem um histórico de músicos que fizeram barulho nacional, mas é possível dizer que a cena musical mineira está em um momento mais efervescente ainda. A efervescência é fruto do trabalho árduo de artistas que estão sendo notados em todo o país, graças ao seu talento, autenticidade e persistência, além da internet e das redes sociais, que ajudaram a impulsionar suas produções. “Eu acho que a gente está no melhor momento que a cena musical local poderia estar. Tem muita coisa pra vir no ano que vem. Estamos em um momento maravilhoso”, enxerga Barral Lima. 

O TikTok foi responsável por estourar músicas mineiras e trazer alguns artistas aos holofotes, como é o caso de Marina Sena, FBC e Sidoka. Padrim conta que a internet agora é o primeiro lugar onde a música tem que tocar e que pensou em como estruturar suas músicas para as redes sociais durante a construção do álbum Baile – Uma Ópera Miami (2021). Neste sentido, ele destaca as faixas de curta duração e os refrões fáceis de serem digeridos e lembrados. 

O músico também revela que o disco seguiu a lógica do momento de retomada da vida nas ruas: “O ‘Miami’ segue o propósito de que, com esse som, a gente pode lembrar de uma época em que a gente era feliz. E agora, com a galera indo para o fim da vacinação, a terceira dose, é um momento em que a gente está recuperando a esperança. Então bateu certinho com a galera saindo. Eu acertei no timing.”

Para ele, além da facilidade em ouvir músicas diferentes, trazida pelas redes sociais e os serviços de streaming dissociáveis das grandes rádios e gravadoras , o que também favorece a proporção que o mercado musical de Belo Horizonte está tomando é o próprio momento de atenção ao desconhecido e de discussões sociais. Ele considera que BH sempre foi uma cidade politizada e, ao refletir as pautas da sociedade nas músicas, o público se sente representado. “A galera do eixo, já efervescida por essa ideia de que existe um Brasil além, existem outras pautas, eles olharam para fora, olharam para o nosso rap. E quando olha para o nosso rap, olha para todo mundo. O fato é que ‘Se tá solteira’ estourou, e tem também o ‘Miami’, feito por dois caras de BH, de quebrada. Isso é representativo. Não representa só eu, o Vhoor ou BH, representa o Brasil inteiro.”

 

 

A música de Belo Horizonte também está ganhando destaque por se diferenciar daquelas feitas no eixo Rio-São Paulo, ao carregar características ditas alternativas para o meio. Linguini enxerga que tais características são próprias da vivência e dos dialetos da cidade: “Eu acho que é algo nosso mesmo. Você vê o Sidoka rimando daquele jeito, tem muito a ver com o linguajar mineiro e belo-horizontino”.  

Já Padrim afirma: “Quando você vê Hot & Oreia, não existe algo parecido. Quando você vê a personalidade na voz do Abbot, não tem ninguém mais fazendo isso. Não tem mais ninguém que escolhe cantar desse jeito ou fazer desse jeito. Então, BH se destaca também por isso”. 

Para exemplificar o histórico da cidade em propostas inovadoras, Barral Lima cita o Skank, que soube aproveitar uma lacuna entre o rock datado dos anos 80 e o axé music. Nesse cenário, a banda não procurou copiar nenhum dos gêneros, mas se reinventar com referências do reggae da banda britânica UB40 , e levar algo novo, alegre e dançante para o mercado. Isso junto ao futebol, esporte com o qual o Brasil historicamente tem uma forte ligação.   

 

Música em Belo Horizonte: o cantor Samuel Rosa toca guitarra cercado por homens que vestem blusas brancas e camisas do time de futebol Cruzeiro.
No clipe da música “É Uma Partida de Futebol”, a banda Skank explora a própria relação dos membros da banda com um dos maiores times mineiros, o Cruzeiro. [Imagem: Reprodução/YouTube]
  

“Quanto mais diferente você chegar, mais espaço você vai abrir para a sua música. A Marina Sena está em um lugar completamente único. Por isso vira um fenômeno. O Lagum também veio com uma coisa pop de canção parecida com o Melim, mas é menos romântica, um pouco mais divertida. E naquele momento não tinha ninguém [que fazia isso]. Você tem que aproveitar as lacunas”, diz o produtor musical. 

 

Os pequenos e os gigantes  

“Eu vi que eu precisava fazer meus próprios beats, porque beatmaker era caro e eu não tinha recurso para pagar. Aí eu comecei a me gravar no quarto, porque a sessão de estúdio era muito cara. A minha trajetória na música foi muito assim. Muito de forma independente. É muito ‘nois por nois’”. Essa é uma fala de Linguini a respeito da sua experiência como músico independente. Enquanto artistas de grande porte frequentemente contam com gravadoras e equipes para auxiliar suas carreiras, os artistas menores precisam trabalhar com menos recursos. Durante essa caminhada, o conhecimento deles sobre música se aprofunda ainda mais ao realizarem ofícios que fogem do básico que um artista precisa saber, tal qual produção musical. 

“Outra experiência boa que eu estou tendo com a música atualmente e que eu acho que vale ressaltar é que eu, pela primeira vez, experimentei discotecar. Foi lá na [Rua] Sapucaí. Foi incrível”, conta o beatmaker. Após essa apresentação, Linguini foi convidado para ser residente, ou seja, tocar em todas as edições do evento.  

O artista também relata que uma virada de chave para ele foi o ano de 2020, o qual foi responsável por multiplicar seus números de ouvintes mensais no Spotify e levar as faixas para pessoas de fora do Brasil. “Quando eu lancei o meu EP ‘Pique Pitbull’, no ano passado [2020], eu fiz todo um planejamento de ‘vou lançar tal música antes, interagir de tal forma e divulgar de tal forma’. Isso foi realmente um up na forma que eu lidava com o meu ‘corre’.  

Mas a trajetória não é fácil. Em muitos casos, é preciso conciliar a música com a vida de estudos e trabalhos em outras áreas. Nesse cenário, o ofício pode ser visto com um hobby, quando não há tanto tempo disponível para se dedicar a ele. Esse é um obstáculo que muitos músicos precisam enfrentar e é considerado um privilégio o poder de se dedicar inteiramente à música antes de se tornar um nome consagrado no mercado. “O que eu tento falar para a galera que está começando é que você tem que ter coragem para, qualquer coisa que acontecer, você possa recuperar tudo de novo ou fazer seu ‘trampo’ sabendo que talvez você tenha que reconstruir do zero. É não desistir”, diz Padrim.

 

 

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Padrim enxerga que os novos artistas estão começando suas carreiras com mais estruturas do que quando ele começou, há 18 anos, e que isso se deve a um caminho que ele e outros artistas trilharam. Ele também cita o fato de o mercado hoje ser mais aberto para uma gama diversificada de artistas, independente de gênero ou orientação sexual.

Para um músico independente se manter em pé, um dos pilares são outros artistas, grandes ou pequenos, que o inspiram a continuar. Linguini cita alguns artistas belo-horizontinos que o inspiram: Djonga, FBC, Vhoor, Well e Douglas Gin. “O Vhoor me inspira porque ele tem propostas diferentes dentro de uma cena que passa por várias saturações — estéticas e rítmicas , e ele consegue propor algo novo hora ou outra para a cena”, diz. “O próprio Well Mc, ele rima em uma estética que é muito diferente, o gênero grime, que hoje em dia vem ganhando visibilidade, mas na época que ele começou não era levado a sério. Era algo que ninguém conhecia e acreditava e hoje em dia tem a ‘Beagrime’, que é a festa lá no centro [de Belo Horizonte], em que a gente toca, e a última edição esgotou os ingressos”. “Essas pessoas que confiam no diferente e conseguem se expressar e trazer sua arte me inspiram demais”, complementa.

 

 

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Quando questionado sobre os planos para sua carreira, Linguini diz que pretende lançar um álbum em uma estética diferente da que já tem apresentado: “Eu gosto muito de música e gosto muito de coisas diversas, então eu posso fazer um álbum em um gênero hoje e amanhã estar em outro. Eu não consigo prever muito o que vai ter no meio. Vai ter rap no meio, mas pode ser em house, grime e até funk, reggae… tudo”. “E se eu conseguir, no ano que vem eu acredito que as coisas vão começar a andar. Porque eu acredito nas coisas, acho que elas estão muito boas, têm potencial e são muito originais.”

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