Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Escândalo do Mensalão completa 20 anos e ainda ecoa na política nacional

Caso marcou o governo Lula e deu início à nova onda conservadora no Brasil
Por Pedro de Santana (pdsantanasilva@usp.br)

Em 2005, um segredo que já circulava livremente nos corredores do Congresso virou manchete nacional. Durante o início do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o governo enfrentava dificuldades para consolidar uma base aliada sólida no Legislativo. Surgiu então um esquema de pagamentos de “mesadas” para parlamentares em troca de apoio nas votações – o escândalo que ficaria conhecido como o Mensalão.

Roberto Jefferson (PTB-RJ) depondo no Conselho de Ética [Imagem: Marcello Casal Jr./ABr – Agência Brasil/Wikimedia Commons]

O estopim

A primeira faísca do caso surgiu com o então deputado federal e presidente do PTB, Roberto Jefferson, acusado de desviar dinheiro dos Correios e de cobrar pagamentos mensais de R$ 400 mil do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) para financiar campanhas do seu partido. Pressionado pelas denúncias, Jefferson concedeu uma entrevista à Folha de S. Paulo que fez o chão de Brasília tremer no dia 6 de junho de 2005, jogando a bomba no colo do PT ao revelar um esquema de compra de apoio parlamentar liderado por membros da legenda.

Apesar da gravidade das acusações, Jefferson fez questão de isentar Lula de envolvimento direto, ao afirmar que o presidente teria se emocionado quando soube da existência do esquema. Segundo ele, parlamentares da base aliada ao governo recebiam até R$ 30 mil mensais e cargos em troca de apoio político. O tesoureiro do PT, Delúbio Soares, era responsável pelos repasses, enquanto o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, coordenava a ação dos parlamentares. De acordo com o Ministério Público Federal, Dirceu era o mentor e idealizador do plano.

A entrevista gerou uma reação em cadeia. Em 8 de junho, teve início o processo de cassação de Jefferson. No dia seguinte, foi criada a CPI dos Correios, que logo se estendeu para investigar o Mensalão. Pouco mais de uma semana, Dirceu deixou a Casa Civil, e em julho, José Genoino renunciou à presidência do PT, após a prisão de um assessor de seu irmão, flagrado com R$ 200 mil na mala e US$ 100 mil na cueca. A crise atingiu também o presidente Lula, que viu sua reprovação aumentar de 19% para 23% de acordo com uma pesquisa do Datafolha divulgada em 21 de julho de 2005 – e seguiria em alta nos meses seguintes.

As engrenagens

O jornal Folha de S.Paulo esquematizou o funcionamento do esquema de forma semelhante ao de uma máquina dividida em três engrenagens principais: os núcleos político, operacional e financeiro. Cada parte era essencial para garantir o funcionamento do esquema de corrupção.

No núcleo político, liderado por José Dirceu, estavam figuras centrais do PT como José Genoino, Delúbio Soares e Silvio Pereira. O grupo articulava o apoio de aliados, financiava campanhas eleitorais e fazia nomeações estratégicas para cargos públicos. Delúbio, como tesoureiro do partido, conectava o núcleo político ao operacional, garantindo a continuidade de empréstimos e distribuindo valores entre os parlamentares.

O núcleo operacional, comandado pelo publicitário Marcos Valério, começou a atuar ainda antes do resultado do pleito de 2002, com o objetivo de facilitar os repasses na hipótese de Lula vencer José Serra. Valério já era experiente e havia montado um esquema semelhante com o PSDB em Minas Gerais, em 1998, no chamado “mensalão tucano”. Com o PT no poder, suas agências – DNA e SMP&B – eram usadas para viabilizar os pagamentos ilícitos por meio de contratos fraudulentos com o Banco Rural e o Banco BMG. Seus sócios e funcionários, como Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Simone Vasconcelos, participavam ativamente da operação, ao emitir cheques fraudulentos que disfarçavam o repasse a parlamentares.

No núcleo financeiro, por sua vez, atuavam pessoas da alta cúpula do Banco Rural: Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Ayanna Tenório e Vinícius Samarane. Eles formalizavam empréstimos fictícios às empresas de Valério, sem garantias reais. Para o Ministério Público Federal, os dirigentes atuavam de forma consciente, com o objetivo de manter o esquema funcionando.

O julgamento

Em março de 2006, o então procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, apresentou denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra 40 envolvidos, acusados de peculato, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. A denúncia foi aceita pela Corte em 2007, o que deu início à Ação Penal 470 – nome jurídico do processo que investigou a compra de apoio dos parlamentares no Congresso.

Segundo dia de julgamento no Plenário [Imagem: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr/Wikimedia Commons]

Em 2012 teve início o julgamento do processo com a atuação dos ministros Joaquim Barbosa, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Teori Zavascki, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio, Celso de Mello e Gilmar Mendes. Em 2013, o ministro Luís Roberto Barroso — indicado pela então presidente Dilma Rousseff — foi sorteado pelo sistema eletrônico do Supremo para ocupar a vaga de Joaquim Barbosa, que optou por sair da relatoria da Ação Penal 470.

Com 50 mil páginas de autos, foi o maior já enfrentado pelo STF até então. Pela primeira vez, a Corte julgava figuras de destaque da política nacional por corrupção. Os ministros decidiram não desmembrar o processo, mesmo para os réus sem foro privilegiado, sob o argumento de que isso prejudicaria a eficácia do julgamento.Após 69 sessões, o STF, em 2013, condenou 25 réus e absolveu 12, com penas que variaram de prisão em regime fechado à medidas alternativas. O acórdão, com mais de 8 mil páginas, documentou todos os votos e os fundamentos das decisões.

Resumo das condenações 

Voto depositado, confiança quebrada

Embora tenha saído vitorioso na eleição de 2006, impulsionado por índices recordes de emprego e crescimento da economia, Lula carrega as consequências dos atos de seus colegas de partido até os dias atuais. O escândalo, frequentemente citado por adversários e pela imprensa, ainda é usado como argumento para questionar e desarmar discursos do petista. O caso também contribuiu para a percepção negativa e recorrente da existência de uma corrupção sistêmica nos governos do PT por parte dos eleitores brasileiros.

Mas essa percepção negativa não se restringe ao presidente: em uma pesquisa realizada pelo Ibope durante o julgamento do Mensalão, foi constatado que a confiança no Supremo Tribunal Federal (54%) era superior à depositada no Congresso (35%). De acordo com um levantamento da AtlasIntel realizado em 2025, essa desconfiança no Legislativo perdura até hoje: 82% dos entrevistados afirmaram não confiar nos deputados federais. De acordo com a analista política da CNN, Julliana Lopes,  esse índice está relacionado à percepção de que os parlamentares não trabalham em benefício do Brasil, mas em benefício próprio, ao apoiar projetos de reajuste dos próprios salários, além da falta de transparência na gestão de recursos públicos.

A imprensa como tribunal paralelo 

O Mensalão nas manchetes: Lula era o foco das acusações da mídia [Imagens: Divulgação/Governo da Índia; Ricardo Stuckert/Wikimedia Commons/ Jornalismo Júnior]

A mídia desempenhou um papel crucial na forma em que a população passou a enxergar o escândalo do Mensalão, influenciando diretamente os rumos da política nacional. O caso não deixou apenas lições para os tribunais e os brasileiros, mas também serviu para que os veículos de comunicação entendessem o impacto de suas coberturas na opinião pública. 

Na busca por oferecer atualizações em primeira mão, meios de comunicação recorreram ao chamado jornalismo declaratório, reproduzindo falas de autoridades sem apuração e criminalizando figuras públicas. É o que aponta o doutor em Ciências da Comunicação e professor da Universidade de São Paulo (USP), Celbi Pegoraro: “o maior erro da cobertura foi ter se pautado pelo jornalismo declaratório, de modo que várias pessoas foram condenadas pela imprensa, sendo criminalizadas antes mesmo de qualquer condenação na justiça. O desdobramento foi reforçar a visão de derretimento do então governo Lula”. 

A popularização de termos como “mensalão” e “mensaleiros” – criados por Roberto Jefferson e amplamente difundidos pela mídia –  também comprometeu o direito constitucional à presunção de inocência. Ao adotar esse vocabulário, os veículos abdicaram do papel analítico e se apoiaram na espetacularização e polarização. De acordo com Celbi, esses apelidos são criados por políticos e jornalistas a fim de facilitar o entendimento de uma crise: “para quem acompanha com regularidade o noticiário político, sem dúvida funciona como uma forma de localizar rapidamente uma pauta em meio a tantas notícias. Mas, para o público em geral, torna-se mais uma caricatura temática que homogeniza e até leva a um entendimento muito superficial dos temas discutidos”. 

Mesmo após escândalos posteriores, como a Operação Lava Jato, parte da imprensa continua a cometer erros em sua cobertura. Para o professor de Jornalismo na Universidade Estadual Paulista (Unesp), Juarez Tadeu de Paula, os veículos de comunicação aprenderam com os erros de outras instituições que acompanharam o caso – como na forma de apuração do judiciário – mas não com os próprios erros: “reduziram investimentos em apuração jornalística, com a redução das redações e estrangulamento econômico dos veículos”.

De acordo com Juarez, ao cobrir casos de grande repercussão como o Mensalão, a imprensa deve “exercitar o que as empresas e o jornalismo liberal pregam: apurar com independência, autonomia e correção, para que a sociedade possa, livremente, fazer suas opções.” O professor ainda destaca que o jornalismo atual precisa ser exercido com qualificação, autonomia e responsabilidade, sempre guiado pelo interesse público. 

Efeito dominó: antipetismo e ascensão bolsonarista

O sentimento de insatisfação com a classe política, especialmente com o Partido dos Trabalhadores, já havia sido instaurado na mente dos brasileiros após o esquema de corrupção exposto por Roberto Jefferson. O aumento do preço das passagens de ônibus, em 2013, foi o estopim. De acordo com Hemerson Luiz Pase, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Doutor em Ciência Política, o escândalo foi mais grave para o PT por ter a “ética na política” como uma das bandeiras de fundação do partido. 

“Quando um partido é estigmatizado como corrupto, como ocorreu com o PT durante o episódio da Ação Penal 470, ele é rejeitado.”

Hemerson Luiz Pase

Manifestantes na cúpula do Congresso Nacional no ano de 2013, em Brasília [Imagem: Reprodução/Fábio Rodrigues Pozzebom/ ABr]

Em 2 de junho de 2013, paulistanos foram às ruas após o prefeito Fernando Haddad (PT) anunciar um reajuste de R$ 0,20 dos transportes públicos de São Paulo. Após alguns dias, a onda de protestos ganha forças no Brasil. Porém, o aumento das tarifas tinha se tornado apenas um gatilho: o alvo logo se tornou o governo Dilma e o PT. A oposição viu no movimento caloroso dos brasileiros uma grande oportunidade de enfraquecer o governo, como explica Hemerson: “as manifestações foram capturadas por movimentos sociais de direita que as usaram para catapultar o antipetismo”.

Ainda segundo o professor, mesmo com a ampliação do sufrágio e o acesso das classes trabalhadoras ao poder, a elite brasileira sempre encontrou formas de manter sua influência. A estigmatização de um partido reformista, contrário à ideia de “Estado como propriedade da elite”, frustrou as expectativas das classes de base do Brasil e facilitou a ascensão de direitistas. 

Foi nesse cenário de desgaste da esquerda que Jair Bolsonaro – até então deputado –  surgiu como um representante do antipetismo, uma alternativa com lemas ultranacionalistas que fazia o uso de discursos anticorrupção, ataques a minorias sociais e seus direitos conquistados para autopromoção. Com isso, o ódio ao PT alimentado por setores da imprensa e por políticos conservadores deu início a uma nova era da política brasileira: o Bolsonarismo.

Em 2025…

Passadas duas décadas do escândalo do Mensalão, todos os condenados se encontram em liberdade, muitos beneficiados por indultos concedidos pelo STF e por ex-presidentes, como Dilma Rousseff e Michel Temer. José Dirceu, apontado como um dos principais personagens do esquema, tem marcado presença no 3º mandato de Lula ao participar de eventos, como a sessão solene ocorrida no Congresso Nacional, no dia 2 de abril de 2024, para celebrar a democracia e relembrar os 60 anos do golpe militar de 64.

Questionado se isso transmite um sentimento de impunidade, Hemerson afirma: “Não, pois há vários outros condenados pelo mensalão e outros processos até mais graves (como assassinatos) que atuam livremente no Congresso e, inclusive, professam fé e se manifestam contra a corrupção dos outros”.

Dirceu também esteve na posse da presidência do petista em 2023 e garantiu que não fez parte da campanha durante a corrida presidencial e que não fará parte do governo. O ex-ministro da Casa Civil conseguiu, ainda em 2024, a extinção de sua inelegibilidade após uma decisão da 5ª turma do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que confirmou a prescrição das condenações.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima