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A dança das cadeiras na Esplanada dos Ministérios

O que as trocas, mudanças e demissões de ministros apontam sobre o governo Lula
Por Victor Gama (victorgamasilva@usp.br)

Quem pensa que governar um país é uma tarefa feita só pelo presidente não poderia estar mais enganado. Além de seu vice, o chefe do Executivo também deve escolher seus ministros, profissionais que irão administrar áreas importantes para o funcionamento do Estado. Segundo Zacarias Sena, historiador e professor na UFBA (Universidade Federal da Bahia), “o ministro tem a função de gerir algumas áreas que o governo considera estratégicas para cumprir o programa que foi aprovado nas urnas”. O cargo de ministro é muito mais um cargo de confiança e de características políticas do que um cargo técnico. Ser um profissional especialista na área é importante, mas não essencial – e muitas vezes, é até dispensável. 

O governo Lula tem 38 ministérios. O número aumentou de forma expressiva no início de seu terceiro mandato por meio da criação de pastas com atribuições mais específicas. Esse é caso do Ministério da Economia, que foi dividido em quatro (Fazenda; Planejamento; Gestão e Inovação em Serviços Públicos; e Desenvolvimento, Indústria e Comércio). Alguns órgãos e secretarias de governo tem status de ministério, como a Advocacia–Geral da União e a Secretaria de Relações Institucionais.

Apesar de o Presidente pensar muito na escolha de cada ministro, nem todos os escolhidos permanecem como chefes de sua pasta até o fim do mandato. Até o momento em que o texto foi produzido, ocorreram 12 mudanças no time inicial, sendo cinco delas somente em 2025.

Essa dança das cadeiras do Planalto pode ter muitas causas. Os ministérios são uma parte importante do jogo político, servindo como instrumento para o governo ampliar sua base de apoio no Congresso Nacional. Adrian Albala, doutor em Ciência Política e professor na Universidade de Brasília (UnB), explica que essas mudanças geralmente não ocorrem por vontade do próprio governo , mas sim diante de duas situações: escândalos, como no caso do ministro da Previdência, Carlos Lupi, ou quando há dificuldades de governança, com a necessidade de sinalizar apoio na Câmara para aprovar algum projeto.

513 deputados e 81 senadores compõem o Congresso Nacional [Imagem: Reprodução/EBC]

Atualmente, quinze ministérios são chefiados por políticos de partidos da esquerda (PT, PCdoB, PSOL, REDE, e PSB) que compõem a base “fixa” do governo. São eles os aliados mais próximos de Lula, como Fernando Haddad, Márcio França, Geraldo Alckmin e Marina Silva. Outras nove pastas são ocupadas por parlamentares ou indicações de partidos de centro e centro-direita (União Brasil, PP, PSD, MDB e Republicanos), que têm grandes bancadas na Câmara dos Deputados. Segundo Lucas Couto, mestre em Ciência Política pela UnB, o principal motivo para a escolha de ministros de partidos de fora do governo é conquistar o apoio dessas legendas no Congresso.

Essa dinâmica de alianças e indicações faz parte de um arranjo político conhecido como presidencialismo de coalizão. Zacarias explica que o termo surge com a Nova República, após o fim da ditadura. Segundo ele, o novo capítulo da história estabeleceu uma organização na qual o Poder Executivo governa com o Parlamento. “Esse tipo de presidencialismo distribui um pouco dos poderes de executar para além do presidente. Então, o chefe do Executivo é quem governa efetivamente, mas ele governa junto com o parlamento”, explica o historiador.

No presidencialismo de coalizão, o presidente deve ser estratégico ao dialogar com deputados e senadores. Na imagem, Lula ao lado de Davi Alcolumbre (à direita), Presidente do Senado e Hugo Motta (à esquerda), presidente da Câmara dos Deputados [Imagem: Antonio Cruz/Agência Brasil]

Sai Nísia, Entra Padilha 

A escolha de Lula para chefiar a pasta com maior orçamento foi feita pensando na importância que o ministério tem para o governo. Nísia Trindade é pesquisadora, socióloga, cientista política, foi presidente da Fiocruz durante a pandemia e se tornou referência no combate à Covid-19. Escolhida por Lula para liderar o Ministério da Saúde, foi a peça–chave para a reconstrução e reestruturação do órgão após o desmonte ocorrido durante o governo Bolsonaro.

Depois de 25 meses à frente do ministério, Nísia foi demitida. Em seu discurso de despedida, a ministra listou os desafios que encontrou  no período. “Durante o nosso trabalho de reconstrução, encontramos mais de 4 mil obras paralisadas, inúmeros leitos de UTI não cadastrados, o Farmácia Popular com risco de paralisação, entre tantas outras situações alarmantes”. Nísia também destacou a importância de fortalecer ações voltadas à imunização da população. 

Nísia Trindade foi a primeira mulher a comandar a pasta e promoveu diversos avanços no atendimento do SUS durante os 25 meses em que foi ministra [Imagem: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil]

O escolhido para ocupar o cargo foi Alexandre Padilha. Ele era ministro da Saúde no Governo Dilma e, no terceiro mandato de Lula,  ocupava a Secretaria de Relações Institucionais. A escolha foi estratégica e carrega motivações políticas. Desde a segunda metade de 2023, o Ministério da Saúde já era visado pelo Centrão, devido ao seu orçamento de mais de R$ 200 bilhões. A escolha de Padilha, um político experiente que sabe lidar com as pressões políticas, mostra a posição de Lula em marcar território e demonstrar a todos que a pasta não está aberta para negociações. 

Zacarias Sena avalia a mudança como uma forma de dizer “aqui vocês não tocam”. Segundo ele, Alexandre Padilha pode facilitar a negociação de verbas com parlamentares de outros espectros políticos, como os de centro. 

“Se o Centrão quiser os recursos do Ministério da Saúde, terá que conversar com Alexandre Padilha e ele destinará esses recursos, desde que isso obedeça a uma lógica de governabilidade.”

Zacarias Sena

Sai Juscelino, entra… quem? 

O mês de abril foi marcado por movimentações na Esplanada dos Ministérios. No dia 8, Juscelino Filho (União-MA) foi demitido do cargo de Ministro da Comunicação após a Procuradoria Geral da República (PGR) apontar indícios de que ele teria integrado um esquema para desviar recursos de emendas parlamentares. A Polícia Federal indiciou o agora ex-ministro pelos crimes de corrupção passiva, fraude em licitações e organização criminosa.

No início do governo, Juscelino esteve envolvido em outras investigações, mas foi blindado pelo Presidente Lula. Com o indiciamento pela PGR, sua posição ficou insustentável [Imagem: Joedson Alves/Agência Brasil]

O que se seguiu à demissão de Juscelino foi uma série de encontros e desencontros entre Lula e o União Brasil. Em um primeiro momento, Pedro Lucas, deputado federal e líder do partido na Câmara, seria o nome indicado para liderar a pasta. No dia 10, Lula se reuniu com o parlamentar e ali parecia que já estava firmado o nome do deputado para a pasta. Pedro pediu um tempo, para que pudesse conversar com a bancada e a sua posse ficou adiada até depois do feriado prolongado de Páscoa e Tiradentes (21 de abril). No dia 22, o deputado anunciou que estava rejeitando o convite de Lula. Em nota afirmou: “tenho plena convicção de que, neste momento, posso contribuir mais com o país e com o próprio governo na função que exerço na Câmara dos Deputados”.

Zacarias Sena apresentou a sua análise do caso. “Pedro Lucas alegou que seria mais útil ao governo na Câmara, apesar do União Brasil frequentemente votar contra o governo. Essa justificativa levanta questionamentos sobre que tipo de garantia ele poderia oferecer como líder de um partido”. Segundo o professor,  o parlamentar demonstrou que pode manejar mais recursos financeiros na Câmara. O Ministério das Comunicações, oferecido a ele, embora já tenha sido muito importante, atualmente possui menos recursos e influência.

Diante da recusa, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), precisou intervir para mitigar o desgaste. No último dia 7 de maio, Siqueira Filho tomou posse como ministro da Comunicação. Ele era presidente da Telebras e foi indicado por Alcolumbre.

Sai Carlos Lupi, entra mais instabilidade 

No início de maio, Carlos Lupi (PDT) pediu demissão do cargo de ministro da Previdência, após vir à tona no mês anterior um esquema de fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em que foram descontados indevidamente mais de R$ 6 bilhões em aposentadorias e pensões. No dia 23 de abril, momento em que o escândalo se tornou público, Lupi demitiu diversos envolvidos no caso, mas sua continuidade no cargo ficou insustentável quando se constatou que ele estava ciente dos descontos irregulares e mesmo assim não havia tomado nenhuma atitude. 

A demissão trouxe consequências para o governo e a sua relação com o PDT, partido do qual Lupi é presidente. A legenda anunciou no dia 6 de maio que não integraria mais a base do governo na Câmara. Essa movimentação é uma resposta à demissão, mas também à indicação de Wolney Queiroz, nome que não agrada ao partido. A bancada do PDT tem 17 parlamentares e integrava a base governista na Câmara desde o início de 2023. Em um contexto em que  o governo luta para aprovar suas medidas e travar outras no Congresso, a perda de aliados pode custar caro para Lula.

A demissão de Lupi gerou diversas discussões dentro e fora do governo sobre a governabilidade de Lula [Imagem: Lula Marques/Agência Brasil]

Lula ainda sabe dançar essa valsa?

Os casos de Juscelino Filho e Carlos Lupi trazem à tona um problema existente dentro do governo Lula. A distribuição dos ministérios não está agradando os partidos de centro e, em alguns casos, nem os partidos que compõem a base do governo, como o PDT. Lucas Couto aponta que ocorrem dois fenômenos de articulação política atualmente: não existe uma concordância total das bancadas de alguns partidos dentro da Câmara e muito menos uma concordância entre as bancadas da Câmara e do Senado.

“O grande obstáculo reside na falta de disciplina partidária.”

Lucas Couto

“Embora o partido [União Brasil] mantenha um bom diálogo com o governo Lula, a recusa se deu justamente para tentar manter a unidade partidária na Câmara. O governo fica refém do partido, aguardando o que acontecerá para decidir quem ocupará um dos postos do alto escalão”, explica Lucas. 

Sobre a perda do apoio do PDT e sua saída da base do governo, Couto avalia que o fato se deve à demora da resposta de Lula ao escândalo do INSS. “O motivo da demora inicial do governo foi, certamente, tentar manter a governabilidade e uma base mais sólida. Tudo gira em torno da governabilidade. Assim que a notícia do escândalo foi divulgada, os parlamentares do PDT já estavam indicando que o apoio ao governo estaria ameaçado caso o ministro fosse demitido”, explica Lucas.

Segundo a análise de Adrian Albala, na prática, o posicionamento da legenda em relação ao governo não deve mudar. “É de se esperar que o PDT, muito provavelmente, não seja oposição e continue a votar conforme os partidos governistas. É extremamente improvável que o partido passe a adotar uma postura oposicionista”, explica.

As ações de figuras do alto escalão afetam a gestão de Lula e o envolvimento de ministros em escândalos de corrupção ou acusações de crimes influenciam diretamente o Governo Federal, mesmo que Lula não esteja diretamente ligado às acusações. Os impactos das ações de ministros nos governos são observados em duas frentes: no Legislativo e na população. A demissão de um ministro pode levar à perda de apoio na Câmara (como o que ocorreu com Carlos Lupi e o PDT), mas também impacta na imagem que a população tem do governo e, consequentemente, em sua aprovação. 

Zacarias explica que esses impactos se devem à construção histórica da imagem de Lula e do Partido dos Trabalhadores. “Escândalos envolvendo o governo Lula atingem diretamente o PT. O partido fica permanentemente implicado em problemas que dizem respeito a outras lógicas, um entendimento muito próprio do lulismo, que é a necessidade de conciliação. Por isso, Lula é a melhor síntese do presidencialismo de coalizão”, explica o professor. 

Os desencontros, como o ocorrido entre o governo e o União Brasil, destacam esse problema latente que se manifesta em diversas legendas. Adrian Albala explica que os partidos brasileiros não estão organizados e institucionalizados em torno de temáticas como ideologia e programa. Essa característica  dos partidos leva a uma dificuldade de articulação com o governo, porque o apoio ao governo ocorre apenas de forma circunstancial.

Os últimos passos e valsas da dança das cadeiras na Esplanada dos Ministérios trazem à tona um desafio enfrentado constantemente pelo governo Lula: a articulação política. A dificuldade em construir uma base sólida no Congresso, evidenciada nos casos de trocas de ministros e na perda de apoio de partidos, coloca em xeque a governabilidade e a capacidade de implementar políticas públicas.

[Imagem de capa: Ricardo Stuckert/Flickr]

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