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Em ‘Caminhando com os mortos’, Micheliny Verunschk reflete sobre as consequências da intolerância e do fanatismo religioso

No lançamento da Companhia das Letras, uma mulher é queimada viva por seus próprios familiares em ritual religioso

Em 2021, Micheliny Verunschk encantou os leitores ao ficcionalizar — com base em fatos reais — a história de duas crianças indígenas brasileiras sequestradas por pesquisadores europeus no século 18. Não à toa, a obra O som do rugido da onça (Companhia das Letras, 2021) foi a vencedora do Prêmio Jabuti na categoria de Romance Literário e consolidou Verunschk como um dos principais nomes da literatura brasileira atual.  Em 2023, a autora retorna às livrarias com o romance Caminhando com os mortos (Companhia das Letras, 2023) e reforça seu talento para dar voz a grupos silenciados. 

Caça às bruxas contemporâneo

Em uma cidade pequena no interior do Brasil, uma mulher é brutalmente assassinada por seus próprios pais. Apesar de terem-na encharcado com álcool, acendido o fósforo e observado seu corpo se reduzindo a cinzas, a intenção nunca fora o homicídio — mas sim, a salvação. Adeptos de uma corrente evangélica recém chegada à região, Lourença e Ismênio são instruídos pelo pastor a carbonizar a filha, que apresentava condutas tidas como imorais — hábitos que seriam remediados na ressurreição. 

A história conturbada da família se mescla, então, com a narrativa da perita da polícia designada ao caso, que se embrenha no crime enquanto mergulha nas próprias lembranças de um passado assombrado.

Os precedentes e consequências do crime são apresentados de forma lenta e codificada, sempre guiados por narradores pouco confiáveis — para dizer o mínimo. A narrativa quebra-cabeça montada por Verunschk mistura memórias e depoimentos; passado e presente, em um testemunho emocionante das complexidades e contradições humanas. Para além de maniqueísmos, Verunschk constrói personagens que inspiram, ao mesmo tempo, empatia, ódio e compaixão.

Os fragmentos narrativos são ofertados ao leitor a partir de variados pontos de vista — da mãe, do pai, da vítima, do pastor, do prefeito e da perita — propondo um questionamento sobre as conturbadas relações entre memória e fato; um tema recorrente durante toda a obra. 

Micheliny Verunschk se inspirou em casos reais de pessoas queimadas vivas 

[Imagem: Divulgação/ Companhia das Letras]

A pauta do extremismo religioso e da universalização do evangelismo não poderia ser mais atual. O número de denúncias de intolerância religiosa no Brasil dobrou entre 2021 e 2022 e as correntes evangélicas se multiplicam pelo país, em uma epidemia cujo alvo principal são os mais vulneráveis.

Mas, para além de questões religiosas, o livro perpassa diversas problemáticas típicas do Brasil: a violência generalizada contra mulheres, o monopólio político de famílias tradicionais e a impunidade se entrelaçam à narrativa e formam um panorama trágico — e realista — do país.

Em Caminhando com os mortos, Micheliny Verunschk mostra que a violência colonial de O som do rugido da onça ainda ecoa. A pequena cidade ficcional de Tapuio, por meio das palavras da autora pernambucana, vira uma bela e trágica metonímia do Brasil.

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