Por Jonas Santana

Não é de hoje que o Brasil é um país bastante religioso e supersticioso. Até mesmo antes da catequização, que fora feita pelos jesuítas, os nativos já tinham suas crenças e credos. De acordo com o Censo de 2010, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 8% dos brasileiros não possuem religião, ou seja, 92% da população é religiosa. Em consequência do processo de colonização, o cristianismo é a maior religião absoluta com cerca de 87% de fiéis. As outras religiões juntas somam um pouco mais de 4%.
Como em qualquer outro fato social, os dados são refletidos na sociedade como um todo, e é o caso do esporte. Segundo uma pesquisa do UOL Esporte realizada com 105 jogadores de grandes times do país, em 2013, os futebolistas brasileiros são, em sua maioria, religiosos, sendo 53% cristãos. Na mesma estatística, 18% dos jogadores declararam que não possuem religião, e os outros não quiseram responder.
Neste contexto, o Porta dos Fundos produziu um esquete, em julho, criticando, de uma maneira sarcástica, a tão presente religiosidade dentro do campo. Confira:
Para entender qual é o papel da religião e da superstição no esporte, o Arquibancada entrevistou o pesquisador de pós-doutorado, pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, Everton de Oliveira Maraldi.
Arquibancada: O desempenho dos atletas teístas em comparação com os ateístas são equivalentes ou divergem?
Everton: Tudo aquilo que ajudar o atleta no seu trabalho pode ser incluído como parte de seu preparo. Se aquela pessoa é religiosa e a fé é algo importante para ela, integrar isso ao seu trabalho pode ser algo relevante e ter um benefício. Há estudos mostrando que, quando a pessoa tem aquela crença e usa daqueles recursos como preces, orações, rituais etc. para ajudá-la no seu desempenho, isso geralmente tem, de fato, uma consequência positiva.
Agora, o fato do sujeito não ser religioso não significa que ele não irá se beneficiar necessariamente de algum outro recurso psicológico ou recurso de coping (no português, foi traduzido como “enfrentamento”) que o ajude a lidar com dificuldades, com as adversidades ligadas inclusive ao seu trabalho e ao seu desempenho.
Essas coisas dependem do quanto aquelas crenças ou práticas são relevantes para o sujeito. O fato dele ser ateu ou de não compartilhar de uma crença religiosa não é o que vai, necessariamente, prejudicar o seu desempenho.
Arquibancada: Quais são as vantagens da religião e da superstição aliadas ao esporte?
Everton: Uma série de estudos já demonstraram o papel que a religiosidade/espiritualidade tem para saúde. A prece e a oração podem servir, muitas vezes, como alívio de tensão e de estresse e isto poderia, eventualmente, ajudar no preparo antes de uma atividade, dependendo do esporte.
A técnica da meditação, que é usada também dentro do contexto psicoterapêutico, embora tenha nascido dentro de tradições orientais, hoje, também é usada por pessoas que não têm religião. Ou seja, ela pode ser praticada, inclusive, por atletas que não necessariamente sejam religiosos. E algumas dessas práticas podem ter benefícios.
A fé pode ser um motivador e pode ajudar o sujeito a lidar com frustrações quando, de algum modo, algo dá errado. Aquela crença e aquela fé podem ser um impulso para que aquele sujeito vença as resistências e as dificuldades e siga em frente.
O atleta, em função daquelas crenças e práticas religiosas, pode ter uma disciplina que, de repente, falte a uma pessoa que não, necessariamente, tem aquela crença. Claro que isso também vai variar, novamente, de como o sujeito vive essa religiosidade, mas pode ser um fator de ajuda. Muitas religiões pregam um tipo de disciplina que, se o sujeito vive isso na vida inteira dele e também na parte profissional, pode ser benéfico.
Há benefícios secundários também, a religiosidade e espiritualidade estão relacionadas às melhorias em sintomas de depressão e tendências suicidas. Em geral, isso pode ajudar o sujeito em outros aspectos da vida. Ele chegará para uma partida, por exemplo, muito mais tranquilo e preparado do que se não tivesse seguido aquelas recomendações.
Arquibancada: Quais são as desvantagens da religião e da superstição aliadas ao esporte?
Everton: Isso varia muito. Tem casos, por exemplo, de “coping religioso negativo”, que é quando o sujeito usa a religiosidade de uma forma negativa. Pode ser que a relação dele com Deus seja uma relação de “toma lá dá cá”. O esportista espera que Deus ajude nessas ocasiões quase que sempre. É como se Deus não pudesse falhar. Se alguma coisa dá errado, ele acaba não tendo o desempenho que esperava ou o resultado final não é o aguardado, esse atleta pode ter a crença que Deus o abandonou ou que não está do seu lado.
Esse tipo de relação é que se chama, na psicologia, de religiosidade extrínseca, que é quando alguém busca a religião como uma forma de obter certos favores ou certos ganhos exteriores e não necessariamente a religião como uma meta em si mesma, como um princípio em si mesmo, o que seria uma religiosidade intrínseca. Essa religiosidade extrínseca costuma estar ligada ao coping negativo.
O sujeito espera alguma coisa em troca. Quando aquilo não é oferecido, essa relação pode ficar abalada de alguma forma. Esse tipo de relação pode ser negativo e o sujeito pode piorar inclusive a percepção que teve daquele resultado. Tem que haver um certo equilíbrio entre essas coisas. Pode acontecer que as crenças religiosas ou supersticiosas o atrapalhem.
Arquibancada: Para um atleta, é melhor estar bem psicologicamente ou fisicamente para conquistar um bom resultado?
Everton: Essa é uma questão relativa. Pode acontecer de uma pessoa estar se sentindo mal do ponto de vista psicológico e ter um bom desempenho. Mas pode acontecer de um sujeito estar muito bem psiquicamente e emocionalmente e ir mal. Isso depende muito, mas é claro que estando bem psicologicamente, a tendência do sujeito é ter um melhor desempenho. Se ele também se prepara fisicamente, ter todo um contexto favorável nesse sentido, é lógico que tende a ter um melhor desempenho. Isso varia de um caso para outro, mas sem dúvida nenhuma que esses dois fatores são fundamentais.
É difícil se pesar isso porque depende de cada pessoa e cada caso. Por exemplo, imagina um atleta que seja super famoso, que tem um ótimo desempenho e, mesmo em uma situação mais difícil emocionalmente, se dá bem. É importante estar bem do ponto de vista físico e do ponto de vista psíquico. Essas duas coisas têm que ser colocadas em pesos parecidos.
Existem, hoje, formas de acompanhamento e aconselhamento para esportistas que incluem essa visão ampla e holística, no sentido de ver o sujeito como um todo: corpo e mente. Já se chegou a conclusão de que o quanto mais se foca no atleta e se faça um preparo personalizado para sua condições de vida, o desempenho torna-se melhor.