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‘Back to Black’: A vida (nem tanto) conturbada de Amy Winehouse

A trama, que leva o nome do segundo álbum de estúdio da artista, se esforça, mas suaviza demais a vida da cantora e deixa de lado as verdadeiras turbulências e emoções de ‘Back to Black’ (2006)
Por Clara Viterbo Nery ( claravnery@usp.br )

Seguindo a onda de cinebiografias que cresce a cada ano, a diretora Sam Taylor-Johnson de Cinquenta Tons de Cinza (Fifty Shades of Grey, 2015) não perdeu a oportunidade de trazer a história de umas das maiores cantoras do século 21 para as telonas. Back to Black (2024) propõe acompanhar a carreira da jovem cantora e sua rápida ascensão ao sucesso, levando em conta os eventos que inspiraram o seu álbum mais famoso — desde seu relacionamento com o ex-marido Blake (Jack O’Connell) e seus vícios — e deram vida à canções como Rehab e Back to Black.

A trama se inicia com Amy (Marisa Abela) ainda adolescente e rapidamente progride para os momentos que dão início a sua carreira, como o encontro com Nick Shymansky (Sam Buchanan), que a leva ao seu primeiro contrato. Mesmo com tantos eventos importantes na vida da cantora nesse período, o filme decide aprofundar em seu relacionamento com Blake Fielder-Civil desde seus primeiros encontros até o divórcio, como justificativa de abordar os eventos que darão origem ao seu segundo álbum. Por essa escolha do roteiro assinado por Matt Greenhalgh de O garoto de Liverpool (Nowhere Boy, 2009), a carreira musical de Amy acaba caindo em segundo plano para uma história de romance problemática e esquece de mostrar sua verdadeira essência. 

A visão de Sam Taylor-Johnson, além de gastar tempo de tela com o romance, suaviza a intensa trajetória de Amy e coloca “panos quentes” em diversos aspectos de sua vida pessoal, como se tentassem vender uma imagem mais family friendly e comercial para um filme blockbuster. Com os conflitos entre a história real e o roteiro, a memória que fica é que uma personagem tão singular e complexa como Amy foi desperdiçada pelo filme.

Marisa Abela como Amy Winehouse em Back to Black
Amy Winehouse é a primeira protagonista vivida nas telonas por Marisa Abela, em  Back to Black [Imagem: Divulgação/Universal Pictures]

Amy Jade Winehouse nasceu em 14 de setembro de 1983, em Londres, na Inglaterra. Cantora e compositora, ela iniciou sua carreira profissional em 2003, com o lançamento do seu primeiro álbum de estúdio Frank (2003), atraindo a atenção do público com seu estilo musical incluindo soul, jazz, R & B e sua voz incrivelmente marcante. Com o segundo álbum, Back to Black (2006), Amy alcançou ainda mais sucesso e reconhecimento internacional, mas o interesse do público era mais em sua vida pessoal do que propriamente a música. Seus relacionamentos conturbados e uma longa e difícil trajetória contra o vício em drogas e álcool viraram pautas frequentes na mídia e, à medida que isso chamava mais atenção, mais corrompia à própria artista, que morreu de overdose em 2011.

Com uma história tão complexa e cheia de turbulências, era esperado que a direção soubesse pelo menos retratar as confusões pela qual Amy vivia, mas não é o que o público recebe. Marisa Abela (Industry) vive uma Amy Winehouse na sua versão mais simples. Embora seja evidente a dedicação e preocupação da atriz em tentar se apresentar o mais fielmente possível em comparação à cantora, a fragilidade do roteiro e a leveza da direção não permitem que ela brilhe ou leve essa personagem aos lugares em que ela deveria chegar. Suas cenas musicais são simples, com uma dublagem evidente e que não emociona o público. Os momentos que parecem chegar mais próximos da verdadeira Amy são as cenas da personagem com sua avó Cynthia (Lesley Manville) que permitem a atriz trabalhar uma carga emocional maior e demonstrar o verdadeiro amor que existia entre essas duas pessoas. 

Tirando sua avó, não é possível dizer que suas outras relações familiares e pessoais são retratadas fidedignamente. A sua turbulenta relação com seu pai, Mitch Winehouse (Eddie Marsan), o qual por muitas vezes foi acusado de explorar e se aproveitar da artista — sendo até considerado negligente e um dos responsáveis pelo desgaste emocional da cantora — parece mais com uma versão de Full House (1987 – 1995), retratando Mitch apenas como um pai bacana e que sempre apoiava sua filha.

Marisa Abela como Amy Winehouse e Jack O’Connell como Blake Fielder-Civil em 'Back to Black'
Alguns fatos da vida de Amy Winehouse também foram alterados pela cinebiografia. O primeiro término com Blake, que na vida real foi pelo telefone, e não pessoalmente como no filme, foi um deles [Imagem: Divulgação/Universal Pictures]

Já suas idas e vindas com Blake, que tomam mais tempo de tela do que o necessário, são retratadas como um mero relacionamento problemático. Amy e Blake passaram por inúmeros problemas de abusos, agressões e uso de drogas e toda essa situação parece ser reduzida à detalhes em cenas que em nada agregam ao dinamismo do filme. Se algo se esperava do retrato da figura do ex-marido, esse cai mais uma vez pela leveza do roteiro e isenta Blake de qualquer responsabilidade com sua relação com Amy – em uma ideia de que “se ambos têm problemas, nenhum tem culpa nisso”. 

Outros aspectos e figuras da vida de Amy, como sua própria mãe e outros relacionamentos além de Blake, sofrem apagamento na história, por não haver tempo suficiente para apresentá-los com tanto foco no romance. O que decepciona, entretanto, é a falta da sua carreira musical no filme. Com números musicais que trazem os maiores hits da carreira da artista, em nenhum momento é mostrado seus momentos em estúdio ou em composição (com exceção de uma cena nos primeiros 10 minutos do longa) — apagando muito mais do que partes da sua vida pessoal, como sua própria carreira musical. Entre as cenas mais marcantes, a única retratada é sua vitória no Grammy 2008.

Além disso, a suavização da abordagem da sua relação com as drogas é a diferença mais perceptível. Qualquer um que já tenha ouvido falar sobre Amy Winehouse, provavelmente já a associou aos seus vícios. Com uma longa história com drogas e bebidas alcoólicas, a cantora chegou a passar 2 vezes por reabilitação — e apenas uma chega a ser mencionada no filme. Suas crises e sua bulimia são pouco mencionadas. O que o público esperava era uma história de altos e baixos e que mostrasse como a cantora lutou contra todos esses demônios em sua vida, mas que, entre uma garrafa ou duas de vodka que eram mostradas em tela, parecem quase caricatas. 

Os deméritos no filme, no entanto, não se atribuem às performances. Para um desconhecedor, a atuação dos atores é digna do que é exigido deles, mas o que verdadeiramente desvaloriza a história é culpa do roteiro e da direção. Em tudo que se propõe, ele tenta ser mais simples e recorrer à técnicas básicas, sem tentar ser inovador. Seus figurinos são esforçados, seu design de produção é acreditável e os números musicais, que deveriam ser o ponto alto do filme, são satisfatórios e simples. Não ruins, mas simples. Não há grandes turbulências, grandes cenas de tensão com suas overdoses, grandes tristezas. Tudo parece sintetizar e simplificar a vida dela. Por isso, para uma trama que traz 120 min da vida de Amy, falta o mais importante: a essência complexa (e não simples) de Amy Winehouse.

O filme já está disponível nos cinemas. Confira o trailer:

*Imagem de capa: Divulgação/Universal Pictures

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