Jornalismo Júnior

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A expansão do esporte em direção à Las Vegas

Com investimentos bilionários em entretenimento esportivo, a “capital mundial do jogo” quer se tornar também “capital dos esportes”
Por Eduardo Granado (eduardo.prompto.granado@usp.br)

Conhecida por seus hotéis luxuosos, shows e cassinos, nos últimos anos Las Vegas se tornou palco para alguns dos esportes mais assistidos no mundo. A NHL, WNBA, NFL e Fórmula 1 já se estabeleceram em Las Vegas, além da promessa de MLB e NBA se acomodarem na cidade nos próximos anos.

A cidade virou uma “figurinha marcada” das grandes instituições esportivas. Mas por que uma cidade sem grande tradição no esporte começou a receber tantos eventos esportivos? Entre a atração do dinheiro e o grande mercado, são vários os fatores que levaram o esporte à “Cidade do Pecado”.

A “Cidade do Pecado”

No clima árido do estado de Nevada e próxima ao rio Colorado, Las Vegas surgiu no século XX a partir de terras de um antigo assentamento mórmon para ser entreposto de Los Angeles e Salt Lake City. A cidade começou como um destino de fim de semana para moradores de Los Angeles, devido, principalmente, aos empreendimentos que se tornariam símbolos da cidade: o turismo e os jogos de azar.

O crescimento inicial foi lento, caracterizado por angelinos atraídos pelo jogo e flexibilidade jurídica, e tornou-se expressivo apenas após a construção de instalações militares na região, durante a Segunda Guerra Mundial e a popularização do ar-condicionado. Criado em 1902 por Willis Carrier, foi utilizado primeiramente em uma gráfica para que não enrugasse as páginas de revistas, e em seguida, usado em comércios como cinemas e teatros. A tecnologia começou a ter uso doméstico nas décadas de 1930 e 40, o que facilitava a permanência na região no verão. Foi a partir desse ponto que começaram a surgir os grandes cassinos da cidade, os quais foram ligados ao crime organizado por um tempo. A expansão da cidade continuou nas décadas seguintes, com a formação da Strip, principal via da cidade, local de atrações como as Fontes de Bellagio, Paris Las Vegas, o Caesars Palace ,o aumento dos cassinos e shows de grandes astros como Frank Sinatra e Elvis Presley.

Famosa Strip de Las Vegas iluminada à noite
A Strip é reconhecida como All American Road, um espaço turístico único nos Estados Unidos [King of Hearts/Wikimedia Commons]

Hoje, Las Vegas destina milhões ao turismo e lazer anualmente. Porém, após a passagem de  gerações de famílias, ela conta com uma população estabelecida e ligada com a cidade. Esse pressuposto abre espaço para a formação de uma própria cultura e identidade “las veguiana”. Isso passa pelo esporte local, que por muitos anos foi rejeitado pelas grandes ligas americanas e teve destaque apenas em modalidades de lutas, como o MMA e o Boxe.

O esporte entre cassinos

A cidade sempre teve tradição nas lutas. O boxe é praticado desde o século passado e abrigou lutas lendárias, como o histórico confronto de 1997 em que Mike Tyson arrancou um pedaço da orelha de Evander Holyfield com os dentes. Após a ascensão do MMA nos anos 1990, a cidade virou um dos principais palcos do UFC no mundo e ganhou mais um apelido: a capital das lutas. Já outras modalidades, como o automobilismo e outras ligas estadunidenses não se firmaram no local, diferente da Flórida por exemplo, que sofria uma grande expansão desde os anos 1980.

O esporte americano não teve grande espaço no desenvolvimento da cidade justamente por conta dos jogos de azar presentes na região e o receio das grandes ligas de terem seus jogadores envolvidos em apostas, especialmente após o “Escândalo Black Sox”

O episódio ocorreu nas finais do beisebol em 1919, quando oito jogadores do Chicago White Sox perderam propositalmente a World Series para o Cincinnati Reds em troca de dinheiro de apostas. O caso veio à tona no ano seguinte, e os envolvidos foram banidos do esporte.

Por isso, sobrou para a cidade se contentar com o esporte universitário local (Universidade de Nevada, Las Vegas), destaque no basquete, eventos como o All-Star Game da NBA e os drafts do esporte estadunidense, e com times em ligas menores, submissas às grandes ligas do país, como o Las Vegas Aviators na Triple-A do beisebol, já que a oferta de apostas é bem menor.

O cenário se manteve até o século XXI,  quando, com o advento da tecnologia, a prática de apostas esportivas tornou-se popular no meio digital e independente dos cassinos físicos. 

“Anos 2000, sites de apostas. Você pode apostar no seu celular,  pode estar no banheiro, você consegue apostar, você pode estar fazendo qualquer coisa, de qualquer lugar. Então, não tem porque você manter essa distância de Las Vegas.”

Ubiratan Leal

Esforço e burocracia

A partir dos anos 2000, o interesse das grandes ligas em se deslocarem para Las Vegas aumentou, tanto pela queda do empecilho das apostas quanto pelos esforços da própria cidade em receber esses esportes. Isso acontece pois a “Cidade dos Cassinos” buscava atrair um público mais universal, se desvencilhando da grande fama de ser uma cidade voltada para o público adulto e para a vida noturna.  Logo, começa um investimento em setores de entretenimento para todos, como shows, grandes restaurantes, atrações como o “Cirque du Soleil”, e como dito, esportes. A cidade chegou a investir cerca de 7,7 bilhões de dólares até 2023 em infraestrutura e atrativos esportivos com ajuda do forte setor imobiliário da cidade.

Em entrevista ao Arquibancada, o jornalista Ubiratan Leal explica o porquê do esporte ser importante nesse processo: “O esporte é uma atração que você vai com a família, você pode ir com os filhos, qualquer um pode  ter interesse pelo esporte. Em qualquer grupo social vai ter muita gente  que gosta de esporte, que torce para um time e vai querer ver o jogo. Então é um jeito de diversificar o público.”

Outros aspectos que contribuem para a atração das organizações esportivas são o crescimento da cidade e do mercado interno – fator fundamental para a escolha da cidade como destino por empresários – e o poder midiático da cidade, que até os dias de hoje atrai uma grande quantidade de famosos e turistas.

“Las Vegas, por ser uma cidade muito famosa, traz um pouco da sua fama. A marca e a imagem da cidade se vinculam à imagem da Liga. Então, faz parte ali de um combo, de um collab você meio que agrega várias coisas”

Ubiratan Leal

Contudo, há uma burocracia nos esportes americanos para a criação de times nas grandes ligas, que operam em um sistema de franquias. Característico dos esportes no Estados Unidos, o sistema de franquias é um modelo de negócio no qual as franquias são adquiridas por investidores que tornam-se proprietários com o direito de comandar uma equipe, porém são submissos às regras impostas pela liga, o que garante equilíbrio e estabilidade para as operações. 

Para a criação de uma franquia, é necessário uma assembleia entre os donos de equipes para a aprovação, que culmina em duas formas: a expansão, quando cria-se um novo time na liga em uma cidade de interesse, ou a mudança de localização por uma franquia descontente com a área onde está situada.Por isso, Las Vegas ainda demorou a ter um time das grandes ligas na cidade, ocorrendo apenas eventos como os drafts, o All-Star Game da NBA em 2007 e mais recentemente o Super Bowl LVIII da NFL, em 2024.

Entrada do Allegiant Stadium recebendo o LVIII Super Bowl
O Super Bowl LVIII foi vencido pelo Kansas City Chiefs, time de craques como Patrick Mahomes e Travis Kelce. [Reproduçaõ: U.S. Customs and Border Protection/Wikimedia Commons]

Rumo à Las Vegas

Foi apenas em 2017 que surgiu o primeiro time das grandes ligas na “Cidade dos Cassinos”: o Vegas Golden Knights, da NHL, a liga de hóquei norte-americana. Fruto de uma expansão da liga, o Golden Knights chegou em Las Vegas para ocupar a T-Mobile Arena e se tornar um marco da cidade ao conquistar o vice-campeonato da Stanley Cup em sua temporada de estreia. Apesar do curto período de existência até então, na temporada de 2022-23, o time levantou o troféu de campeão da liga.

Junto dele, o Las Vegas Aces, da WNBA, chegou à cidade a partir de uma realocação, saindo de San Antonio, no Texas. O time foi a primeira equipe de Las Vegas a conquistar um troféu na cidade, em 2022, e se tornou bi campeão em 2023. Por fim, foi a vez do Oakland Raiders, da NFL, mudar de cidade e passar a se chamar Las Vegas Raiders em 2020. Está confirmada ainda a mudança do time de beisebol de Oakland, o Athletics, em 2028 para Las Vegas.

Arquibancadas do Coliseu, antigo estádio de Oakland
Conhecido como “O Coliseu”, o antigo estádio de Oakland, utilizado pelos times da região, foi um dos principais fatores para a mudança das franquias do local [Reprodução: Quintin Soloviev/Wikimedia Commons]

Com isso, a única grande liga estadunidense a não ter um time na “Cidade dos Cassinos” passa a ser a NBA. Porém, já existem muitos interessados na criação de uma equipe no local, como os astros Shaquille O’Neal e Lebron James, e a própria liga, que estuda uma expansão para 32 times, com possibilidade da criação de franquias em locais como Seattle, Vancouver e Las Vegas. 

A volta da Fórmula 1

Em 2023, foi o momento da Fórmula 1 voltar a Las Vegas após mais de 40 anos. A competição teve um circuito na cidade nos anos de 1981 e 1982, onde inclusive o brasileiro Nelson Piquet venceu seu primeiro campeonato, em 1981. Entretanto, o processo de volta à cidade se difere dos esportes americanos.

A competição não tinha grande popularidade entre os estadunidenses, pois era ofuscada pelas tradicionais NASCAR e Fórmula Indy, ligas automobilísticas de enorme audiência no país. Logo, a organização mantinha apenas grandes prêmios temporários como: Watkins Glen (Nova Iorque), Phoenix, Dallas e Indianapolis. Apenas o circuito de Austin, criado em 2012, teve um bom recebimento por parte do público da competição e se mantém até hoje no calendário de corridas.

Em 2019, foi lançada a série documental da Netflix sobre a Fórmula 1 Dirigir Para Viver (Drive to Survive, 2019), fenômeno de audiência nos Estados Unidos e uma virada de chave para sua entrada de vez nos lares norte-americanos. Estudos mostram que a série influenciou um crescimento de cerca de 10% de fãs nos EUA desde sua estreia até 2022.

Ao buscar atingir a nova audiência, a organização buscava algo novo no território estadunidense, e encontrou em Las Vegas essa possibilidade. A corrida, inclusive, acontece em horário diferente do comum, na noite de sábado, ao invés do tradicional domingo de manhã. Segundo Ubiratan, “É uma corrida que tem uma marca visual, que a Fórmula 1 queria, como uma ‘collab’, você cola a imagem de Las Vegas com a imagem da Fórmula 1. Assim, a Fórmula 1 se beneficia com a marca Las Vegas, com a imagem de Las Vegas, com o quanto Las Vegas está no imaginário das pessoas, [e agora] a Fórmula 1 também está lá”.

*Imagem de capa: Reprodução parcial/Visualhunt

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