Por Daniel Medina (danieltmedina@gmail.com)
O álcool é, possivelmente, um dos produtos mais consumidos no mundo inteiro. Seu uso estende-se pela história da humanidade e engloba os mais diversos fins, desde rituais religiosos, sua presença em medicamentos e incluindo aquele que é talvez o seu uso mais comum: o recreativo. O consumo, muitas vezes, é incentivado desde cedo em jovens e adolescentes, e seus efeitos são amplamente conhecidos: desinibição social, leve sensação de euforia, relaxamento, prazer, entre outros mais fisicamente evidentes, como o rubor em algumas regiões do corpo.
Por ser uma droga amplamente difundida e legalizada, com um consumo muito mais aceito socialmente, chega a ser uma forma de inserção em diversos ambientes e uma maneira de socialização. Mas, como qualquer outra, o uso tem diversas consequências e pode gerar intensa dependência, característica que carrega uma série de implicações físicas, psicológicas e sociais.
A condição de alcoolista não é uma escolha
Para entender todas as implicações da dependência seria conveniente, primeiro, definir no que consiste a dependência em si. Segundo Sandra Scivoletto, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq – HCFMUSP), a dependência “é uma doença, não depende da quantidade que a pessoa consome, não depende da vontade da pessoa, é uma dificuldade da pessoa em controlar o consumo. Por exemplo: a pessoa se planeja para beber uma quantidade e não consegue se manter nessa quantidade, ou demora muito tempo para se recuperar dos efeitos, ela começa a ter prejuízos que ela sabe que são causados pelo álcool mas ainda assim não consegue deixar de beber”.
Sandra destaca, ainda, que há diferentes padrões de consumo para o álcool, que englobam diversos fatores biológicos. Aponta, então, a necessidade de aumentar a dose para obter o mesmo efeito ao beber, o que é chamado de tolerância. Define, também, os sinais graves de abstinência no corpo da pessoa, como muita ansiedade, taquicardia ou tremores, que são causados pela falta de álcool.
Mas então, por que o álcool gera esses efeitos?
Entrando em uma análise um pouco mais física da ação da droga no organismo, Scivoletto destaca o efeito que o produto tem sobre o nosso sistema nervoso central: “Em geral, nós produzimos substâncias estimulantes e calmantes, e o álcool é um depressor do sistema nervoso, então, na tentativa de manter esse equilíbrio, nosso corpo deixa de produzir os calmantes naturais”. Ou seja, o álcool substitui a presença dos calmantes no corpo e, ao deixar de beber, esses calmantes começam a faltar, uma vez que o nosso corpo não os produz mais.
Agindo no sistema nervoso, o álcool altera toda a neuroquímica do organismo. Dessa forma, suas complicações acabam se estendendo não só a órgãos específicos mas também ao corpo como um todo, assim como problemas psicológicos como a depressão. Ele prejudica a liberação de hormônios na hipófise, por exemplo, que alteram o funcionamento de processos que seriam normais ao corpo. Pode afetar a circulação do sangue, provocar crises de hipertensão, ou a perda de absorção de vitamina B e ácido fólico, que prejudicam a manutenção das células nervosas.
O psicológico como potencializador, mas não determinante
O uso de álcool está muito vinculado ao estado psicológico das pessoas. É claro que, se a pessoa encontra-se em um momento de maior vulnerabilidade, a bebida pode se tornar uma opção para um anestesiamento dessa situação. Tendo em vista que as nossas emoções também são produto de reações químicas, quando uma pessoa encontra-se em um estado inusual, ela vai ter menos capacidade para se controlar. Há uma diferença, porém, entre as pessoas que utilizam o álcool como escape eventual daquelas que realmente dependem dele, e isso está muito associado ao aspecto biológico de sua ação. De acordo com Scivoletto há, de fato, um fator genético importante no desenvolvimento da doença e, ao mesmo tempo, o adaptamento do organismo ao consumo diverge de pessoa para pessoa. Ou seja, não é todo mundo que faz uso frequente de álcool que passará a desenvolver a dependência, porque não são todos que terão essa reação ao uso.
O tratamento do ponto de vista pessoal e social
De acordo com dados da OMS, um total de 3,3 milhões de pessoas morrem todos os anos pelas consequências da bebida – 5,9% de todas as mortes no mundo. No grupo das pessoas entre 20 e 39 anos, 25% das mortes têm uma relação direta com o álcool. Diante dessa realidade, é preciso enfatizar que muitas das complicações advindas do uso do álcool se relacionam com outros aspectos da vida do dependente.
O tratamento essencial é, basicamente, o término do uso do álcool. Esse processo, porém, não se desenvolve com rapidez ou facilidade. Primeiro, há uma necessidade de tratar as sintomas de abstinência e, posteriormente, inclusive o uso de medicação. Dessa forma, a pessoa vai conseguindo ficar cada vez mais tempo sem utilizar o álcool.
Além disso, como familiares ou pessoas que se relacionam com o dependente, Scivoletto enfatiza que é muito importante entender que a discussão em torno do álcool em si torna-se pouco produtiva na ajuda. “Dificilmente a pessoa que tem dependência está feliz. A questão não é discutir o álcool, se bebeu ou não bebeu. A família tem que contribuir em observar que a pessoa não está bem. Por que? Porque todo mundo tem o direito de ser feliz, então vá atrás desse direito”. A vida de alguém com dependência, então, torna-se dominada pelo álcool, e isso atrapalha todos os aspectos da sua vida, inclusive sua felicidade, limitando sua vivência em muitos âmbitos. A condição, porém, se mantém para o resto da vida, e há de haver um esforço constante em entender que o distanciamento do álcool leva tempo e requer uma mudança na vida da pessoa como um todo mas, ao mesmo tempo, os sintomas da dependência podem voltar a aparecer e devem ser tratados constantemente.